Missa do 18. dom.
comum. Palavra de Deus: Isaías 55,1-3; Romanos 8,35.37-39; Mateus 14,13-21.
No mundo em que vivemos, comer e
beber tem um preço. Isso significa que a saciedade da fome e da sede depende do
dinheiro que uma pessoa tem. Habituados com a economia capitalista, a qual faz a
sociedade girar em torno do dinheiro, nós ficamos admirados com essas palavras:
“Vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro,
apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite,
sem nenhuma paga” (Is 55,1). Deus compara a salvação que Ele oferece a todos os
povos a um banquete farto de comida e de bebida, e a condição para participar
desse banquete não é ter dinheiro, mas simplesmente ter fome e ter sede: a
comida e a bebida ali servidas são gratuitas, porque nenhum homem pode comprar
a sua salvação perante Deus.
“No banquete da festa de uns poucos,
só rico se sentou. Nosso Deus fica ao lado dos pobres, colhendo o que sobrou”,
diz a música. Deus não aprova as desigualdades sociais. Ele não comunga da
indiferença que anestesia a nossa consciência e nos faz pensar que é normal que,
enquanto uns poucos se fartam e desperdiçam, muitos não tenham meios para suprir
suas necessidades básicas. O sonho de Deus é trazer para a mesa do seu Reino
todos os povos, em especial todas as pessoas excluídas dos banquetes terrenos. O
sonho de Deus é que todos os homens se sentem à Sua mesa e possam saciar sua
fome e sua sede de salvação juntos, reencontrando a fraternidade perdida e
restabelecendo a comunhão que foi prejudicada por separações sem sentido.
Jesus compartilha desse sonho do
Pai. Justamente no deserto, num lugar onde não se planta e não se colhe, num
lugar onde o dinheiro não pode comprar nada, ele realiza o banquete de uma
partilha que consegue saciar cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. Esse
banquete se deu no deserto porque Jesus havia se retirado ali para vivenciar sua
tristeza pela morte de João Batista, ocorrida durante o banquete do aniversário
de Herodes. Mas sua tristeza acabou dando lugar ao sentimento de compaixão pela
multidão que o seguiu: “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se
de compaixão por eles e curou os que estavam doentes” (Mt 14,14).
Jesus é uma pessoa que vivencia seus
sentimentos, vivencia sua dor. Ao mesmo tempo, ele não fica fechado na sua dor,
mas abre-se à dor e às necessidades da multidão que procura por ele. Dessa
forma, o dia caminha para o seu término, quanto, então, os discípulos lhe fazem
a proposta: “‘Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as
multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!’ Jesus, porém, lhes
disse: ‘Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!’” (Mt 14,15-16).
Normalmente, nossa tendência é nos livrar de possíveis problemas. Diante das
situações, calculamos nossos recursos, percebemos nossos limites e procuramos “tirar
o time de campo”, antes que as coisas fiquem complicadas.
“Despede as multidões” é uma forma
de dizer que cada um tem que se virar com seus problemas; cada um precisa dar
conta de sobreviver como pode. Jesus tem uma outra forma de ver as situações críticas;
ele enxerga nelas uma oportunidade de exercitar a criatividade, de ampliar
nossa compreensão a respeito de nós mesmos e da vida. “Eles não precisam ir
embora”. Nós não precisamos nos tornar indiferentes ao sofrimento das pessoas à
nossa volta só para voltarmos a ter paz. Nós não precisamos nos ocupar unicamente
com nosso bem estar pessoal, sem nos importar com o sofrimento à nossa volta. Em
uma palavra, nós não precisamos fugir das dificuldades; podemos enfrentá-las.
Diante
do desafio de Jesus – “Dai-lhes vós mesmos de comer!” – os discípulos responderam:
“Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt 14,17). Jesus nos provoca a reconhecer
e valorizar nossos recursos. Mesmo no deserto, símbolo de uma situação onde nos
sentimos impotentes para mudá-la, é possível fazer alguma coisa; basta ativar
nossas pequenas capacidades e potencialidades; basta que cada um coloque em
comum aquilo que guarda consigo. “Tudo o que as pessoas tinham, foi colocado à
disposição de todos. Esta atitude desencadeia o prodígio: a generosidade se
contagia e realiza o ‘milagre’. Quando os bens imprescindíveis para a vida são
monopolizados, provoca-se a miséria, a fome, e a morte. Libertado do monopólio,
o pão, imprescindível para a vida, chega a todos sem ter que pagar um preço por
ele” (Pe. Adroaldo).
Jesus
“pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou
a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os
distribuíram às multidões. Todos comeram e ficaram satisfeitos” (Mt 14,19-20). Assim
como os discípulos de Jesus fizeram ontem, assim somos chamados a fazer hoje:
usar nossas mãos para fazer chegar a todas as pessoas o alimento que sacia a fome
e a sede de vida e de salvação. Se o sonho do Pai e do Filho é que toda a
humanidade se assente à mesa do banquete do Reino, nossas mãos sempre terão trabalho
a fazer, até mesmo numa situação de deserto, até mesmo na escassez de
solidariedade e compaixão próprias de um tempo marcado pelo individualismo,
como o nosso.
ORAÇÃO*:
Senhor, Tu me envias a falar de Ti como de um lar aberto no qual esperas todos
os Teus filhos para a mesa posta, para um banquete que Tu mesmo preparas e no
qual abundam comidas e bebidas deliciosas. Contudo, muitos rejeitam tal
convite.
Procuro
explicar que o Teu sonho é trazer para a Tua mesa todos os Teus filhos e
filhas, para que reencontrem a fraternidade perdida, para a comunhão que foi prejudicada
por separações sem sentido, como o puro e o impuro, o santo e o pecador.
Teu
Reino não é um cume ao qual subir penosamente, ou que se conquiste por méritos
e esforços, mas um presente imerecido, que faz transbordar de gozo e de
gratidão. Teu Filho se assentou para comer com os pecadores e excluídos,
provocando um escândalo ao nos dizer: “Meu Pai é assim! Meu Pai é festa,
banquete, dança, mesa partilhada!”
Teu
amor e Teu perdão são como um pão oferecido gratuitamente. O Senhor prometeu
cuidar das nossas necessidades e provê-las a cada dia, mas nós continuamos a
desconfiar disso e a nos encher de preocupação e ansiedade pelo que comer e
beber, pelo que vestir e consumir.
Ao
tomar os pães e os peixes em Suas mãos, Teu Filho elevou os olhos ao céu, para
orientar o nosso olhar para Ti, de quem tudo recebemos. A seguir, pronunciou a
bênção, para devolver aquele alimento à sua verdadeira natureza, que é o de
circular, dividir-se, gerar vida, energia, convivialidade. A carência foi
vencida pela generosidade e pela gratuidade.
Mas
nós, diante de tal situação, dizíamos: ‘Não temos’, ‘isto é pouco’,
‘despede-os’, ‘que vão eles próprios comprar’. Diante de qualquer imprevisto,
olhamos para nós mesmos, medimos nossas próprias forças e nos angustiamos, ao
invés de olharmos para Ti, Deus nosso Pai, que és o manancial inesgotável de
todo dom.
Como
o salmista, hoje dizemos: “Em Ti esperam os olhos de todos e no tempo certo Tu
lhes dás o alimento: abres a Tua mão e sacias todo ser vivo com fartura” (Sl
145,15-16).
*Ir. Dolores Aleixandre,
Revela-me Teu nome – imagens bíblicas para falar de Deus, Paulinas.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi