quinta-feira, 28 de março de 2019

PARA DEUS PAI, NENHUM FILHO SEU ESTÁ PERDIDO OU MORTO PARA SEMPRE

Missa do 4º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Josué 5,9a.10-12; 2Coríntios 5,17-21; Lucas 15,1-3.11-32.

            Como você imagina Deus? Qual imagem você tem d’Ele dentro de si? Jesus nos ensinou a ver Deus como Pai. Essa imagem nos ajuda a desenvolver um relacionamento íntimo e profundo com Deus se a experiência que tivemos com nosso pai terreno foi positiva, mas pode acontecer também que o nosso relacionamento com Deus fique bloqueado pelo fato de termos tido experiências negativas com nosso pai terreno. Para evitar isso, Jesus nos ensinou que Deus não é apenas nosso Pai, mas o Pai que “está no céu”, isto é, o Pai que está acima, que transcende todos os limites e as imperfeições do pai terreno, o Pai que nos ama com um amor incondicional, o Pai que ama todo ser humano, o Pai que, por querer que todas as pessoas sejam salvas (cf. 1Tm 2,4), não quer que nenhuma delas se perca (cf. Mt 18,14).
            Essa imagem de Deus como o Pai que não aceita perder nenhum de seus filhos foi rejeitada pelos fariseus e mestres da Lei que, ao verem Jesus em meio aos pecadores, o criticaram: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (Lc 15,2). Para muitas pessoas, é preciso que haja uma separação nítida e clara entre o sagrado e o profano, entre os puros e os impuros, entre os santos e os pecadores, entre os salvos e os perdidos. Jesus, no entanto, veio nos ensinar que, assim como o lugar do médico é junto daqueles que estão doentes, o seu lugar como Filho de Deus é junto dos homens e das mulheres que estão mortos e precisam voltar a viver, das pessoas que estão perdidas e precisam ser encontradas.
            Portanto, para corrigir em cada um de nós a imagem distorcida, traumatizada ou ignorada de Deus como Pai, Jesus nos contou esta parábola, a parábola do Pai misericordioso, uma parábola que começa com esta decisão do filho mais novo: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe” (Lc 15,12). Ora, o momento de se repartir a herança é quando o pai morre. Portanto, este filho mais novo retrata o nosso mundo, um mundo que rejeita a autoridade do pai, rejeita viver sob a sua orientação, rejeita ter que obedecer ao pai. De fato, a parábola afirma que o filho, depois de receber sua parte da herança, “juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada” (Lc 15,13).
            “Vida desenfreada”. Muitas pessoas não aceitam o freio da família, o freio da religião, o freio de qualquer autoridade. Elas querem ser livres e fazer o que sentirem vontade, sem se importar com o certo e o errado e sem querer arcar com as consequências. Ora, uma vida desenfreada cedo ou tarde se transforma numa vida que destrói a si mesma. Não é à toa que o filho que tinha tudo na casa do pai agora se encontra não só passando necessidade, mas passando fome, sem poder comer até mesmo a comida que ele dava aos porcos. Esse filho desceu ao mais profundo do poço, ao mais profundo do buraco que ele mesmo cavou.
            Quando nós rejeitamos depender de Deus, passamos a sofrer uma dependência imposta pelo mundo. Na verdade, são muito raras as pessoas que decidem “matar” Deus, isto é, “matar” o Pai dentro delas, mas são muitas as pessoas hoje em dia que vivem como se Deus não existisse – elas não cultivam nenhum relacionamento com Ele –, e ao escolherem viver assim, se tornam pessoas orfãs, sem Pai, pessoas entregues a si mesmas, entregues à desorientação do próprio coração. Rejeitando o cuidado do Pai, elas passam a ser um alvo fácil para o maligno ferir, perturbar, infernizar. Não há dúvida que Deus sofre profundamente ao ver tantos filhos Seus nessa situação, mas Ele respeita a liberdade que deu a cada um de nós, na esperança de que cada um possa “cair em si” e se dar conta do mal que está causando a si mesmo.
            Assim aconteceu com o filho mais novo: “Então caiu em si e disse: ‘(...) Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti’” (Lc 15,17-18). Se existe um caminho de distanciamento, existe também um caminho de reaproximação. Nada está perdido para sempre; nada está morto definitivamente! É possível voltar! Nós temos para onde voltar; mais do que isso, nós temos para Quem voltar! Qualquer que seja o nosso pecado, qualquer que tenha sido o nosso erro de matar o Pai dentro de nós, Ele continua vivo e de abraços abertos para nos receber de volta!  
            Eis, portanto, a verdadeira imagem de Deus que Jesus quis nos revelar: “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de beijos” (Lc 15,20). Embora muitas pessoas desistam de si mesmas, Deus não desiste de nenhum ser humano. Ele aposta continuamente na capacidade de cada pessoa cair em si, arrepender-se e decidir voltar para Ele. E quando a pessoa toma essa decisão, o próprio Deus sai correndo ao seu encontro, vibrando de alegria, fazendo a maior festa, “porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,24).
            Estamos a caminho da Páscoa, e esta festa é celebrada todo ano para renovar em nós a convicção de que aquele que está morto pode voltar a viver; aquele que está perdido pode ser encontrado, pode deixar-se encontrar. Jesus quer não somente que cada um de nós faça essa experiência pascal, mas que nós possamos nos tornar de tal modo uma presença pascal para que todos aqueles que, por algum motivo, se permitiram morrer ou perder, recobrem a fé de que existe um Deus que é Pai e que diariamente está correndo ao encontro deles de braços abertos, um Pai cujo amor incondicional tem o poder de fazê-los voltar a viver, de voltar a ser encontrados.
            “Deixai-vos reconciliar com Deus”, suplicou o apóstolo Paulo aos coríntios (cf. 2Cor 5,20). É isso o que nós somos chamados a anunciar às pessoas que à nossa volta estão mortas ou perdidas: ‘Deixem-se abraçar pelo Pai! Deixem-se ressuscitar por Deus! Deixem-se ser encontradas por Ele!’ Ao mesmo tempo, Paulo também nos convida a nos reconciliar com a imagem do Pai. Talvez a nossa relação com Deus Pai seja tão fria quanto à do filho mais velho, que passou toda a sua vida trabalhando para o pai, mas não se deixou amar por ele, e nem aprendeu a amar como ele. Todos nós precisamos nos deixar abraçar pelo Pai e permitir que Ele cure as nossas feridas paternas. Enfim, todos nós somos chamados a nos tornar filhos como o Filho, que dedicou sua vida em procurar e salvar o que estava perdido (cf. Lc 19,10).

            ORAÇÃO: Pai nosso, Pai de todos os seres humanos, inúmeras pessoas sentem-se órfãs em nosso mundo. Além disso, muitas outras pessoas Te rejeitam porque não querem viver sob a orientação da tua Palavra. Reconhecemos que todos nós somos filhos que algum dia já se perderam de Ti e acabaram provocando sofrimentos desnecessários a si mesmos. Ajuda-nos a voltar para a Tua casa, para os Teus braços, para o Teu perdão.
            Cristo Jesus, nosso irmão, Tua vida foi dedicada a procurar e salvar quem estava perdido. Obrigado por nos revelar o verdadeiro rosto do Pai, o rosto da misericórdia. Obrigado por nos ensinar que aquilo que morreu em nós pode voltar a viver, assim como aquilo que se perdeu em nós pode voltar a ser encontrado, porque o amor do Pai por nós é um amor incondicional, amor que tudo cura, resgata e transforma.
            Espírito Santo, nosso consolador, visita todos aqueles que se permitiram morrer por dentro, que se deixaram perder nos descaminhos deste mundo. Alcança-os com a Tua luz, ilumina-os com a Tua verdade, devolve-lhes a certeza de que não são órfãos, mas filhos, e que o Pai jamais desistirá de procurá-los e de trazê-los de volta ao Seu coração, para que recuperem a dignidade perdida, a alegria e a paz. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

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