quinta-feira, 9 de maio de 2019

ÀS MÃOS DE QUEM EU ME CONFIO A CADA DIA?

Missa do 4º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 13,14.43-52; Apocalipse 7,9.14b-17; João 10,27-30.

            Quem conduz você? Por quem ou pelo quê você se deixa conduzir no mundo de hoje? Na verdade, nós não gostamos de “ser conduzidos”. Por nos julgarmos pessoas autônomas e livres, queremos nos conduzir por nós mesmos. No entanto, a liturgia deste quarto domingo da Páscoa nos fala de Jesus como nosso Pastor e de nós mesmos como ovelhas do seu rebanho, e a imagem da ovelha remete para uma verdade que precisamos admitir: todos nós buscamos uma direção, todos nós precisamos de algo ou de alguém que nos conduza, sobretudo neste tempo de grande desorientação em que vive a humanidade. Desse modo, cada um de nós poderia fazer sua esta súplica que o salmista dirige a Deus: “Eu me desvio como ovelha perdida: vem procurar o teu servo!” (Sl 119,176).  
            O Pai enviou seu Filho como modelo de verdadeiro e bom Pastor, aquele que veio curar a ovelha que está doente, procurar e salvar aquela que se encontra perdida, trazer de volta aquela que se desgarrou do rebanho, proteger aquela que está em perigo, corrigir aquela que está se comportando de maneira inconsequente, até mesmo quebrando sua pata, se for necessário, para que aprenda a ficar junto do Pastor e pare de se expor desnecessariamente a situações de risco. Mas o próprio Jesus deixa claro que só existe uma coisa que liga a ovelha ao Pastor: escutar e obedecer a sua voz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz” (Jo 10,27).   
            Escutar Jesus no Evangelho pode parecer algo fácil, mas não é, sobretudo quando sua Palavra denuncia as nossas atitudes injustas, nos torna conscientes dos nossos erros ou vai contra os nossos interesses mundanos. A experiência de Paulo e Barnabé em Antioquia da Pisidia revelou isso: enquanto muitos judeus rejeitaram a pregação deles e se tornaram indignos da vida eterna (cf. At 13,46), muitos pagãos acolheram a Palavra, de modo que Lucas, autor dos Atos, afirma: “todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé” (At 13,48). Portanto, quando não damos ouvidos à voz de Jesus, nosso Pastor, acabamos por nos excluir da vida eterna.
            Muitas igrejas estão sofrendo hoje uma crise muito séria, quando se trata da figura do pastor. Muitos pastores deixaram de lado o ideal de se configurarem a Jesus, o Bom Pastor, e acabaram se tornando ladrões, assaltantes ou mercenários (cf. Jo 10,1.12-13), isto é, pastores que têm como interesse principal não o bem das ovelhas, mas enriquecer-se desonestamente às custas da ingenuidade religiosa delas. Outros se tornaram “guias cegos”, pastores desorientados internamente, alguns viciados em bebida ou em droga; outros, viciados em jogos ou em pornografia. São autoridades moralmente desautorizadas, homens incapazes de conduzir pessoas para Deus porque nem eles mesmos se esforçam por viver em Deus: além de não terem vida de oração séria e profunda, não se esforçam por viver aquilo que pregam aos outros. Por fim, existem os pastores vagabundos, aqueles que estão sempre “muito atarefados em não fazer nada” (2Ts 3,11). Se não cuidam com zelo e dedicação das ovelhas que ainda estão junto deles, imagine se eles se darão ao trabalho de irem atrás daquelas que estão afastadas!    
            Contudo, diante da atual crise de bons e verdadeiros pastores, precisamos tomar cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água do banho. Neste sentido, creio que as palavras do Pe. Pagola podem nos ajudar: “Que nós estejamos em crise, não significa que Deus está em crise. Que muitos cristãos tenham perdido o ânimo, não quer dizer que Deus tenha ficado sem forças para salvar. Que nós não saibamos dialogar com o homem de hoje, não significa que Deus não encontre caminhos para falar ao coração de cada pessoa. Que algumas pessoas se afastem das nossas igrejas, não quer dizer que elas não possam ser alcançadas pelas mãos protetoras de Deus. Deus é Deus. Nenhuma crise religiosa e nenhuma mediocridade da Igreja poderão arrancar das suas mãos os filhos e filhas que ele ama com amor infinito. Deus não abandona ninguém. Ele tem seus caminhos para cuidar e guiar cada um dos seus filhos, e seus caminhos não são necessariamente aqueles que nós pretendemos traçar”.
            Jesus deixa claro que, como verdadeiro Pastor, ele vigia, guia e protege cada ovelha do rebanho que o Pai lhe confiou: “Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai” (Jo 10,28-29). No meio desse imenso rebanho que é a humanidade, é cada vez mais perceptível a presença de lobos, isto é, de pessoas e de situações que ameaçam a nossa vida. Nunca como hoje temos sentido tanto medo, tanta insegurança, tão ameaçados. Nosso nível de ansiedade – sentimento de ameaça, de que algo ruim vai nos acontecer – está cada vez mais alto. Mas, assim como Paulo disse a Timóteo: “sei em quem coloquei a minha fé” (2Tm 1,12), nós precisamos dizer: ‘sei nas mãos de quem eu confiei a minha vida’.
            É muito confortadora esta verdade: o Pai confiou cada um de nós às mãos de seu Filho, e ninguém pode nos arrancar das mãos de Jesus. Isso é confirmado pelo livro do Apocalipse: “E aquele que está sentado no trono os abrigará na sua tenda. Nunca mais terão fome, nem sede. Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida” (Ap 7,15-17). Contudo, se é verdade que nenhum acontecimento ruim, nenhum problema e nenhuma pessoa pode nos arrancar das mãos de Jesus, também é verdade que algumas pessoas, ao invés de se confiarem às mãos de Jesus, estão se confiando a mãos erradas, permitindo que pessoas e situações as adoeçam, as machuquem e as levem para a destruição e morte... Cada ovelha é livre para escolher a quais mãos confiar-se...
            Uma verdade precisa ser recuperada e meditada neste Evangelho: “Meu Pai é maior do que todos, e ninguém pode arrancar pessoa alguma das mãos do Pai” (citação livre de Jo 10,29). Precisamos não ser ingênuos diante dessa afirmação de Jesus: basta nos confiar ou confiar aqueles que amamos às mãos do Pai e do Filho e nada de mal acontecerá. Quantas vezes, na oração, confiamos às mãos do Pai e do Filho pessoas que amávamos, mas elas foram arrancadas de nós através de uma doença, de um acidente ou da violência cega dos lobos que intimidam e controlam até mesmo as autoridades em nosso País? As mãos do Pai e do Filho nunca vão anular o fato de que, enquanto estivermos neste mundo, sempre seremos cordeiros vivendo no meio de lobos, e o perigo maior não é o de sermos atacados por algum lobo, mas o de nos transformarmos em lobos por uma questão de sobrevivência.
            “Meu Pai é maior do que todos”. Deus é maior que tudo o que nos acontece. Ele nos confiou aos cuidados de Jesus, o Bom Pastor. Ainda que passemos pelo vale escuro da morte, ainda que sejamos machucados por algum lobo, não devemos temer, pois o bastão e o cajado do nosso Pastor nos protegerão, nos defenderão e nos darão segurança para continuarmos o nosso caminho rumo aos prados da vida eterna (cf. Sl 23,4; Ap 7,17). Enfim, que a nossa comunidade se configure ao Bom Pastor, dispondo-se a ir atrás de cada ovelha que se afastou ou se perdeu, para trazê-la de volta (cf. Mt 18,12-14), pois “não é da vontade do vosso Pai, que está nos céus, que um desses pequeninos se perca” (Mt 18,14).

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

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