quinta-feira, 30 de maio de 2019

E O PADRE DECIDIU DEIXAR O MINISTÉRIO



            Houve um dia em que você se encantou por alguém, por algum sonho, por um projeto de vida, por uma vocação ou profissão, ou, quem sabe, por Deus, por Jesus, pela causa do Evangelho. Mas, com o passar do tempo, pode ser que inúmeros acontecimentos tenham esfriado seu amor, seu entusiasmo, de modo que o seu encanto, aos poucos, transformou-se em desencanto, e hoje você se pergunta: Vale a pena continuar? Por que continuar? Ainda existe sentido na escolha que eu fiz, na decisão que eu tomei, na resposta que eu dei ao chamado de Deus?  
Algo estranho acontece com a nossa geração: muitos não estão sustentando suas escolhas, suas decisões, seus compromissos. O evangelista João resumiu a vida de Jesus nesta frase: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). No entanto, a muitos de nós cabem essas palavras que Deus dirigiu a Israel por meio do profeta Oseias: “O amor de vocês é como a neblina da manhã, como orvalho que rapidamente evapora” (Os 6,4). Diferente de Jesus, muitos não amam até o fim, mas até que a novidade se transforme em rotina, até que a decepção apareça, até que a cruz comece a pesar.
Tudo o que não cuidamos, perdemos; tudo o que não alimentamos, morre. As coisas mais importantes da nossa vida precisam ser cuidadas e alimentadas diariamente. Quando duas pessoas decidem se casar, precisam assumir o compromisso de alimentar diariamente o relacionamento conjugal. Da mesma forma, quando um padre ou uma irmã religiosa decide abraçar a vida consagrada, precisa alimentar diariamente sua consagração a Deus, a Jesus, à causa do Evangelho, como está escrito: “Irmãos, cuidem cada vez mais de confirmar a vocação e a escolha que Deus fez de vocês. Procedendo assim, vocês jamais tropeçarão” (2Pd 1,10). Assim como muitos casamentos morrem por falta de cuidado, de alimento, assim também pode acontecer com a vocação de um padre ou de uma irmã religiosa.
Embora muitos de nós pensemos que a causa da desistência de padres do ministério seja a exigência do celibato, do não poder casar-se, diversas pesquisas realizadas dentro da Igreja revelam que a causa é outra: a perda de fé, uma perda relacionada diretamente com o descuido (para não dizer abandono) com a vida espiritual, a vida de oração. Como disse Jesus aos cristãos da Igreja de Éfeso: “Você abandonou o seu primeiro amor” (Ap 2,4). E Deus, por sua vez, fez uma denúncia semelhante em relação ao povo de Israel, sua esposa: “Eles me abandonaram, a mim, fonte de água viva, para cavar para si cisternas, cisternas furadas, que não podem contar água” (Jr 2,13).     
Há uma sede dentro de cada um de nós: sede de felicidade, de amor, de sentido. Sempre que descuidamos do nosso relacionamento com Deus, o único que pode nos dar “água viva”, acabamos por improvisar cisternas, ou seja, formas de captar água de uma maneira mais prática, mas essas cisternas não funcionam porque são furadas: a água que às vezes conseguimos pegar vaza pelos vãos dos nossos dedos, e assim continuamos com sede. É por isso que a bebida e a droga não nos preenchem; a pornografia e a masturbação não nos preenchem; as relações sexuais adúlteras e promíscuas não nos preenchem; as comidas, bebidas e festas não nos preenchem; as roupas de marca, os paramentos luxuosos e caros, os altares ricamente ornamentados e as missas celebradas para cultuarem nosso próprio ego não nos preenchem; nem mesmo as reformas nas casas paroquiais e os carros novos que adquirimos nos preenchem. Tudo isso são cisternas furadas. Enquanto isso, nossa vocação murcha, definha, morre aos poucos, seca definitivamente, porque não cultivamos a nossa intimidade com Aquele que é fonte de água viva.
Há muitas outras coisas que precisariam ser abordadas sobre esse assunto do abandono do ministério, mas o espaço aqui não permite. Sendo assim, quero apenas considerar mais uma questão: nossa incapacidade de renúncia, de dizer “não” aos nossos desejos, aos nossos instintos, à nossa “carne”. O mundo no qual vivemos nos ensina que a coisa mais importante é ser feliz, é este “ser feliz” se traduz em deixar-se arrastar cegamente por suas emoções e seus desejos. Esta é uma felicidade profundamente egoísta: se para me sentir feliz eu precisar destruir meu casamento, ou o casamento de uma outra pessoa, ou prejudicar a Igreja da qual eu faço parte ou a qual eu represento, eu o faço sem nenhum sentimento de culpa, sem nenhum arrependimento.
Portanto, queridos irmãos leigos, vocês precisam estar cientes de que alguns de nós padres estamos tão doentes e mundanos quanto alguns de vocês estão. Embora o apóstolo Paulo tenha dito que não devemos nos “conformar com este mundo” (Rm 12,2), alguns de nós, que deveríamos nos portar como “homens de Deus”, decidimos tomar a forma do mundo e nos tornamos “homens mundanos”; melhor dizendo: “padres mundanos”. Enquanto um ou outro dentre nós tem perdido o sentido em ser padre, há alguns que, apesar de ainda se manterem padres, desviaram-se do modelo – Jesus Cristo, o verdadeiro Pastor – e se tornaram “ladrões e assaltantes” (Jo 10,1), e por isso estão precisando ser denunciados, afastados, interditados. E graças a vocês, cristãos leigos que têm amado a Igreja e cuidado dela mais do que alguns de nós, essa purificação está acontecendo.
Quero terminar esta reflexão com essas palavras do Pe. José A. Pagola: “Jesus se oferece como o caminho que podemos percorrer para entrar no mistério de um Deus que é Pai. São muitos hoje os homens e as mulheres que ficaram sem caminhos para Deus. Não são ateus. Nunca recusaram Deus de maneira consciente. Parecem ter abandonado a Igreja porque não encontraram nela um caminho atrativo para buscar com alegria o mistério último da vida que nós crentes chamamos ‘Deus’. A essas pessoas eu quero dizer que Jesus é maior do que a Igreja. Não deveis confundir Cristo com os cristãos (nem muito menos com os padres mundanos). Nem confundir o Evangelho com nossos sermões. Ainda que abandoneis tudo, não deveis ficar sem Jesus. Nele encontrareis o caminho, a verdade e a vida que nós não soubemos mostrar-vos”.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

QUEM SE DESVIA DAQUELES QUE NA TERRA SÃO INJUSTIÇADOS DESVIA-SE DO CÉU

Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Lucas 24,46-53.

            Ouvimos no texto dos Atos dos Apóstolos que Jesus “se mostrou vivo (aos discípulos) depois da sua paixão, com numerosas provas. Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus” (At 1,3), e depois de ter-lhes prometido enviar o Espírito Santo, “foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo” (At 1,9). Hoje celebramos aquilo que professamos em nossa fé: cremos que Jesus Cristo “subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos”. A ascensão de Jesus é a sua elevação, a sua subida ao céu. Hoje, de maneira especial, é oportuno recordar o convite que o apóstolo Paulo nos fez no dia da Páscoa: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde Cristo está, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3,2).   
            Em cada um de nós, em cada ser humano, existe o terrestre e o celeste. Nós somos terrestres enquanto corpo, e o nosso corpo carrega consigo necessidades como comer, beber e proteger-se. Mas este mesmo corpo, por ser dotado de afetividade e de sexualidade, também pede intimidade, amor, carinho, afeto. Enfim, segundo a Bíblia, nós não somos somente corpo e alma (físico e psíquico); somos também espírito, e o nosso espírito anseia por Deus, clama pelo Transcendente. Dizendo de outra forma, nós estamos na terra, mas não somos meramente terrestres; nascemos na terra, mas estamos destinados ao céu. Dentro de cada ser humano existe um anseio, um desejo por Deus: “Minha alma suspira por ti, ó meu Deus! Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42,2-3); “Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra árida, esgotada, sem água” (Sl 63,2).  
            Antes de subir ao céu, Jesus mandou Maria Madalena dizer aos discípulos: “Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Essas palavras significam que Jesus ligou o nosso destino ao seu: “Na casa do meu Pai há muitas moradas... Vou preparar-vos um lugar... Virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais também vós” (Jo 14,2-3). Assim como Jesus não pertencia a este mundo, nós também não pertencemos (cf. Jo 17,14). Assim como Ele fez a sua Páscoa, nós um dia faremos a nossa. Assim como a ressurreição de Jesus envolveu todo o seu ser – corpo, alma e espírito – assim também nós seremos ressuscitados, pois está escrito: “Assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15,49).    
            Voltemos à nossa profissão de fé: Jesus Cristo “subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. Por que Jesus subiu ao céu? Por que não ficou conosco aqui na terra? Na verdade, ele está conosco por meio do Espírito Santo, conforme a sua promessa: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Mas era preciso que Ele subisse ao céu por nossa causa: “Cristo entrou no céu a fim de comparecer na presença de Deus em nosso favor” (Hb 9,24). Desse modo, a subida de Jesus ao céu significa o fortalecimento da nossa esperança: “A esperança é para nós como uma âncora da alma, segura e firme, penetrando para além do véu, onde Jesus entrou por nós, como precursor” (Hb 6,19-20). Enquanto estivermos neste mundo, enfrentaremos momentos de tempestade, momentos em que o mar da vida estará muito agitado, mas nossa alma tem uma âncora, uma âncora segura e firme que nos liga ao céu, que liga o nosso destino ao de Jesus!
            Hoje é um dia oportuno para refletirmos sobre o céu. O que é o céu? O céu não é um lugar, mas uma situação, um estado de vida ou ainda um estado de espírito. Na verdade, o céu é uma Pessoa! Estar no céu é estar no coração de Deus; estar no céu é estar no colo do Pai, do Pai que prometeu enxugar as lágrimas de todos os rostos e remover para sempre a morte da face da terra: “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4; cf. também Is 25,8.9). Este Pai que está no céu nos disse algo muito importante por meio do profeta Isaías: “Eu habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados” (Is 57,15).
            Ao celebrarmos a ascensão, a subida de Jesus ao céu, precisamos nos lembrar de que Aquele que subiu ao céu foi o mesmo que escolheu descer do céu para se colocar junto a toda pessoa que se encontrava no abismo do pecado, do sofrimento, da desorientação, da desolação, da injustiça e da morte. Por isso, Jesus deixou claro que a porta que nos dá acesso ao céu se chama caridade, solidariedade, socorro aos necessitados: “Eu estava com fome e me destes de comer” (Mt 25,35). Os pobres aos quais socorremos, são justamente eles que nos receberão nas moradas eternas (cf. Lc 16,9). Quem se desvia daqueles que na terra são injustiçados desvia-se do céu. É da terra que o ser humano toma impulso para chegar ao céu. Justamente por isso, Jesus se despede de seus discípulos com essas palavras: “Esperai a realização da promessa do Pai... Sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias... Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria, e até os confins da terra” (At 1,4.5.8).
Ao voltar para o Pai, Jesus nos confiou uma missão: testemunhar o seu amor pela humanidade, especialmente pelos que sofrem; testemunhar o céu na terra, tornando-nos uma presença de Deus junto aos abatidos e humilhados; viver segundo o Espírito Santo, na verdade, na justiça e na santidade, mantendo-nos firmes na esperança de que o nosso homem terrestre será um dia revestido do homem celeste, e nós estaremos para sempre com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, além daqueles que já partiram e já se encontram no céu, no coração do Pai. Em relação à dor e à saudade que sentimos dessas pessoas, lembremos as palavras de Carlos Drummond de Andrade: “Não importa a distância que nos separa, se existe um céu que nos une”.

            ORAÇÃO: Pai do céu, meu corpo está na terra, mas meu coração se eleva até o céu para clamar por toda a humanidade, especialmente pelos que se encontram abatidos, humilhados, injustiçados. Visita a nossa terra, desce aos nossos abismos; faça com que todo ser humano deseje o céu, se reconheça destinado ao céu.
            Senhor Jesus, nossa esperança está em Ti. Cremos que o Senhor está diante da face do Pai, orando por nós, pela salvação de cada ser humano. Ajuda-nos a reconhecer Tua presença em cada pessoa que sofre, que necessita da nossa caridade, da nossa defesa, do nosso socorro. Que o nosso “homem terrestre” se deixe conduzir pelo Espírito Santo, até que nos tornemos “homens celestes”, alcançando a meta para a qual fomos destinados: o céu, o coração de Deus, o colo do Pai.
            Divino Espírito Santo, água viva que escorre do trono do Pai e do coração do Filho, nós Te aguardamos e Te desejamos como terra árida, sedenta e sem água. Derrama-Te sobre nós! Alcança-nos e retira-nos do mais profundo do nosso abismo. Ilumina com a Tua verdade aquilo que temos de mais oculto e obscuro em nós mesmos. Configura-nos ao Filho Jesus, devolve-nos a filiação divina e destina-nos a todos ao céu. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 23 de maio de 2019

NÃO DEFENDER-SE DA VIDA, MAS SIM DAQUILO QUE NOS INTIMIDA PERANTE A VIDA


Missa do 6º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29; Apocalipse 21,10-14.22-23; João 14,23-29.

            O ventre da mãe que ama o filho que está gerando é um lugar confortável e seguro, mas chega o momento em que o filho precisa deixar o conforto e a segurança do ventre materno e vir ao mundo, para percorrer o caminho que foi chamado a percorrer e realizar a missão para a qual foi chamado à existência. Enquanto a indústria da propaganda e do consumo, associadas à tecnologia, nos vendem produtos que prometem tornar a nossa vida sempre mais confortável, os psicólogos e palestrantes sobre motivação e liderança nos ensinam que, se quisermos crescer, temos que sair da nossa “zona de conforto”, pois ela é o maior obstáculo ao nosso amadurecimento humano e espiritual.
            Jesus está se despedindo dos seus discípulos. Ele vai voltar ao Pai e de lá enviar o Espírito Santo à sua Igreja. Justamente por ser um momento difícil para os discípulos, Jesus lhes diz: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (Jo 14,27). É como se Jesus nos dissesse: ‘Eu escolhi e formei vocês como meus discípulos não para ficarem perturbados e intimidados pelos conflitos que terão que enfrentar no mundo, mas justamente para que vocês encarem a realidade e enfrentem os desafios como pessoas que estão abertas ao crescimento, ao amadurecimento, como pessoas que desejam viver a vida com realismo, intensidade e profundidade, e não fugir dela’. O discípulo de Jesus não é alguém alienado, que vive uma espiritualidade que o afasta da realidade e que o mantém distante do sofrimento das pessoas à sua volta; pelo contrário, o discípulo de Jesus é alguém que se deixa questionar pela realidade para perceber nela o que Deus está lhe dizendo e realizar plenamente a sua missão.
            Por mais estranho que pareça, Jesus está dizendo aos discípulos que chegou a hora de fazer uma inversão. Até agora, eles estavam sendo gestados no coração do Pai e do Filho, mas a hora do parto está chegando e ela trará uma mudança importante: o Pai e o Filho passarão a habitar o coração dos discípulos por meio do Espírito Santo, capacitando-os assim para a missão. É por isso que Jesus diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23). Deus não quer apenas estar perto de nós ou junto a nós; Ele deseja habitar em nós, morar em nosso coração, no coração de cada ser humano. E quando o Pai e o Filho habitam no coração humano, ele se torna pleno de paz.  
            “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo” (Jo 14,27). A paz que o mundo nos promete depende de inúmeras condições externas: se tivermos saúde e dinheiro, se formos notados e valorizados pelos outros, se não tivermos dificuldades ou obstáculos, se não houver inimigos a combater e problemas a resolver, só então experimentaremos paz. Mas a paz de Jesus não depende de nenhuma circunstância externa; ela é fruto da harmonia interna conosco mesmos, com a nossa verdade e com a vontade de Deus. Santo Agostinho dizia que o nosso coração foi feito para Deus e só achará paz quando estiver em Deus. Quando o Pai e o Filho habitam em nós, nenhum acontecimento externo tira a nossa paz, mesmo porque o Pai e o Filho nos orientam e nos fortalecem diante dos desafios que a vida nos apresenta. Além disso, lembremos do discernimento de Santo Inácio de Loyola a respeito da paz: sempre que alinhamos o nosso coração à vontade de Deus, nos sentimos em paz; sempre que nos afastamos da vontade de Deus, a paz vai embora e no lugar dela vêm a perturbação, a inquietação, a ansiedade e o medo.  
            O Tempo Pascal caminha para o seu final e se encerrará com a festa de Pentecostes, na qual se deu a vinda do Espírito Santo. Por isso, hoje acolhemos com alegria esta promessa de Jesus: “o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14,26). Jesus chama o Espírito Santo de “Defensor”, no sentido de que Ele estará sempre ao nosso lado nas lutas do dia a dia, orientando-nos, protegendo-nos, fortalecendo-nos. Aqui é oportuno recordar a palavra do apóstolo Paulo a Timóteo: “Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de autodomínio” (2Tm 1,7). Justamente porque não é um espírito de medo, mas de força, o Defensor que Jesus nos prometeu não nos defenderá daquilo que temos que enfrentar, mas nos encherá de coragem e nos lançará para frente, para superarmos os obstáculos e continuarmos em nosso caminho de crescimento, de amadurecimento, de libertação e de santificação.   
Todo ser humano, mas sobretudo todo cristão, tem um combate a combater, e não se trata apenas de um combate em vista da sobrevivência neste mundo, mas em vista do fortalecimento da nossa fé e dos nossos passos no caminho da salvação. Justamente porque a nossa luta é espiritual, nosso Defensor é o Espírito de Deus. Ele nos ensinará aquilo que ainda temos que aprender – e nós sempre temos o que aprender! – e também nos recordará tudo aquilo que Jesus já nos ensinou, para que em cada situação possamos agir como Jesus agiria se estivesse em nosso lugar.   
Foi justamente no momento em que nos ensinou a oração do Pai nosso que Jesus afirmou: “o Pai dará o Espírito Santo aos que o pedirem” (Lc 11,13). Sendo assim, nós oramos: ‘Pai, em nome de teu Filho Jesus, pedimos a presença do Espírito Santo junto a nós, junto a todo ser humano, especialmente junto a cada coração que se encontra perturbado e intimidado diante dos problemas, das angústias, das incertezas e das ameaças do mundo atual. Confirma a graça do Teu Espírito em nós! Divino Espírito Santo, vem com a Tua força socorrer a nossa fraqueza. Tu és o nosso Defensor! Defende-nos do inimigo espiritual, que combate contra a nossa fé. Defende-nos de nós mesmos, do nosso medo, da nossa covardia, da nossa indiferença e da nossa acomodação egoísta. Defende-nos do pecado, da infidelidade, da desonestidade, da corrupção e da perda de sentido da vida. Defende-nos da violência, das guerras, da fome, do desemprego, das drogas e das doenças... Em nome de Jesus, que nos prometeu a Tua vinda, amém!     

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 16 de maio de 2019

SÓ O AMOR NOS SALVARÁ

Missa do 5º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 14,21b-27; Apocalipse 21,1-5a; João 13,31-33a.34-35.

            “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,34-35). Jesus disse essas palavras num discurso de despedida dos discípulos, como se dissesse: ‘Cuidem da essência de vocês! Cuidem daquilo que é essencial na Igreja que eu construí a partir de vocês! Cuidem de não perder a identidade de vocês! Muita coisa mudará ao longo dos anos, ao longo dos séculos; muita coisa mudará na humanidade, no mundo e na própria Igreja, mas uma coisa não pode mudar, não pode se perder: a essência de vocês como meus discípulos. Amem os outros como eu amei vocês!’.
            Antes de nos esforçarmos em viver o mandamento do amor, precisamos compreender melhor o que é o amor. “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou-nos seu Filho... E nós temos reconhecido o amor de Deus por nós e nele cremos” (1Jo 4,10.16). João nos revela que a nossa existência não se deve tanto ao amor entre um homem e uma mulher – muitos não foram gerados de um ato de amor – mas se deve ao Deus que é amor (cf. 1Jo 4,8). O amor de Deus estava à nossa espera antes de virmos a este mundo, e esse mesmo amor estará à nossa espera depois que deixarmos este mundo. Também o livro da Sabedoria afirma: “Sim, tu amas tudo o que criaste, (...) se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito” (Sb 11,24).
            A essência de Deus é amor e nós fomos criados à sua imagem e semelhança. Quando desistimos de amar, traímos nossa essência, adoecemos e começamos a morrer. É por isso que João afirma: “Aquele que não ama permanece na morte” (1Jo 3,14). Aquele que não ama ainda não ressuscitou. O problema não é que não existe amor em nós; o problema é que o nosso amor é frágil, inconsistente, um amor que se desfaz com facilidade, como o próprio Deus afirma: “O amor de vocês é como a neblina da manhã, como o orvalho que rapidamente desaparece” (Os 6,4). Diante de uma experiência de traição, de decepção, de não correspondência das nossas expectativas, de não retorno do nosso investimento, nós desistimos de amar. Nos esquecemos de que “amar não é um sentimento, mas uma decisão, uma escolha” (Santa Edith Stein), e não existe amor sem dor.  
            Não existe amor sem dor. Paulo e Barnabé procuravam encorajar as pessoas do seu tempo “a permanecerem firmes na fé, dizendo-lhes: ‘É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus’” (At 14,22). Por causa da maldade e da violência que existem no mundo, muitas pessoas estão deixando de crer e de amar. Está se tornando cada vez mais difícil encontrar pessoas que ainda decidam e queiram amar. Mas aqui precisamos lembrar as palavras do apóstolo Paulo: “Se eu não tivesse amor, nada seria... O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,2.7). Da mesma que Jesus amou seus discípulos até o fim (cf. Jo 13,1), nós também somos chamados a amar: até o fim. Além disso, o que movia o amor de Jesus não era o merecimento, mas a necessidade da pessoa. O amor ama preferencialmente aquele que sofre. É o sofrimento do meu irmão que me leva a amá-lo de maneira mais intensa e profunda.     
            Voltemos novamente a olhar para o amor de Deus. No livro do profeta Isaías há uma afirmação importante a respeito de como Deus escolheu e decidiu nos amar: “Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, porém meu amor não mudará” (Is 54,10). Muitas certezas que tínhamos ontem desapareceram; muitos sonhos e muitas esperanças que ontem nos animavam, evaporaram-se. Muita coisa pode ter mudado ao longo da nossa vida, mas há uma certeza que jamais mudará: o amor de Deus por nós, pela humanidade, por cada ser humano. É sobre a rocha dessa certeza inabalável que precisamos construir a nossa existência e nos unir a Deus na construção de um mundo novo, apresentado por João no livro do Apocalipse.
            Num momento de forte perseguição para a Igreja e para os cristãos, Jesus ressuscitado concedeu a João uma visão, testemunhada por ele nessas palavras: “Vi um novo céu e uma nova terra... Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus... Então, ouvi uma voz forte que saía do trono e dizia: ‘Esta é a morada de Deus entre os homens... Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes... Eis que faço novas todas as coisas’” (Ap 21,1.2.3.4.5). Aqui entendemos porque o apóstolo Paulo afirmou que “o amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,2.7): ele está assentado sobre essas palavras do Apocalipse, “dignas de fé e verdadeiras” (Ap 21,5), conforme o Senhor ressuscitado disse a João. Enfim, lembremos de que o mesmo Jesus que nos convida a amar as pessoas como ele nos amou, também nos fez um alerta: “A maldade crescerá a tal ponto que o amor de muitos se esfriará. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,12-13). Só o amor nos salvará.

Pe. Paulo Cezar Mazzi 


Frases de Madre Teresa de Calcutá sobre o amor

O senhor não daria banho a um leproso nem por um milhão de dólares? Eu também não. Só por amor se pode dar banho a um leproso.

É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado.

A falta de amor é a maior de todas as pobrezas.

Não é o que você faz, mas quanto amor você dedica no que faz que realmente importa.

O amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos machuque.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

ÀS MÃOS DE QUEM EU ME CONFIO A CADA DIA?

Missa do 4º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 13,14.43-52; Apocalipse 7,9.14b-17; João 10,27-30.

            Quem conduz você? Por quem ou pelo quê você se deixa conduzir no mundo de hoje? Na verdade, nós não gostamos de “ser conduzidos”. Por nos julgarmos pessoas autônomas e livres, queremos nos conduzir por nós mesmos. No entanto, a liturgia deste quarto domingo da Páscoa nos fala de Jesus como nosso Pastor e de nós mesmos como ovelhas do seu rebanho, e a imagem da ovelha remete para uma verdade que precisamos admitir: todos nós buscamos uma direção, todos nós precisamos de algo ou de alguém que nos conduza, sobretudo neste tempo de grande desorientação em que vive a humanidade. Desse modo, cada um de nós poderia fazer sua esta súplica que o salmista dirige a Deus: “Eu me desvio como ovelha perdida: vem procurar o teu servo!” (Sl 119,176).  
            O Pai enviou seu Filho como modelo de verdadeiro e bom Pastor, aquele que veio curar a ovelha que está doente, procurar e salvar aquela que se encontra perdida, trazer de volta aquela que se desgarrou do rebanho, proteger aquela que está em perigo, corrigir aquela que está se comportando de maneira inconsequente, até mesmo quebrando sua pata, se for necessário, para que aprenda a ficar junto do Pastor e pare de se expor desnecessariamente a situações de risco. Mas o próprio Jesus deixa claro que só existe uma coisa que liga a ovelha ao Pastor: escutar e obedecer a sua voz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz” (Jo 10,27).   
            Escutar Jesus no Evangelho pode parecer algo fácil, mas não é, sobretudo quando sua Palavra denuncia as nossas atitudes injustas, nos torna conscientes dos nossos erros ou vai contra os nossos interesses mundanos. A experiência de Paulo e Barnabé em Antioquia da Pisidia revelou isso: enquanto muitos judeus rejeitaram a pregação deles e se tornaram indignos da vida eterna (cf. At 13,46), muitos pagãos acolheram a Palavra, de modo que Lucas, autor dos Atos, afirma: “todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé” (At 13,48). Portanto, quando não damos ouvidos à voz de Jesus, nosso Pastor, acabamos por nos excluir da vida eterna.
            Muitas igrejas estão sofrendo hoje uma crise muito séria, quando se trata da figura do pastor. Muitos pastores deixaram de lado o ideal de se configurarem a Jesus, o Bom Pastor, e acabaram se tornando ladrões, assaltantes ou mercenários (cf. Jo 10,1.12-13), isto é, pastores que têm como interesse principal não o bem das ovelhas, mas enriquecer-se desonestamente às custas da ingenuidade religiosa delas. Outros se tornaram “guias cegos”, pastores desorientados internamente, alguns viciados em bebida ou em droga; outros, viciados em jogos ou em pornografia. São autoridades moralmente desautorizadas, homens incapazes de conduzir pessoas para Deus porque nem eles mesmos se esforçam por viver em Deus: além de não terem vida de oração séria e profunda, não se esforçam por viver aquilo que pregam aos outros. Por fim, existem os pastores vagabundos, aqueles que estão sempre “muito atarefados em não fazer nada” (2Ts 3,11). Se não cuidam com zelo e dedicação das ovelhas que ainda estão junto deles, imagine se eles se darão ao trabalho de irem atrás daquelas que estão afastadas!    
            Contudo, diante da atual crise de bons e verdadeiros pastores, precisamos tomar cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água do banho. Neste sentido, creio que as palavras do Pe. Pagola podem nos ajudar: “Que nós estejamos em crise, não significa que Deus está em crise. Que muitos cristãos tenham perdido o ânimo, não quer dizer que Deus tenha ficado sem forças para salvar. Que nós não saibamos dialogar com o homem de hoje, não significa que Deus não encontre caminhos para falar ao coração de cada pessoa. Que algumas pessoas se afastem das nossas igrejas, não quer dizer que elas não possam ser alcançadas pelas mãos protetoras de Deus. Deus é Deus. Nenhuma crise religiosa e nenhuma mediocridade da Igreja poderão arrancar das suas mãos os filhos e filhas que ele ama com amor infinito. Deus não abandona ninguém. Ele tem seus caminhos para cuidar e guiar cada um dos seus filhos, e seus caminhos não são necessariamente aqueles que nós pretendemos traçar”.
            Jesus deixa claro que, como verdadeiro Pastor, ele vigia, guia e protege cada ovelha do rebanho que o Pai lhe confiou: “Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai” (Jo 10,28-29). No meio desse imenso rebanho que é a humanidade, é cada vez mais perceptível a presença de lobos, isto é, de pessoas e de situações que ameaçam a nossa vida. Nunca como hoje temos sentido tanto medo, tanta insegurança, tão ameaçados. Nosso nível de ansiedade – sentimento de ameaça, de que algo ruim vai nos acontecer – está cada vez mais alto. Mas, assim como Paulo disse a Timóteo: “sei em quem coloquei a minha fé” (2Tm 1,12), nós precisamos dizer: ‘sei nas mãos de quem eu confiei a minha vida’.
            É muito confortadora esta verdade: o Pai confiou cada um de nós às mãos de seu Filho, e ninguém pode nos arrancar das mãos de Jesus. Isso é confirmado pelo livro do Apocalipse: “E aquele que está sentado no trono os abrigará na sua tenda. Nunca mais terão fome, nem sede. Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida” (Ap 7,15-17). Contudo, se é verdade que nenhum acontecimento ruim, nenhum problema e nenhuma pessoa pode nos arrancar das mãos de Jesus, também é verdade que algumas pessoas, ao invés de se confiarem às mãos de Jesus, estão se confiando a mãos erradas, permitindo que pessoas e situações as adoeçam, as machuquem e as levem para a destruição e morte... Cada ovelha é livre para escolher a quais mãos confiar-se...
            Uma verdade precisa ser recuperada e meditada neste Evangelho: “Meu Pai é maior do que todos, e ninguém pode arrancar pessoa alguma das mãos do Pai” (citação livre de Jo 10,29). Precisamos não ser ingênuos diante dessa afirmação de Jesus: basta nos confiar ou confiar aqueles que amamos às mãos do Pai e do Filho e nada de mal acontecerá. Quantas vezes, na oração, confiamos às mãos do Pai e do Filho pessoas que amávamos, mas elas foram arrancadas de nós através de uma doença, de um acidente ou da violência cega dos lobos que intimidam e controlam até mesmo as autoridades em nosso País? As mãos do Pai e do Filho nunca vão anular o fato de que, enquanto estivermos neste mundo, sempre seremos cordeiros vivendo no meio de lobos, e o perigo maior não é o de sermos atacados por algum lobo, mas o de nos transformarmos em lobos por uma questão de sobrevivência.
            “Meu Pai é maior do que todos”. Deus é maior que tudo o que nos acontece. Ele nos confiou aos cuidados de Jesus, o Bom Pastor. Ainda que passemos pelo vale escuro da morte, ainda que sejamos machucados por algum lobo, não devemos temer, pois o bastão e o cajado do nosso Pastor nos protegerão, nos defenderão e nos darão segurança para continuarmos o nosso caminho rumo aos prados da vida eterna (cf. Sl 23,4; Ap 7,17). Enfim, que a nossa comunidade se configure ao Bom Pastor, dispondo-se a ir atrás de cada ovelha que se afastou ou se perdeu, para trazê-la de volta (cf. Mt 18,12-14), pois “não é da vontade do vosso Pai, que está nos céus, que um desses pequeninos se perca” (Mt 18,14).

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 2 de maio de 2019

SE SEU AMOR NÃO FOR ATUALIZADO, VOCÊ MUDARÁ SUAS ESCOLHAS

Missa do 3º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 21,1-19.

            Houve um dia em que você se encantou por alguém, por algum sonho, por um projeto de vida, por uma vocação ou profissão, ou, quem sabe, por Deus, por Jesus, pela causa do Evangelho. Mas, com o passar do tempo, pode ser que inúmeros acontecimentos tenham esfriado seu amor, seu entusiasmo, de modo que o seu encanto, aos poucos, transformou-se em desencanto, e hoje você se pergunta: Vale a pena continuar? Por que continuar? Ainda existe sentido na escolha que eu fiz, na decisão que eu tomei, na resposta que eu dei ao chamado de Deus?   
            Algo estranho acontece no Evangelho de hoje com Pedro e alguns outros discípulos de Jesus. Eles decidem ir pescar, mas, durante aquela noite, não apanham nenhum peixe. Quando o dia amanhece, Jesus está “de pé na margem”, e o evangelista indica aqui dois sinais da ressurreição: o fato de Jesus estar de pé e de o dia ter amanhecido, uma referência à luz da ressurreição. E Jesus lhes pergunta: “Moços, vocês têm alguma coisa para comer?” (Jo 21,5). Essa pergunta de Jesus hoje é dirigida a cada um de nós: ‘Como você tem alimentado sua vocação, seu sonho, seu projeto de vida, seu relacionamento...?’ Alimentar tem a ver com cuidar, com manter vivo. Tudo aquilo que não cuidamos, não alimentamos, morre de desnutrição, morre por descuido; não tem como sobreviver.
            Essa cena da terceira aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos nos remete para o início de tudo, para a vocação dos quatro primeiros discípulos, que também vivenciaram uma situação semelhante de fracasso, mas que viram tudo mudar ao obedecerem à palavra de Jesus (cf. Lc 5,5-6). E agora, o Senhor ressuscitado lhes dá novamente uma palavra que transforma o seu fracasso em sucesso: “Lancem a rede à direita da barca e vocês encontrarão” (Jo 21,6). Essa pesca fracassada dos discípulos pode significar duas coisas: ou eles abandonaram o ideal do Evangelho, após a morte de Jesus na cruz, ou estão fazendo o seu trabalho de evangelização sem deixar-se orientar pela palavra do Senhor ressuscitado, como se tudo funcionasse automaticamente: Jesus ressuscitou, nós fomos enviados por ele a pescar homens (cf. Lc 5,10), isto é, a salvar pessoas da morte, e nossas redes se encherão de peixes sempre que forem lançadas ao mar.
            É verdade que a tecnologia nos oferece aparelhos que funcionam automaticamente, mas as nossas escolhas, as nossas decisões, os nossos sonhos, os nossos relacionamentos e, sobretudo, a nossa fé, não são assim; são valores que pedem para ser atualizados, e se não o forem, perderão o sentido para nós. Muitas pessoas que ontem estavam casadas, hoje estão separadas; muitos relacionamentos que pareciam eternos, dissolveram-se rapidamente; muitas pessoas que ontem professavam uma fé, hoje estão professando outra; muitas pessoas que ontem tinham fé, hoje não têm mais; muitas pessoas que ontem escolheram consagrar sua vida a Deus e à causa do Evangelho, hoje não veem mais sentido em manter essa escolha.
            É aí que entra o diálogo de Jesus ressuscitado com Pedro. O apóstolo Paulo afirma que “os dons e o chamado de Deus são sem arrependimento” (Rm 11,29). Jesus jamais se arrependeu de escolher e chamar aqueles discípulos e a cada um de nós. Mas ele, a cada manhã, nos pergunta o que perguntou a Pedro: “Você me ama?”. Aliás, a primeira ver em que Jesus pergunta isso, há um detalhe muito importante na pergunta: “Você me ama mais do que estes?” (Jo 21,15). Nós amamos muitas coisas na vida, e é até possível que também amemos Jesus, mas a questão que ele nos coloca é a seguinte: ‘Você me ama mais do que qualquer outra coisa?’. Essa pergunta de Jesus pode nos dar a impressão errada de que ele tem uma carência de fundo insaciável, e exige que o amemos de maneira a esgotar todo o nosso amor nele, de modo que nada sobre para os outros. Mas não é isso...
            Quando Pedro responde: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”, Jesus lhe diz: “Apascenta os meus cordeiros... Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15.16.17). O que Jesus está dizendo a Pedro e a nós são duas coisas: 1) O nosso amor para com ele não é uma questão meramente afetiva, sentimental, mas uma atitude, e uma atitude não para com ele, diretamente, e sim para com aqueles que ele confiou aos nossos cuidados. 2) Nós só perseveraremos até o fim no cuidado para com aqueles que a vida nos pediu para cuidar se o motivo principal for o amor, o amor a Deus, o amor ao Senhor que nos chamou à vida e a uma vocação específica: cuidar de pessoas que só podem ser cuidadas por nós. Portanto, o abandono do compromisso assumido tem como causa principal não o cansaço, não a rotina, não o desencanto, mas o esfriamento e a perda do amor.
            Como termina o diálogo entre Jesus e Pedro? Ele termina falando da velhice e da morte de Pedro. Tudo fica velho, com o passar do tempo. Tudo se desgasta, enfraquece, perde a beleza externa. O tempo não perdoa e não poupa ninguém. E se o nosso amor pelas escolhas que fizemos for meramente superficial, isto é, ficar somente na pele, nós não conseguiremos amar nada que fique velho, nem a nós mesmos. Falando com Pedro, Jesus nos ensina que, ao envelhecermos, nosso vigor mudará, nossos sonhos e nossas esperanças diminuirão, nossas ilusões desaparecerão, e nos daremos conta de que muito daquilo que pensávamos fazer não o faremos, porque nosso tempo aqui neste mundo está no fim. Mas, se ao longo da vida conseguimos atualizar o sentido das escolhas que fizemos, nós também conseguiremos dar sentido ao nosso envelhecer e ao nosso morrer.
            Eis a última palavra de Jesus a Pedro e a nós: “Siga-me” (Jo 21,19). Siga-me sempre, seja enquanto você é novo(a), seja quando ficar velho(a). Siga-me sempre, seja quando você está encantado(a), seja quando se sentir desencantado(a). Siga-me sempre, cuidando daqueles que eu confiei aos seus cuidados. Siga-me sempre, mesmo quando tantos outros ao longo do caminho perderem o sentido de me seguir. Siga-me, sem perguntar para onde estou levando você e o que você encontrará depois da próxima curva. Siga-me, confiando que, depois de cada noite de fracasso, eu trarei a você um novo amanhecer e lhe darei uma palavra de orientação, para prosseguir na sua missão. Siga-me, porque, ainda que você não saiba por que está me seguindo, eu sei por que escolhi você. Siga-me!

            Pe. Paulo Cezar Mazzi