sexta-feira, 3 de julho de 2020

DE ONDE VÊM O CANSAÇO E O ESGOTAMENTO?


Missa do 14. dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 9,9-10; Romanos 8,9.11-13; Mateus 11,25-30.

            Um sociólogo coreano chamado Byung-Chul Han escreveu um livro intitulado “Sociedade do cansaço”, por meio do qual nos torna conscientes da atitude doentia que temos tido em relação a nós mesmos, no sentido de nos tornarmos escravos de cobranças internas; cobranças de desempenho, de obtenção de resultados sempre melhores em todas as áreas da vida; cobranças em sermos eficientes o tempo todo, o que acaba por gerar em nós cansaço, esgotamento.
            Existem cobranças externas: enquanto o mercado nos cobra resultado, eficiência e aprimoramento profissional, a propaganda de consumo nos cobra a aquisição de bens materiais como garantia de felicidade. Para sustentar esse sistema constante de cobranças, surgiram as palestras motivacionais – a Internet nos oferece uma infinidade de vídeos “motivacionais” – cujo objetivo é nos convencer de que “nós podemos tudo”; é só uma questão de disciplina e de esforço diários. E então, sem nos darmos conta, as cobranças que antes eram externas passam a ser internas: nós passamos a ser carrascos de nós mesmos, não respeitando mais os nossos limites, uma vez que o suficiente nunca é alcançado.
            A nós, uma geração de pessoas sobrecarregadas, esgotadas, cansadas, escravas de si mesmas, Jesus hoje dirige essas palavras: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Diferente de nós, Jesus foi uma pessoa que sempre procurou se definir a partir de dentro e não de fora, não da expectativa ou da cobrança dos outros. Isso fez dele uma pessoa livre, alguém que se movia a partir dos seus valores e das suas convicções pessoais. Constantemente procurado por muitos, Jesus sabia retirar-se, fosse para o seu momento de oração, fosse para o seu momento de descanso. Numa palavra, Jesus jamais permitiu-se “ser devorado” pelas necessidades das pessoas que o procuravam.
            Hoje somos convidados a descansar nele o nosso fardo, isto é, a reavaliar as nossas urgências e a questionar as nossas cobranças internas. Nossas energias físicas e emocionais estão sendo gastas de maneira equilibrada, correta, ou estão sendo desperdiçadas? Os objetivos que estamos almejando dizem respeito à nossa verdade, à nossa vocação, ou estão sendo impostos a partir de fora, por pessoas que constantemente usufruem do nosso desgaste? As metas que nos propomos, seja para a vida profissional, afetiva ou espiritual, estão respeitando os nossos limites, ou estão colaborando para nos desumanizar e para nos adoecer?
A pandemia puxou o freio de mão da humanidade. O Papa Francisco afirmou que não foi a pandemia que nos adoeceu; nós já estávamos doentes. A pandemia apenas revelou que o nosso estilo de vida é doentio, porque nele não há lugar para o humano, para o encontro, para o transcendente, para a vida interior, para a oração. Tudo é cronometrado; tudo está em função de produzir resultados e ser eficiente. Pois bem, antes que nos jogássemos num abismo, a pandemia puxou o nosso freio de mão e nos fez parar, refletir, reavaliar os nossos valores e questionar se nós ainda estamos percebendo a diferença entre aquilo que é supérfluo e aquilo que é essencial.  
Além de nos convidar a descansar nele, Jesus nos propõe: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (Mt 11,29). Não existe vida sem jugo, sem fardo, sem objetivo a alcançar. Todos nós somos convidados a um esforço: o esforço em crescer, amadurecer, superar-se, tornar-se aquilo que cada um foi chamado a ser, a partir da sua própria vocação. O jugo de Jesus é o seu Evangelho, proposto como caminho de humanização e de amadurecimento para todos nós. E ao nos propor o seu jugo, o seu fardo, Jesus nos convida a aprender dele, aprender com a sua humildade e a sua mansidão. A humildade significa o amor e o respeito à nossa própria verdade. A mansidão, por sua vez, significa “força suavizada; ela não é a atitude medíocre daqueles que se sentem anulados pela presença violenta do outro. É força que não provém da violência externa, mas de uma transformação interna” (Pe Adroaldo).
Vivendo num mundo “onde imperam a prepotência, a agressividade, a vingança, o ataque e o desafio preventivo, o amedrontamento, a extorsão e a imposição violenta como meios habituais para conseguir os fins que se pretendem”, o que faz com que “a vida e as relações se convertam num campo de batalha contínua, como se fosse uma manada de lobos disputando o cordeiro” (Pe. Adroaldo), podemos aprender com Jesus a nos recusar a viver assim, pois cremos que a mansidão é a força interna que destrói os carros e os cavalos de guerra e quebra o arco os guerreiros (cf. Zc 9,9-10), isto é, daqueles que querem nos sugar para dentro da espiral da violência como forma de sobrevivência.
Enquanto Jesus nos convida a recuperar valores como humildade e mansidão, o apóstolo Paulo nos convida a analisar se estamos vivendo a partir da carne ou a partir do espírito, deixando claro que “se viverdes segundo a carne, morrereis, mas se, pelo espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis” (Rm 8,13). A carne é o nosso egoísmo humano, para o qual nada é o bastante. Quando nos deixamos arrastar por ele, caímos no esgotamento. O espírito é a voz interior de Deus, nos convidando a manter o foco no essencial e não nos perder no supérfluo. Cabe a cada cristão submeter a fome insaciável do seu ego ao equilíbrio e ao bom senso do seu espírito; ele é quem nos dá a medida certa para não nos tornarmos presas do cansaço e do esgotamento que nos desumanizam.
Finalizando, que saibamos identificar a nossa agitação. Ela nos indica que estamos sendo dirigidos a partir de fora, das expectativas, cobranças e pressões que o mundo nos impõe. Ao nos convidar a descansar nele, Jesus nos provoca a nos dirigir a partir de dento, respeitando nossa própria medida, nos reconciliando conosco mesmos e recebendo diariamente a vida como dom, não como fardo.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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