Missa do 14. dom. comum.
Palavra de Deus: Zacarias 9,9-10; Romanos 8,9.11-13; Mateus 11,25-30.
Um
sociólogo coreano chamado Byung-Chul Han escreveu um livro intitulado “Sociedade
do cansaço”, por meio do qual nos torna conscientes da atitude doentia que
temos tido em relação a nós mesmos, no sentido de nos tornarmos escravos de
cobranças internas; cobranças de desempenho, de obtenção de resultados sempre
melhores em todas as áreas da vida; cobranças em sermos eficientes o tempo
todo, o que acaba por gerar em nós cansaço, esgotamento.
Existem
cobranças externas: enquanto o mercado nos cobra resultado, eficiência e
aprimoramento profissional, a propaganda de consumo nos cobra a aquisição de
bens materiais como garantia de felicidade. Para sustentar esse sistema
constante de cobranças, surgiram as palestras motivacionais – a Internet nos
oferece uma infinidade de vídeos “motivacionais” – cujo objetivo é nos
convencer de que “nós podemos tudo”; é só uma questão de disciplina e de esforço
diários. E então, sem nos darmos conta, as cobranças que antes eram externas
passam a ser internas: nós passamos a ser carrascos de nós mesmos, não respeitando
mais os nossos limites, uma vez que o suficiente nunca é alcançado.
A
nós, uma geração de pessoas sobrecarregadas, esgotadas, cansadas, escravas de
si mesmas, Jesus hoje dirige essas palavras: “Vinde a mim todos vós que estais
cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt
11,28). Diferente de nós, Jesus foi uma pessoa que sempre procurou se definir a
partir de dentro e não de fora, não da expectativa ou da cobrança dos outros.
Isso fez dele uma pessoa livre, alguém que se movia a partir dos seus valores e
das suas convicções pessoais. Constantemente procurado por muitos, Jesus sabia retirar-se,
fosse para o seu momento de oração, fosse para o seu momento de descanso.
Numa palavra, Jesus jamais permitiu-se “ser devorado” pelas necessidades das
pessoas que o procuravam.
Hoje
somos convidados a descansar nele o nosso fardo, isto é, a reavaliar as nossas
urgências e a questionar as nossas cobranças internas. Nossas energias físicas
e emocionais estão sendo gastas de maneira equilibrada, correta, ou estão sendo
desperdiçadas? Os objetivos que estamos almejando dizem respeito à nossa
verdade, à nossa vocação, ou estão sendo impostos a partir de fora, por pessoas
que constantemente usufruem do nosso desgaste? As metas que nos propomos, seja
para a vida profissional, afetiva ou espiritual, estão respeitando os nossos
limites, ou estão colaborando para nos desumanizar e para nos adoecer?
A pandemia puxou o
freio de mão da humanidade. O Papa Francisco afirmou que não foi a pandemia
que nos adoeceu; nós já estávamos doentes. A pandemia apenas revelou que o
nosso estilo de vida é doentio, porque nele não há lugar para o humano, para o
encontro, para o transcendente, para a vida interior, para a oração. Tudo é cronometrado;
tudo está em função de produzir resultados e ser eficiente. Pois bem, antes que
nos jogássemos num abismo, a pandemia puxou o nosso freio de mão e nos fez
parar, refletir, reavaliar os nossos valores e questionar se nós ainda estamos
percebendo a diferença entre aquilo que é supérfluo e aquilo que é essencial.
Além de nos convidar
a descansar nele, Jesus nos propõe: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de
mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (Mt
11,29). Não existe vida sem jugo, sem fardo, sem objetivo a alcançar. Todos
nós somos convidados a um esforço: o esforço em crescer, amadurecer,
superar-se, tornar-se aquilo que cada um foi chamado a ser, a partir da sua
própria vocação. O jugo de Jesus é o seu Evangelho, proposto como caminho
de humanização e de amadurecimento para todos nós. E ao nos propor o seu jugo,
o seu fardo, Jesus nos convida a aprender dele, aprender com a sua humildade e
a sua mansidão. A humildade significa o amor e o respeito à nossa própria
verdade. A mansidão, por sua vez, significa “força suavizada; ela não é
a atitude medíocre daqueles que se sentem anulados pela presença violenta do
outro. É força que não provém da violência externa, mas de uma transformação
interna” (Pe Adroaldo).
Vivendo num mundo “onde
imperam a prepotência, a agressividade, a vingança, o ataque e o desafio
preventivo, o amedrontamento, a extorsão e a imposição violenta como meios
habituais para conseguir os fins que se pretendem”, o que faz com que “a vida e
as relações se convertam num campo de batalha contínua, como se fosse uma
manada de lobos disputando o cordeiro” (Pe. Adroaldo), podemos aprender com
Jesus a nos recusar a viver assim, pois cremos que a mansidão é a força interna
que destrói os carros e os cavalos de guerra e quebra o arco os guerreiros (cf.
Zc 9,9-10), isto é, daqueles que querem nos sugar para dentro da espiral da violência
como forma de sobrevivência.
Enquanto Jesus nos
convida a recuperar valores como humildade e mansidão, o apóstolo Paulo nos
convida a analisar se estamos vivendo a partir da carne ou a partir do espírito,
deixando claro que “se viverdes segundo a carne, morrereis, mas se, pelo
espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis” (Rm 8,13). A carne é
o nosso egoísmo humano, para o qual nada é o bastante. Quando nos deixamos
arrastar por ele, caímos no esgotamento. O espírito é a voz interior de Deus,
nos convidando a manter o foco no essencial e não nos perder no supérfluo. Cabe
a cada cristão submeter a fome insaciável do seu ego ao equilíbrio e ao bom
senso do seu espírito; ele é quem nos dá a medida certa para não nos
tornarmos presas do cansaço e do esgotamento que nos desumanizam.
Finalizando, que
saibamos identificar a nossa agitação. Ela nos indica que estamos sendo
dirigidos a partir de fora, das expectativas, cobranças e pressões que o mundo
nos impõe. Ao nos convidar a descansar nele, Jesus nos provoca a nos dirigir a
partir de dento, respeitando nossa própria medida, nos reconciliando conosco
mesmos e recebendo diariamente a vida como dom, não como fardo.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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