Houve um dia em que você se encantou
por alguém, por algum sonho, por um projeto de vida, por uma vocação ou
profissão, ou, quem sabe, por Deus, por Jesus, pela causa do Evangelho. Mas,
com o passar do tempo, pode ser que inúmeros acontecimentos tenham esfriado seu
amor, seu entusiasmo, de modo que o seu encanto, aos poucos, transformou-se em
desencanto, e hoje você se pergunta: Vale a pena continuar? Por que continuar?
Ainda existe sentido na escolha que eu fiz, na decisão que eu tomei, na
resposta que eu dei ao chamado de Deus?
Algo
estranho acontece com a nossa geração: muitos não estão sustentando suas
escolhas, suas decisões, seus compromissos. O evangelista João resumiu a vida
de Jesus nesta frase: “tendo amado os
seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). No entanto, a
muitos de nós cabem essas palavras que Deus dirigiu a Israel por meio do
profeta Oseias: “O amor de vocês é como
a neblina da manhã, como orvalho que rapidamente evapora” (Os 6,4).
Diferente de Jesus, muitos não amam até o fim, mas até que a novidade se
transforme em rotina, até que a decepção apareça, até que a cruz comece a
pesar.
Tudo o
que não cuidamos, perdemos; tudo o que não alimentamos, morre. As coisas mais
importantes da nossa vida precisam ser cuidadas e alimentadas diariamente.
Quando duas pessoas decidem se casar, precisam assumir o compromisso de
alimentar diariamente o relacionamento conjugal. Da mesma forma, quando um
padre ou uma irmã religiosa decide abraçar a vida consagrada, precisa alimentar
diariamente sua consagração a Deus, a Jesus, à causa do Evangelho, como está
escrito: “Irmãos, cuidem cada vez mais
de confirmar a vocação e a escolha que Deus fez de vocês. Procedendo assim, vocês
jamais tropeçarão” (2Pd 1,10). Assim como muitos casamentos morrem por
falta de cuidado, de alimento, assim também pode acontecer com a vocação de um
padre ou de uma irmã religiosa.
Embora
muitos de nós pensemos que a causa da desistência de padres do ministério seja
a exigência do celibato, do não poder casar-se, diversas pesquisas realizadas
dentro da Igreja revelam que a causa é outra: a perda de fé, uma perda relacionada
diretamente com o descuido (para não dizer abandono) com a vida espiritual, a
vida de oração. Como disse Jesus aos cristãos da Igreja de Éfeso: “Você abandonou o seu primeiro amor” (Ap
2,4). E Deus, por sua vez, fez uma denúncia semelhante em relação ao povo de
Israel, sua esposa: “Eles me abandonaram,
a mim, fonte de água viva, para cavar para si cisternas, cisternas furadas, que
não podem contar água” (Jr 2,13).
Há uma
sede dentro de cada um de nós: sede de felicidade, de amor, de sentido. Sempre
que descuidamos do nosso relacionamento com Deus, o único que pode nos dar “água
viva”, acabamos por improvisar cisternas, ou seja, formas de captar água de uma
maneira mais prática, mas essas cisternas não funcionam porque são furadas: a
água que às vezes conseguimos pegar vaza pelos vãos dos nossos dedos, e assim
continuamos com sede. É por isso que a bebida e a droga não nos preenchem; a
pornografia e a masturbação não nos preenchem; as relações sexuais adúlteras e
promíscuas não nos preenchem; as comidas, bebidas e festas não nos preenchem;
as roupas de marca, os paramentos luxuosos e caros, os altares ricamente
ornamentados e as missas celebradas para cultuarem nosso próprio ego não nos
preenchem; nem mesmo as reformas nas casas paroquiais e os carros novos que
adquirimos nos preenchem. Tudo isso são cisternas furadas. Enquanto isso, nossa vocação murcha, definha, morre aos
poucos, seca definitivamente, porque não cultivamos a nossa intimidade com
Aquele que é fonte de água viva.
Há
muitas outras coisas que precisariam ser abordadas sobre esse assunto do
abandono do ministério, mas o espaço aqui não permite. Sendo assim, quero
apenas considerar mais uma questão: nossa
incapacidade de renúncia, de dizer “não” aos nossos desejos, aos nossos
instintos, à nossa “carne”. O mundo no qual vivemos nos ensina que a coisa
mais importante é ser feliz, é este “ser feliz” se traduz em deixar-se arrastar
cegamente por suas emoções e seus desejos. Esta é uma felicidade profundamente egoísta:
se para me sentir feliz eu precisar destruir meu casamento, ou o casamento de
uma outra pessoa, ou prejudicar a Igreja da qual eu faço parte ou a qual eu
represento, eu o faço sem nenhum sentimento de culpa, sem nenhum
arrependimento.
Portanto,
queridos irmãos leigos, vocês precisam estar cientes de que alguns de nós
padres estamos tão doentes e mundanos quanto alguns de vocês estão. Embora o
apóstolo Paulo tenha dito que não devemos nos “conformar com este mundo” (Rm
12,2), alguns de nós, que deveríamos nos portar como “homens de Deus”, decidimos
tomar a forma do mundo e nos tornamos “homens
mundanos”; melhor dizendo: “padres
mundanos”. Enquanto um ou outro dentre nós tem perdido o sentido em ser
padre, há alguns que, apesar de ainda se manterem padres, desviaram-se do
modelo – Jesus Cristo, o verdadeiro Pastor – e se tornaram “ladrões e
assaltantes” (Jo 10,1), e por isso estão precisando ser denunciados, afastados,
interditados. E graças a vocês, cristãos leigos que têm amado a Igreja e
cuidado dela mais do que alguns de nós, essa purificação está acontecendo.
Quero
terminar esta reflexão com essas palavras do Pe. José A. Pagola: “Jesus se oferece como o caminho que podemos
percorrer para entrar no mistério de um Deus que é Pai. São muitos hoje os
homens e as mulheres que ficaram sem caminhos para Deus. Não são ateus. Nunca
recusaram Deus de maneira consciente. Parecem ter abandonado a Igreja porque
não encontraram nela um caminho atrativo para buscar com alegria o mistério
último da vida que nós crentes chamamos ‘Deus’. A essas pessoas eu quero dizer
que Jesus é maior do que a Igreja. Não deveis confundir Cristo com os cristãos (nem
muito menos com os padres mundanos). Nem
confundir o Evangelho com nossos sermões. Ainda que abandoneis tudo, não deveis
ficar sem Jesus. Nele encontrareis o caminho, a verdade e a vida que nós não
soubemos mostrar-vos”.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi