sexta-feira, 31 de julho de 2020

O SONHO DE DEUS

Missa do 18. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,1-3; Romanos 8,35.37-39; Mateus 14,13-21.

 

            No mundo em que vivemos, comer e beber tem um preço. Isso significa que a saciedade da fome e da sede depende do dinheiro que uma pessoa tem. Habituados com a economia capitalista, a qual faz a sociedade girar em torno do dinheiro, nós ficamos admirados com essas palavras: “Vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga” (Is 55,1). Deus compara a salvação que Ele oferece a todos os povos a um banquete farto de comida e de bebida, e a condição para participar desse banquete não é ter dinheiro, mas simplesmente ter fome e ter sede: a comida e a bebida ali servidas são gratuitas, porque nenhum homem pode comprar a sua salvação perante Deus.

            “No banquete da festa de uns poucos, só rico se sentou. Nosso Deus fica ao lado dos pobres, colhendo o que sobrou”, diz a música. Deus não aprova as desigualdades sociais. Ele não comunga da indiferença que anestesia a nossa consciência e nos faz pensar que é normal que, enquanto uns poucos se fartam e desperdiçam, muitos não tenham meios para suprir suas necessidades básicas. O sonho de Deus é trazer para a mesa do seu Reino todos os povos, em especial todas as pessoas excluídas dos banquetes terrenos. O sonho de Deus é que todos os homens se sentem à Sua mesa e possam saciar sua fome e sua sede de salvação juntos, reencontrando a fraternidade perdida e restabelecendo a comunhão que foi prejudicada por separações sem sentido.

            Jesus compartilha desse sonho do Pai. Justamente no deserto, num lugar onde não se planta e não se colhe, num lugar onde o dinheiro não pode comprar nada, ele realiza o banquete de uma partilha que consegue saciar cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. Esse banquete se deu no deserto porque Jesus havia se retirado ali para vivenciar sua tristeza pela morte de João Batista, ocorrida durante o banquete do aniversário de Herodes. Mas sua tristeza acabou dando lugar ao sentimento de compaixão pela multidão que o seguiu: “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes” (Mt 14,14).

            Jesus é uma pessoa que vivencia seus sentimentos, vivencia sua dor. Ao mesmo tempo, ele não fica fechado na sua dor, mas abre-se à dor e às necessidades da multidão que procura por ele. Dessa forma, o dia caminha para o seu término, quanto, então, os discípulos lhe fazem a proposta: “‘Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!’ Jesus, porém, lhes disse: ‘Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!’” (Mt 14,15-16). Normalmente, nossa tendência é nos livrar de possíveis problemas. Diante das situações, calculamos nossos recursos, percebemos nossos limites e procuramos “tirar o time de campo”, antes que as coisas fiquem complicadas.

            “Despede as multidões” é uma forma de dizer que cada um tem que se virar com seus problemas; cada um precisa dar conta de sobreviver como pode. Jesus tem uma outra forma de ver as situações críticas; ele enxerga nelas uma oportunidade de exercitar a criatividade, de ampliar nossa compreensão a respeito de nós mesmos e da vida. “Eles não precisam ir embora”. Nós não precisamos nos tornar indiferentes ao sofrimento das pessoas à nossa volta só para voltarmos a ter paz. Nós não precisamos nos ocupar unicamente com nosso bem estar pessoal, sem nos importar com o sofrimento à nossa volta. Em uma palavra, nós não precisamos fugir das dificuldades; podemos enfrentá-las.  

Diante do desafio de Jesus – “Dai-lhes vós mesmos de comer!” – os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt 14,17). Jesus nos provoca a reconhecer e valorizar nossos recursos. Mesmo no deserto, símbolo de uma situação onde nos sentimos impotentes para mudá-la, é possível fazer alguma coisa; basta ativar nossas pequenas capacidades e potencialidades; basta que cada um coloque em comum aquilo que guarda consigo. “Tudo o que as pessoas tinham, foi colocado à disposição de todos. Esta atitude desencadeia o prodígio: a generosidade se contagia e realiza o ‘milagre’. Quando os bens imprescindíveis para a vida são monopolizados, provoca-se a miséria, a fome, e a morte. Libertado do monopólio, o pão, imprescindível para a vida, chega a todos sem ter que pagar um preço por ele” (Pe. Adroaldo).

Jesus “pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões. Todos comeram e ficaram satisfeitos” (Mt 14,19-20). Assim como os discípulos de Jesus fizeram ontem, assim somos chamados a fazer hoje: usar nossas mãos para fazer chegar a todas as pessoas o alimento que sacia a fome e a sede de vida e de salvação. Se o sonho do Pai e do Filho é que toda a humanidade se assente à mesa do banquete do Reino, nossas mãos sempre terão trabalho a fazer, até mesmo numa situação de deserto, até mesmo na escassez de solidariedade e compaixão próprias de um tempo marcado pelo individualismo, como o nosso.

 

ORAÇÃO*: Senhor, Tu me envias a falar de Ti como de um lar aberto no qual esperas todos os Teus filhos para a mesa posta, para um banquete que Tu mesmo preparas e no qual abundam comidas e bebidas deliciosas. Contudo, muitos rejeitam tal convite.

Procuro explicar que o Teu sonho é trazer para a Tua mesa todos os Teus filhos e filhas, para que reencontrem a fraternidade perdida, para a comunhão que foi prejudicada por separações sem sentido, como o puro e o impuro, o santo e o pecador.

Teu Reino não é um cume ao qual subir penosamente, ou que se conquiste por méritos e esforços, mas um presente imerecido, que faz transbordar de gozo e de gratidão. Teu Filho se assentou para comer com os pecadores e excluídos, provocando um escândalo ao nos dizer: “Meu Pai é assim! Meu Pai é festa, banquete, dança, mesa partilhada!”

Teu amor e Teu perdão são como um pão oferecido gratuitamente. O Senhor prometeu cuidar das nossas necessidades e provê-las a cada dia, mas nós continuamos a desconfiar disso e a nos encher de preocupação e ansiedade pelo que comer e beber, pelo que vestir e consumir.

Ao tomar os pães e os peixes em Suas mãos, Teu Filho elevou os olhos ao céu, para orientar o nosso olhar para Ti, de quem tudo recebemos. A seguir, pronunciou a bênção, para devolver aquele alimento à sua verdadeira natureza, que é o de circular, dividir-se, gerar vida, energia, convivialidade. A carência foi vencida pela generosidade e pela gratuidade.

Mas nós, diante de tal situação, dizíamos: ‘Não temos’, ‘isto é pouco’, ‘despede-os’, ‘que vão eles próprios comprar’. Diante de qualquer imprevisto, olhamos para nós mesmos, medimos nossas próprias forças e nos angustiamos, ao invés de olharmos para Ti, Deus nosso Pai, que és o manancial inesgotável de todo dom.      

Como o salmista, hoje dizemos: “Em Ti esperam os olhos de todos e no tempo certo Tu lhes dás o alimento: abres a Tua mão e sacias todo ser vivo com fartura” (Sl 145,15-16).

 

*Ir. Dolores Aleixandre, Revela-me Teu nome – imagens bíblicas para falar de Deus, Paulinas.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi


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