Missa do 15. dom.
comum. Palavra de Deus: Isaías 55,10-11; Romanos 8,18-23; Mateus 13,1-9.
Para se comunicar conosco, Deus se
fez Palavra. Sua Palavra tem o poder de curar-nos, de corrigir a direção da
nossa vida para não cairmos num abismo; sua Palavra tem o poder de nos fazer
passar da morte para a vida, isto é, de ressuscitar-nos, de devolver-nos
esperança e sentido para a vida. Além disso, em seu Filho Jesus a Palavra do
Pai se fez pessoa humana e veio habitar entre nós (cf. Jo 1,14). Assim, Jesus se
tornou “Evangelho”, isto é, Palavra portadora de salvação. Como afirma o
apóstolo Paulo, o Evangelho é “força de Deus para a salvação de todo aquele que
crê” (Rm 1,16). Por fim, Deus testemunha o poder da sua Palavra por meio do
exemplo da chuva: “como a chuva irriga e fecunda a terra, fazendo-a germinar, assim
a Palavra que sair de minha boca produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la”
(citação livre de Is 55,10.11).
Atualmente nós temos inúmeros meios
de fazer a Palavra de Deus chegar às pessoas, mas onde estão os frutos dessa
Palavra? Que “resultados” estamos vendo, seja em nós, que nos alimentamos
diariamente da Palavra, seja nas outras pessoas? Teria a Palavra de Deus
perdido sua força de nos impactar, por ter-se tornado tão conhecida e tão
repetitiva em nossa vida cristã? Ou será que, apesar de Deus continuar a enviar
diariamente sua Palavra como chuva capaz de irrigar a terra árida do nosso
coração, o chão da nossa vida foi cimentado pela descrença e pelo pessimismo,
tornando-se indiferente ao que Deus nos fala?
Enquanto a sociedade em que Jesus
viveu era rural, e a imagem da semente na terra falava profundamente ao coração
do povo que o ouvia, a nossa sociedade é quase que totalmente urbana, onde o
cimento, o metal o plástico e o aço parecem ter contribuído para nos tornar
pessoas “cimentadas”, blindadas, impermeáveis à penetração da Palavra de Deus no
chão da nossa vida. Desse modo, quando a chuva/Palavra nos visita, não toca no
chão árido da nossa alma, mas “bate” no cimento e escorre para os bueiros das
nossas cidades, cuja vida se encontra sufocada pelo materialismo e pelas novas
tecnologias, incapazes de converterem nossa aridez em fecundidade.
Às vezes, a natureza nos surpreende!
Em meio ao chão cimentado, em meio às pedras, uma planta ou uma árvore conseguiu
ali nascer. Como aquilo foi possível?! Aquilo foi possível porque o vento ou
algum pássaro fez com que uma semente caísse numa fenda, possibilitando o
contato da semente com a terra. Esses pequenos sinais de uma vida que brota em
meio ao cimento são um questionamento para nós. Existe em nós alguma fenda por
meio da qual a fecundidade da Palavra de Deus possa penetrar e começar a
germinar em nós um processo de cura, de transformação, de reavivamento? Se nós
costumamos reclamar da aridez da nossa vida de fé, seria importante nos
perguntar se temos, de fato, consentido que Deus penetre no profundo da nossa
alma e deposite ali a semente da sua fecundidade.
Jesus nos convida a revisar o
terreno da nossa alma, isto é, a maneira como ouvimos a Palavra de Deus. Talvez
sejamos pessoas muito superficiais: ouvimos de maneira desatenta a Palavra; não
dedicamos tempo suficiente para refletir sobre ela, o que faz com que essa
Palavra fique na superfície de nós mesmos, e o maligno venha e roube o que foi
semeado, tão facilmente como um pássaro come uma semente que está na superfície
do terreno (cf. Mt 13,4.19). Não nos esqueçamos de que o maligno trabalha
constantemente para dificultar o nosso contato com a Palavra de Deus.
Continuando a chamar a nossa atenção
para a superficialidade com que podemos viver nossa relação com Deus, Jesus nos
lembra da semente que cai entre as pedras: elas até começam a germinar, mas
quando o calor do sol as atinge, murcham e secam, por não terem raízes (cf. Mt 13,5-6.20-21).
O nosso é um tempo onde a maioria das pessoas não cultiva raízes, ou seja, não
tem interesse em aprofundar nada. Essa rejeição a criar raiz é a rejeição a
conhecer a si mesmo, a confrontar-se com sua verdade; é também a rejeição a
comprometer-se com as exigências da Palavra de Deus. Se a Palavra funciona na
vida da pessoa como autoajuda, ótimo, mas se questiona suas atitudes e,
principalmente, se lhe faz sofrer a rejeição por parte do mundo, a pessoa passa
a rejeitar a Palavra.
Outro tipo de pessoa que ouve a
Palavra de Deus é como a semente que cai no meio de espinhos: “os espinhos
cresceram e sufocaram as plantas” (Mt 13,7). E aqui Jesus é muito claro em
explicar que não existe nada mais oposto a Deus do que escolher apoiar-se nas riquezas,
nos bens materiais (cf. Mt 13,22). No mundo em que vivemos, globalizado pelo
mercado capitalista, todos nós trazemos esse conflito interior entre viver
segundo os valores do Evangelho ou viver segundo os contravalores propostos
pelo mercado. O resultado é simples: restringimos Deus ao âmbito pessoal,
privado, e não permitimos que a sua Palavra questione nossas escolhas políticas,
nossa conduta profissional e nossa forma de lidar com o dinheiro e com a
sexualidade.
Ao visitar conosco o terreno da
nossa vida, Jesus quer nos ajudar a reconhecer a fenda que há em todos nós e
que pode se tornar o espaço onde a semente da sua Palavra possa ser lançada e começar
a germinar ali a fecundidade do Espírito Santo. Nenhum ser humano é somente um
tipo de terreno. No campo da nossa alma há certamente muitas pedras e muitos
espinhos, mas há também terra boa, um espaço talvez nem visto por nós mesmos,
mas enxergado por Deus (cf. Mt 13,8.23). Ele não apenas confia na força
transformadora da sua Palavra, mas confia também em nossa capacidade de sermos
melhores, de sermos profundos, de acolhermos a sua graça e produzirmos o bom
fruto da justiça, da bondade, da verdade e da solidariedade no campo do nosso
mundo.
Ao acolhermos hoje a semente da sua
Palavra, lembremos que todo sofrimento em lançar sementes, mesmo que em meio às
lágrimas, será recompensado com a colheita dos frutos que alegrará o nosso
coração (cf. Sl 126,5-6). Toda semente que permitimos que Deus lance em nosso
terreno, assim como toda semente de bondade e de esperança que lançamos nos
terrenos onde nos encontramos, age em nós e no coração das pessoas como dores
de parto, uma dor de parto acompanhada pelo Espírito Santo, cuja graça tudo muda
e cuja fecundidade tudo transforma (cf. Rm 8,22-23).
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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