Missa
do 17. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 3,5.7-12; Romanos 8,28-30; Mateus
13,44-52.
Existe no ar um certo desencanto
pela vida, um desencanto pelos valores, pelos ideais, pelos sonhos. Esse desencanto
está presente até mesmo onde menos deveria estar, que é no coração das pessoas “religiosas”,
isto é, das pessoas que acreditam em Deus, que acreditam ter uma vocação, uma
missão. E aqui pode acontecer algo muito perigoso: justamente as pessoas que
têm a missão de provocar no ser humano o encanto pela vida, o encanto por Deus
e por Seu projeto em favor da humanidade, se tornaram incapazes de encantar os outros,
porque não conseguem encantar nem a si mesmas.
Jesus, o Filho, sempre foi uma
pessoa encantada pelo Pai, encantada pela vida que o Pai deseja para todo ser
humano. Ele nos fala desse encanto no Evangelho de hoje, por meio de duas
parábolas: a do tesouro escondido e a da pérola preciosa. Um homem “encontra um
tesouro escondido no campo... Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus
bens e compra aquele campo” (Mt 13,44). Um outro homem “encontra uma pérola de
grande valor... Ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola” (Mt
13,46). O que é esse tesouro? O que é essa perola? São imagens para falar de
uma profunda experiência de Deus. Pessoas que se encontraram com Deus foram
tocadas a partir de dentro; elas passaram a enxergar a vida com outros olhos,
porque compreenderam quais são os verdadeiros valores, quais são os ideais que
dão sentido à sua própria vida.
Muitas pessoas nasceram ouvindo falar
de Deus, isto é, nasceram numa cultura tradicionalmente cristã, mas são poucas
as pessoas que até hoje fizeram uma experiência de Deus, que tiveram um
encontro profundo com Ele. Para muitos, Deus é uma palavra gasta, um conceito
vazio, um personagem do passado e distante, que nada diz para os dias atuais. Essas
pessoas não sabem que o encontro com Deus é algo sempre transformador, porque sua
luz abre horizontes novos e sua força nos encoraja e nos enche de confiança! Para
muitos de nós, Deus ainda permanece como um tesouro ignorado, embora enterrado
exatamente no chão da nossa alma. Embora Ele seja uma pérola preciosa, nós o
vemos como uma bijuteria, uma pequena peça colorida, perdida e misturada com
tantas outras no mosaico da nossa existência.
Justamente por não estarmos
encantados por Deus e por seu projeto a nosso respeito, falta-nos vontade para relativizar
as outras coisas e colocá-Lo no centro da nossa existência. Se eu não me
encanto por um valor, jamais abrirei mão de qualquer coisa por causa desse
valor, jamais tomarei a decisão de vender tudo para comprar o campo onde se esconde
o tesouro, ou para comprar a pérola preciosa. Seguirei pela vida sem
experimentar a alegria que esses dois homens experimentaram.
Jesus, com essas duas parábolas, está
nos fazendo uma pergunta: o que Deus significa para nós? E a resposta não se
encontra em nossos lábios, mas na maneira como vivemos o nosso dia a dia.
Portanto, a pergunta é: Eu estou encantado pela minha vida, pela minha existência,
pela minha vocação? Eu sinto alegria quando me envolvo com a causa do Reino de
Deus, ou a única coisa que me dá um pouco de alegria é me envolver com coisas
do mundo? Eu me sinto atraído para a oração, para estar na presença de Deus, ou,
pelo contrário, sinto cada vez mais repulsa em relação à vida espiritual? Todos
aqueles que um dia se sentiram atraídos para Deus precisam pedir a graça de
voltarem a se sentir assim, de voltarem a se encantar com a vida de fé.
Jesus nos oferece, no final do
Evangelho, uma última parábola, para nos ajudar a revisar os nossos valores,
para nos fazer examinar melhor como está a nossa relação com o Pai: “O Reino
dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo.
Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e
recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam” (Mt
13,47-48). Nós não temos nos dado a esse trabalho de separar o que presta do
que não presta. Pelo contrário, temos engolido tudo. Diariamente, uma infinidade
de coisas entram pelos nossos olhos e pelos nossos ouvidos, e passam a habitar
nossos pensamentos e sentimentos, nos distanciando do tesouro que habita o
nosso interior e ofuscando o nosso olhar, de modo que não mais consigamos enxergar
a pérola preciosa que é a presença de Deus em nós. Falta-nos discernimento, o
que significa separar o que convém daquilo que não convém, o que nos aproxima
de Deus daquilo que nos afasta d’Ele.
Salomão pediu a Deus o dom do
discernimento: “Dá ao teu servo um coração compreensivo, capaz de discernir
entre o bem e o mal” (citação livre de 1Rs 3,9). O discernimento é como uma
bússola interna, que nos guia a partir de dentro, que não nos deixar virar um
joguete nas mãos do mundo desorientado em que vivemos. O discernimento nos faz
enxergar que nem tudo o que está na rede da nossa vida presta: há coisas que
precisamos jogar fora; há pessoas e situações em relação às quais precisamos
nos afastar, colocar limites; há imagens de Deus que foram se enroscando na
rede da nossa espiritualidade que mais atrapalham que ajudam em nossa vida de fé.
ORAÇÃO:
Senhor, necessito encontrar-me contigo, na Tua verdade. Necessito descobrir o tesouro
que Tu és no profundo de mim mesmo, a pérola preciosa que o meu coração busca,
aquilo que dá sentido à minha vida e me enche de alegria e de entusiasmo.
Senhor,
quando foi que eu fiz uma verdadeira experiência de Ti? Quando foi que eu me
encantei por Ti, por Teu Reino, por Teu projeto em favor de todo ser humano?
Quando foi que eu experimentei a alegria interior de abrir mão de tudo somente
para estar contigo, na Tua vontade?
Ainda
que eu tenha me afastado da profundidade de mim mesmo, Tu continuas a habitar
em mim como um tesouro escondido. Ainda que eu tenha relativizado tantos
valores, Tu continuas a ser a pérola preciosa cujo valor é absoluto em minha
vida, jamais relativo.
Hoje
quero parar, sentar-me, recolher-me, para analisar a rede da minha vida, esta
rede repleta de apelos, de pensamentos e desejos, onde tudo está confuso e
misturado. Concede-me o dom do discernimento, a graça de separar o que tem
valor e o que não tem, de modo que eu dê prioridade somente àquilo que conformará
minha vida à Tua vontade.
Desse
modo, eu experimentarei a cada dia a alegria de que verdadeiramente Tu fazes com
que todas as coisas que me acontecem sirvam para o meu bem e para a minha
salvação, segundo o Teu projeto de amor para comigo. Em nome de Jesus, na graça
do Espírito Santo. Amém!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Pe. Paulo, sempre de novo agradeço por todo o bem que a sua reflexão faz pra mim e pra tantas pessoas! O senhor tem o dom de ir ao âmago da nossa vida!
ResponderExcluirPe. Antônio - scalabriniano - SP
Caro Pe. Paulo, que maravilhosa reflexão, realmente a cada dia Deus te cumula com o dom da sabedoria que proporciona espiritualidade encarnada que transcende a realidade e chega aos céus, que linda a oração. Continue semeando a amor terno e e eterno de Deus.
ResponderExcluirGrande abraço
José Igídio