quinta-feira, 23 de julho de 2020

O REENCANTO POR DEUS

Missa do 17. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 3,5.7-12; Romanos 8,28-30; Mateus 13,44-52.

 

            Existe no ar um certo desencanto pela vida, um desencanto pelos valores, pelos ideais, pelos sonhos. Esse desencanto está presente até mesmo onde menos deveria estar, que é no coração das pessoas “religiosas”, isto é, das pessoas que acreditam em Deus, que acreditam ter uma vocação, uma missão. E aqui pode acontecer algo muito perigoso: justamente as pessoas que têm a missão de provocar no ser humano o encanto pela vida, o encanto por Deus e por Seu projeto em favor da humanidade, se tornaram incapazes de encantar os outros, porque não conseguem encantar nem a si mesmas.

            Jesus, o Filho, sempre foi uma pessoa encantada pelo Pai, encantada pela vida que o Pai deseja para todo ser humano. Ele nos fala desse encanto no Evangelho de hoje, por meio de duas parábolas: a do tesouro escondido e a da pérola preciosa. Um homem “encontra um tesouro escondido no campo... Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mt 13,44). Um outro homem “encontra uma pérola de grande valor... Ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola” (Mt 13,46). O que é esse tesouro? O que é essa perola? São imagens para falar de uma profunda experiência de Deus. Pessoas que se encontraram com Deus foram tocadas a partir de dentro; elas passaram a enxergar a vida com outros olhos, porque compreenderam quais são os verdadeiros valores, quais são os ideais que dão sentido à sua própria vida.

            Muitas pessoas nasceram ouvindo falar de Deus, isto é, nasceram numa cultura tradicionalmente cristã, mas são poucas as pessoas que até hoje fizeram uma experiência de Deus, que tiveram um encontro profundo com Ele. Para muitos, Deus é uma palavra gasta, um conceito vazio, um personagem do passado e distante, que nada diz para os dias atuais. Essas pessoas não sabem que o encontro com Deus é algo sempre transformador, porque sua luz abre horizontes novos e sua força nos encoraja e nos enche de confiança! Para muitos de nós, Deus ainda permanece como um tesouro ignorado, embora enterrado exatamente no chão da nossa alma. Embora Ele seja uma pérola preciosa, nós o vemos como uma bijuteria, uma pequena peça colorida, perdida e misturada com tantas outras no mosaico da nossa existência.

            Justamente por não estarmos encantados por Deus e por seu projeto a nosso respeito, falta-nos vontade para relativizar as outras coisas e colocá-Lo no centro da nossa existência. Se eu não me encanto por um valor, jamais abrirei mão de qualquer coisa por causa desse valor, jamais tomarei a decisão de vender tudo para comprar o campo onde se esconde o tesouro, ou para comprar a pérola preciosa. Seguirei pela vida sem experimentar a alegria que esses dois homens experimentaram.  

            Jesus, com essas duas parábolas, está nos fazendo uma pergunta: o que Deus significa para nós? E a resposta não se encontra em nossos lábios, mas na maneira como vivemos o nosso dia a dia. Portanto, a pergunta é: Eu estou encantado pela minha vida, pela minha existência, pela minha vocação? Eu sinto alegria quando me envolvo com a causa do Reino de Deus, ou a única coisa que me dá um pouco de alegria é me envolver com coisas do mundo? Eu me sinto atraído para a oração, para estar na presença de Deus, ou, pelo contrário, sinto cada vez mais repulsa em relação à vida espiritual? Todos aqueles que um dia se sentiram atraídos para Deus precisam pedir a graça de voltarem a se sentir assim, de voltarem a se encantar com a vida de fé.

            Jesus nos oferece, no final do Evangelho, uma última parábola, para nos ajudar a revisar os nossos valores, para nos fazer examinar melhor como está a nossa relação com o Pai: “O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam” (Mt 13,47-48). Nós não temos nos dado a esse trabalho de separar o que presta do que não presta. Pelo contrário, temos engolido tudo. Diariamente, uma infinidade de coisas entram pelos nossos olhos e pelos nossos ouvidos, e passam a habitar nossos pensamentos e sentimentos, nos distanciando do tesouro que habita o nosso interior e ofuscando o nosso olhar, de modo que não mais consigamos enxergar a pérola preciosa que é a presença de Deus em nós. Falta-nos discernimento, o que significa separar o que convém daquilo que não convém, o que nos aproxima de Deus daquilo que nos afasta d’Ele.

            Salomão pediu a Deus o dom do discernimento: “Dá ao teu servo um coração compreensivo, capaz de discernir entre o bem e o mal” (citação livre de 1Rs 3,9). O discernimento é como uma bússola interna, que nos guia a partir de dentro, que não nos deixar virar um joguete nas mãos do mundo desorientado em que vivemos. O discernimento nos faz enxergar que nem tudo o que está na rede da nossa vida presta: há coisas que precisamos jogar fora; há pessoas e situações em relação às quais precisamos nos afastar, colocar limites; há imagens de Deus que foram se enroscando na rede da nossa espiritualidade que mais atrapalham que ajudam em nossa vida de fé.

 

ORAÇÃO: Senhor, necessito encontrar-me contigo, na Tua verdade. Necessito descobrir o tesouro que Tu és no profundo de mim mesmo, a pérola preciosa que o meu coração busca, aquilo que dá sentido à minha vida e me enche de alegria e de entusiasmo.

Senhor, quando foi que eu fiz uma verdadeira experiência de Ti? Quando foi que eu me encantei por Ti, por Teu Reino, por Teu projeto em favor de todo ser humano? Quando foi que eu experimentei a alegria interior de abrir mão de tudo somente para estar contigo, na Tua vontade?

Ainda que eu tenha me afastado da profundidade de mim mesmo, Tu continuas a habitar em mim como um tesouro escondido. Ainda que eu tenha relativizado tantos valores, Tu continuas a ser a pérola preciosa cujo valor é absoluto em minha vida, jamais relativo.

Hoje quero parar, sentar-me, recolher-me, para analisar a rede da minha vida, esta rede repleta de apelos, de pensamentos e desejos, onde tudo está confuso e misturado. Concede-me o dom do discernimento, a graça de separar o que tem valor e o que não tem, de modo que eu dê prioridade somente àquilo que conformará minha vida à Tua vontade.

Desse modo, eu experimentarei a cada dia a alegria de que verdadeiramente Tu fazes com que todas as coisas que me acontecem sirvam para o meu bem e para a minha salvação, segundo o Teu projeto de amor para comigo. Em nome de Jesus, na graça do Espírito Santo. Amém!    

 

             Pe. Paulo Cezar Mazzi


2 comentários:

  1. Pe. Paulo, sempre de novo agradeço por todo o bem que a sua reflexão faz pra mim e pra tantas pessoas! O senhor tem o dom de ir ao âmago da nossa vida!
    Pe. Antônio - scalabriniano - SP

    ResponderExcluir
  2. Caro Pe. Paulo, que maravilhosa reflexão, realmente a cada dia Deus te cumula com o dom da sabedoria que proporciona espiritualidade encarnada que transcende a realidade e chega aos céus, que linda a oração. Continue semeando a amor terno e e eterno de Deus.
    Grande abraço
    José Igídio

    ResponderExcluir