quinta-feira, 6 de agosto de 2020

NÃO RETROCEDER DIANTE DOS VENTOS CONTRÁRIOS

Missa do 19. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,9a.11-13a; Romanos 9,1-5; Mateus 14,22-33.

 

            Estamos no mês vocacional. Depois de termos celebrado a vocação sacerdotal, no domingo passado, hoje celebramos a vocação paterna, meditando na figura do pai no seio da família. Exatamente hoje a Palavra do Senhor nos fala sobre dois tipos de tempestade: aquela que aconteceu no coração do profeta Elias e aquela que aconteceu com os discípulos, durante a travessia no mar. Isso significa que toda vocação tem seus momentos de tempestade. Toda pessoa que foi chamada por Deus a uma missão tem que lidar com tempestades dentro de si mesma (Elias) e também com tempestades que acontecem no seio da Igreja (discípulos) e da sociedade humana.    

            Assim como aconteceu com o profeta Elias, às vezes a nossa alma transforma-se num mar agitado. Nós desejamos e precisamos nos encontrar com Deus, mas não o conseguimos de maneira imediata, pois Ele não está no furacão dos nossos afetos desordenados e das nossas emoções cegas e descontroladas. Deus também não está no terremoto da nossa raiva intensa e do nosso ódio contra tudo aquilo que consideramos errado e pensamos que deva ser destruído. Enfim, Deus também não está no incêndio da nossa intolerância e do nosso desejo de eliminarmos de uma vez por todas nossas imperfeições e sermos ouro ou prata totalmente puros. Somente quando silenciamos o barulho provocado pelo furacão, pelo terremoto e pelo incêndio que nos habitam, é que podemos encontrar o Senhor e ouvi-Lo na brisa suave do seu Espírito.  

            Assim como Elias, o pai é um homem às vezes perdido dentro de si mesmo, perdido na sua própria tempestade interior, um homem que deve enfrentar seus furacões, terremotos e incêndios interiores, um homem chamado a ter a coragem de silenciar e de ouvir o murmúrio de uma brisa suave, de ouvir a voz de Deus, vivendo sua vocação paterna não mais a partir da sua carne, dos seus instintos egoístas, mas a partir do Espírito Santo que torna o seu espírito humano capaz de domínio de si mesmo. Como fez com Elias, Deus confiou ao pai a missão de purificar a fé da sua família e de dar à sua casa a firmeza e a confiança necessárias para resistir às tempestades da vida.

            Justamente porque nossa vocação nunca é vivida de maneira individualista, mas comunitária e social, o Evangelho nos fala das tempestades que se fazem presentes na Igreja e na sociedade humana. Recentemente, o Papa Francisco afirmou que em um mundo doente como o nosso, a Igreja não pode pretender ser totalmente saudável. Em outras palavras, as tempestades que afetam o mundo, afetam também a nossa Igreja. As doenças e os conflitos que atingem a humanidade atingem também a nós, cristãos. Os ventos contrários que atentam contra a vida das pessoas também sopram contra a Igreja de Jesus Cristo, na tentativa de silenciar a voz do Papa Francisco, dos bispos e de todos os cristãos que se colocam na defesa da vida, da ecologia e contra uma economia que produz morte.   

            Enquanto a barca dos discípulos, imagem bíblica da Igreja, “era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário, Jesus... veio até os discípulos, andando sobre o mar” (Mt 14,24-25). O mesmo Jesus que caminha sobre as águas agitadas e não afunda nelas é aquele que estava em oração ao Pai, por si e pelos seus discípulos de todos os tempos. Isso significa que somente a oração nos capacita lidar com as tempestades; somente a força da oração nos faz atravessar as tempestades sem sermos tragados por elas. Assim como Elias, assim como Jesus, é na oração que podemos silenciar nossas tempestades e voltarmos a ouvir a voz de Deus.

            Àqueles discípulos, que gritavam de medo, Jesus disse: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27). Jesus quer que nós o reconheçamos junto a nós, em nossas tempestades. Se a voz do medo fala conosco, em nossas travessias e na vivência diária da nossa vocação, a voz da coragem precisa falar mais alto. Quando não superamos esse medo, nossa vocação acaba ficando comprometida. Portanto, assim como Pedro, nós também estendemos nossa mão a Jesus e gritamos: “Senhor, salva-me!” (Mt 14,30). E Jesus prontamente aceita a fraqueza da nossa fé e nos estende a mão todas as vezes que nós caímos ou nos afundamos. “Jesus oferece, pois, à sua Igreja, a vitória sobre as forças do mal e a segurança nas provações, mas pede como condição essencial uma confiança sem hesitação” (Missal dominical, p.769).

            Na Bíblia, o mar representa o mal, cuja força grandiosa tudo domina, uma força ameaçadora para todos nós. Na vida do pai, na vida de cada um de nós, da nossa Igreja, das nossas comunidades e da sociedade humana, o mal é uma realidade presente que precisa ser enfrentada. O mal quer nos fazer acreditar que a travessia para a outra margem não é possível, não dará certo. Ele sempre procura nos manter paralisados no medo e no desânimo, tirando do nosso horizonte a perspectiva da mudança. Mas Jesus continua a nos encorajar e a nos incentivar a fazer a travessia, mantendo os olhos fixos nele, que vem ao nosso encontro nas horas mais sombrias da nossa vida e nos entende a sua mão, para que possamos enfrentar os ventos contrários e chegar à outra margem, à meta que está no horizonte da vocação de cada um de nós.     

             “Senhor, salva-me!” (Mt 14,29). Esse é o grito que o pai e cada um de nós hoje dirige a Jesus. Que o Senhor nos salve de afundarmos na falta de fé; que Ele nos salve de ficarmos paralisados no medo e no desânimo; que Ele salve cada pai  e cada família de serem tragados pelo mal que há no mundo; que Ele salve a nossa Igreja, especialmente o Papa Francisco, nossos bispos, nossos padres, enfim, todos os cristãos. “O vento pode soprar o quanto quiser; a montanha jamais se curva diante dele” (provérbio chinês). Que nós não nos curvemos diante dos ventos contrários, mas diante do Senhor Jesus, o Filho de Deus, que silencia nossas tempestades e navega conosco, levando-nos com segurança e firmeza até o outro lado.

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi


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