terça-feira, 5 de março de 2019

PODEMOS DAR UMA OUTRA DIREÇÃO À NOSSA VIDA


Missa de Cinzas. Palavra de Deus: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18.

            Se você se dá conta de que está dirigindo seu carro numa estrada que vai terminar num abismo, você mudaria de direção? Embora a resposta pareça óbvia, não são poucas as pessoas que se recusam a mudar suas atitudes, mesmo sabendo que a vida delas está caminhando na direção de um abismo. Na Sagrada Escritura, essa mudança de atitude, essa mudança de direção, se chama conversão, uma conversão que expressa neste apelo de Deus: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; (...) voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 2,12-13).
            Quaresma é um tempo forte de conversão, de revisão de vida, de mudança de atitude: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6,2). Na Sagrada Escritura, o número quarenta tem um significado espiritual de renascimento: é o tempo necessário para que o nosso coração de pedra seja convertido em coração de carne, ou para que o nosso homem velho dê lugar ao homem novo. Da mesma forma como o nosso afastamento de Deus e da Sua vontade nunca se dá de uma hora para outra, mas é um processo, também o nosso retorno para Deus e a conformação da nossa vida à Sua vontade exige um tempo – um tempo de quarenta dias – no qual a cada dia procuramos dar um passo a mais na direção de Deus, nos afastando, assim, da direção do abismo para o qual estava caminhando a nossa vida.  
            Durante este período de quaresma, somos convidados por Jesus a rever as três principais relações da nossa vida: a relação com o próximo (esmola), a relação com Deus (oração) e a relação conosco mesmos (jejum). A relação com o próximo é retratada a partir da esmola porque o próximo é, sobretudo, o necessitado, alguém que à nossa volta está prejudicado e precisa da nossa caridade. Uma vez que o individualismo nos faz enxergar somente a nós mesmos e os nossos interesses, a prática da esmola nos desafia a olhar à nossa volta e a dedicar uma parte do nosso tempo e dos nossos recursos a alguém que necessita da nossa atenção, do nosso cuidado.
            A segunda relação que precisamos rever é aquela entre nós e Deus. Aqui se trata de rever a nossa vida de oração, prejudicada pela correria da vida moderna e pelas inúmeras solicitações das redes sociais. O conselho de Jesus – “quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto” (Mt 6,6) – nos oferece uma pista importante de como recuperar a nossa intimidade com Deus na oração. Todos os dias precisamos criar um espaço dentro de nós para a oração, entrando na intimidade de nós mesmos (quarto) e fechando a porta para o barulho, para aquela infinidade de solicitações exteriores, para só então nos colocar como barro nas mãos do nosso Oleiro. Sem esse espaço, sem esse tempo diário de oração, perdemos a nossa alma, enquanto tentamos dar conta de tudo o que o mundo exige de nós.
            A terceira relação que somos chamados a rever é aquela conosco mesmos. Mas, porque ela aparece na prática do jejum? Porque o jejum é um exercício de autodomínio. Nós estamos nos tornando pessoas cada vez mais sem autodomínio, pessoas incapazes de dizer “não” aos seus desejos e ambições, além de nos tornarmos incapazes de lidar com frustrações. Nós acabamos abrindo mão da liberdade diante dos nossos instintos e permitimos que eles passassem a controlar a nossa vida. Neste sentido, o jejum é um exercício de recuperação da nossa liberdade interior, uma purificação dos nossos instintos e desejos, uma revisão dos nossos valores, resgatando a noção daquilo que é verdadeiramente essencial em nossa vida.       
            Ao nos convidar a melhorar a nossa relação com o próximo (esmola), com Deus (oração) e conosco mesmos (jejum), Jesus sempre chama a atenção para a verdadeira intenção que trazemos no coração. A melhora nesses relacionamentos não pode ser tão superficial quanto fazer uma maquiagem; pelo contrário, tem que atingir as raízes mais profundas do nosso coração, onde está o Pai que vê o oculto, o escondido, as verdadeiras intenções com que fazemos tudo o que fazemos. Se não formos verdadeiros conosco mesmos, com a nossa consciência, com o nosso coração, nada mudará em nós nesta quaresma; chegaremos ao final dela sem nenhuma transformação interior.    
            Um gesto importante que nos introduz no tempo da quaresma é a imposição das cinzas em nossa cabeça. O significado dessas cinzas se encontra no livro do Gênesis: “Lembre-se de que você é pó e ao pó voltará” (Gn 3,19). As cinzas são colocadas em nossa cabeça para que tenhamos consciência de que o pecado produz morte em nós. Além disso, ter consciência da nossa morte pode nos ajudar a rever os nossos valores e a viver a nossa vida de outra maneira. Quem tem consciência da própria morte não vive perdido em meio a coisas urgentes e acidentais, mas mantém o foco naquilo que é essencial, e o essencial é a nossa salvação.
            Por fim, procuremos viver esta quaresma iluminados pela Campanha da Fraternidade deste ano, cujo tema é “Fraternidade e Políticas Públicas” e cujo lema é: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27). A Igreja nos estimula a participar de políticas públicas que fortaleçam a cidadania e o bem comum em nossa sociedade. Esclarecendo, políticas públicas são ações e programas que são desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que são previstos na Constituição Federal e em outras leis.
            Oração da CF 2019 – Pai misericordioso e compassivo, que governais o mundo com justiça e amor, dai-nos um coração sábio para reconhecer a presença do vosso Reino entre nós. Em sua grande misericórdia, Jesus, o Filho amado, habitando entre nós testemunhou o vosso infinito amor e anunciou o Evangelho da fraternidade e da paz. Seu exemplo nos ensine a acolher os pobres e marginalizados, nossos irmãos e irmãs com políticas públicas justas, e sejamos construtores de uma sociedade humana e solidária. O divino Espírito acenda em nossa Igreja a caridade sincera e o amor fraterno; a honestidade e o direito resplandeçam em nossa sociedade e sejamos verdadeiros cidadãos do “novo céu e da nova terra” Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário