quinta-feira, 30 de maio de 2019

QUEM SE DESVIA DAQUELES QUE NA TERRA SÃO INJUSTIÇADOS DESVIA-SE DO CÉU

Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Lucas 24,46-53.

            Ouvimos no texto dos Atos dos Apóstolos que Jesus “se mostrou vivo (aos discípulos) depois da sua paixão, com numerosas provas. Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus” (At 1,3), e depois de ter-lhes prometido enviar o Espírito Santo, “foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo” (At 1,9). Hoje celebramos aquilo que professamos em nossa fé: cremos que Jesus Cristo “subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos”. A ascensão de Jesus é a sua elevação, a sua subida ao céu. Hoje, de maneira especial, é oportuno recordar o convite que o apóstolo Paulo nos fez no dia da Páscoa: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde Cristo está, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3,2).   
            Em cada um de nós, em cada ser humano, existe o terrestre e o celeste. Nós somos terrestres enquanto corpo, e o nosso corpo carrega consigo necessidades como comer, beber e proteger-se. Mas este mesmo corpo, por ser dotado de afetividade e de sexualidade, também pede intimidade, amor, carinho, afeto. Enfim, segundo a Bíblia, nós não somos somente corpo e alma (físico e psíquico); somos também espírito, e o nosso espírito anseia por Deus, clama pelo Transcendente. Dizendo de outra forma, nós estamos na terra, mas não somos meramente terrestres; nascemos na terra, mas estamos destinados ao céu. Dentro de cada ser humano existe um anseio, um desejo por Deus: “Minha alma suspira por ti, ó meu Deus! Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42,2-3); “Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra árida, esgotada, sem água” (Sl 63,2).  
            Antes de subir ao céu, Jesus mandou Maria Madalena dizer aos discípulos: “Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Essas palavras significam que Jesus ligou o nosso destino ao seu: “Na casa do meu Pai há muitas moradas... Vou preparar-vos um lugar... Virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais também vós” (Jo 14,2-3). Assim como Jesus não pertencia a este mundo, nós também não pertencemos (cf. Jo 17,14). Assim como Ele fez a sua Páscoa, nós um dia faremos a nossa. Assim como a ressurreição de Jesus envolveu todo o seu ser – corpo, alma e espírito – assim também nós seremos ressuscitados, pois está escrito: “Assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15,49).    
            Voltemos à nossa profissão de fé: Jesus Cristo “subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. Por que Jesus subiu ao céu? Por que não ficou conosco aqui na terra? Na verdade, ele está conosco por meio do Espírito Santo, conforme a sua promessa: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Mas era preciso que Ele subisse ao céu por nossa causa: “Cristo entrou no céu a fim de comparecer na presença de Deus em nosso favor” (Hb 9,24). Desse modo, a subida de Jesus ao céu significa o fortalecimento da nossa esperança: “A esperança é para nós como uma âncora da alma, segura e firme, penetrando para além do véu, onde Jesus entrou por nós, como precursor” (Hb 6,19-20). Enquanto estivermos neste mundo, enfrentaremos momentos de tempestade, momentos em que o mar da vida estará muito agitado, mas nossa alma tem uma âncora, uma âncora segura e firme que nos liga ao céu, que liga o nosso destino ao de Jesus!
            Hoje é um dia oportuno para refletirmos sobre o céu. O que é o céu? O céu não é um lugar, mas uma situação, um estado de vida ou ainda um estado de espírito. Na verdade, o céu é uma Pessoa! Estar no céu é estar no coração de Deus; estar no céu é estar no colo do Pai, do Pai que prometeu enxugar as lágrimas de todos os rostos e remover para sempre a morte da face da terra: “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4; cf. também Is 25,8.9). Este Pai que está no céu nos disse algo muito importante por meio do profeta Isaías: “Eu habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados” (Is 57,15).
            Ao celebrarmos a ascensão, a subida de Jesus ao céu, precisamos nos lembrar de que Aquele que subiu ao céu foi o mesmo que escolheu descer do céu para se colocar junto a toda pessoa que se encontrava no abismo do pecado, do sofrimento, da desorientação, da desolação, da injustiça e da morte. Por isso, Jesus deixou claro que a porta que nos dá acesso ao céu se chama caridade, solidariedade, socorro aos necessitados: “Eu estava com fome e me destes de comer” (Mt 25,35). Os pobres aos quais socorremos, são justamente eles que nos receberão nas moradas eternas (cf. Lc 16,9). Quem se desvia daqueles que na terra são injustiçados desvia-se do céu. É da terra que o ser humano toma impulso para chegar ao céu. Justamente por isso, Jesus se despede de seus discípulos com essas palavras: “Esperai a realização da promessa do Pai... Sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias... Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria, e até os confins da terra” (At 1,4.5.8).
Ao voltar para o Pai, Jesus nos confiou uma missão: testemunhar o seu amor pela humanidade, especialmente pelos que sofrem; testemunhar o céu na terra, tornando-nos uma presença de Deus junto aos abatidos e humilhados; viver segundo o Espírito Santo, na verdade, na justiça e na santidade, mantendo-nos firmes na esperança de que o nosso homem terrestre será um dia revestido do homem celeste, e nós estaremos para sempre com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, além daqueles que já partiram e já se encontram no céu, no coração do Pai. Em relação à dor e à saudade que sentimos dessas pessoas, lembremos as palavras de Carlos Drummond de Andrade: “Não importa a distância que nos separa, se existe um céu que nos une”.

            ORAÇÃO: Pai do céu, meu corpo está na terra, mas meu coração se eleva até o céu para clamar por toda a humanidade, especialmente pelos que se encontram abatidos, humilhados, injustiçados. Visita a nossa terra, desce aos nossos abismos; faça com que todo ser humano deseje o céu, se reconheça destinado ao céu.
            Senhor Jesus, nossa esperança está em Ti. Cremos que o Senhor está diante da face do Pai, orando por nós, pela salvação de cada ser humano. Ajuda-nos a reconhecer Tua presença em cada pessoa que sofre, que necessita da nossa caridade, da nossa defesa, do nosso socorro. Que o nosso “homem terrestre” se deixe conduzir pelo Espírito Santo, até que nos tornemos “homens celestes”, alcançando a meta para a qual fomos destinados: o céu, o coração de Deus, o colo do Pai.
            Divino Espírito Santo, água viva que escorre do trono do Pai e do coração do Filho, nós Te aguardamos e Te desejamos como terra árida, sedenta e sem água. Derrama-Te sobre nós! Alcança-nos e retira-nos do mais profundo do nosso abismo. Ilumina com a Tua verdade aquilo que temos de mais oculto e obscuro em nós mesmos. Configura-nos ao Filho Jesus, devolve-nos a filiação divina e destina-nos a todos ao céu. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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