quinta-feira, 7 de março de 2019

UM DIÁLOGO QUE ACONTECE DENTRO DE NÓS TAMBÉM

Missa do 1º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Deuteronômio 26,4-10; Romanos 10,8-13; Lucas 4,1-13.

            Na última quarta-feira, iniciando o nosso tempo de quaresma, Jesus nos convidou a rever o nosso relacionamento com o próximo (esmola), conosco mesmos (jejum) e com Deus (oração). Sobre este último, Jesus nos deu uma dica: “Quando você orar, entre no seu quarto, feche a porta, e reze ao seu Pai que está oculto” (Mt 6,6). Deus pode ser encontrado no quarto da nossa consciência. Quando entramos ali e fechamos a porta para todo barulho exterior, podemos ouvir Sua voz. Mas ali também costuma falar conosco uma outra voz, a  voz do maligno, do tentador, a mesma voz que falou com Jesus na sua quaresma, para tentar desviá-lo do caminho de Deus.
“O antigo inimigo, ‘disfarçando-se em anjo de luz’ (2Cor 11,14) não cessa de armar por toda parte as ciladas da mentira e de procurar de todo modo corromper a fé dos crentes. Sabe a quem incutir o ardor da cobiça, a quem oferecer os atrativos da gula, a quem inflamar com a luxúria, em quem infiltrar o veneno da inveja. Sabe a quem perturbar com a tristeza, a quem iludir com a alegria, a quem oprimir com o temor, a quem seduzir pela vaidade. Observa os costumes de todos, investiga as preocupações, perscruta os sentimentos; e procura meios de fazer mal onde vê alguém ocupar-se em algo com interesse” (São Leão Magno). Essas palavras de São Leão Magno nos tornam conscientes de que o tentador conhece cada um de nós; ele sabe onde se encontra o nosso ponto fraco; ele sabe de quê maneira nos tentar.
O Evangelho afirma que Jesus “foi tentado pelo diabo durante quarenta dias” (Lc 4,2), uma indicação simbólica para falar que Jesus, assim como qualquer ser humano, foi tentado durante toda a sua vida. Não é que o maligno nos tente 24 horas por dia. O diabo esperou Jesus sentir fome, para começar a tentá-lo. O maligno sabe a hora certa de nos tentar: a hora em que nos sentimos carentes, em que não estamos bem, em que sentimos falta de alguma coisa. E sua proposta é muito prática: “(...) manda que esta pedra se transforme em pão” (Lc 4,3).
Por trás desta primeira tentação está a proposta enganadora de que você não precisa sentir fome, não precisa sofrer carência alguma. Sua fome é legítima e você tem o direito de satisfazê-la, não importa como; os fins justificam os meios. Desse modo, nós nos tornamos pessoas meramente instintivas. Nossa fome manda em nós. Nossa carência determina nossas atitudes. Tudo o que existe e todas as pessoas à nossa volta se tornam “pães” a serem comidos, devorados, consumidos por nós.  
Para não cairmos nessa tentação, Jesus nos adverte: “Não só de pão vive o homem” (Lc 4,4). Existe uma fome em nós que nem a comida, nem o dinheiro, nem o sexo podem saciar. A carência e o vazio que às vezes sentimos apontam na direção de Deus. Sempre que damos uma resposta errada ao nosso vazio aumentamos ainda mais o nosso vazio. Por isso, é importante dialogar com a nossa fome, com a nossa carência, e identificar do quê realmente estamos famintos, sedentos e como podemos lidar com essa necessidade sem nos intoxicar com coisas que nos fazem mal.  
Eis a segunda tentação: “O diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante todos os reinos do mundo e lhe disse: ‘Eu te darei todo este poder e toda a sua glória (...). Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu’” (Lc 4,5-7). Nós não gostamos de nos sentir fracos, pequenos e também não gostamos de ser ignorados pelo mundo. É por isso que não resistimos a essa tentação, pois o tentador nos promete força, poder, grandeza, glória, projeção social; ele nos promete tirar do lugar baixo e insignificante em que julgamos estar e nos colocar no topo, no lugar mais alto, onde seremos vistos e aplaudidos por todo o mundo. E quando caímos nessa tentação, nos afastamos das nossas raízes; somos levados pela mania de grandeza e, na hora em que menos imaginamos, despencamos das alturas e nos arrebentamos no chão.      
Jesus desmascarou a mentira do tentador: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás” (Lc 4,8). Quando Deus ocupa o lugar central em nossa vida, e nós aprendemos a usar das coisas tanto quanto elas nos aproximam de Deus, assim como aprendemos a nos afastar delas tanto quanto elas nos afastam d’Ele, nossa vida retorna ao seu lugar; tudo fica em ordem dentro de nós e somos gratos por estar onde estamos. Não temos mais que nos preocupar se os olhos dos outros nos enxergam, porque vivemos sob o olhar do Deus que nos chamou à vida e nos ama incondicionalmente.
Enfim, eis a terceira tentação: “(...) o diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo, e lhe disse: ‘Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!’” (Lc 4,9-10). Nós caímos nessa tentação sempre que brincamos de ser Deus; sempre que nos consideramos inatingíveis, acima do bem e do mal; sempre que vivemos de maneira irresponsável, esquecendo-nos de que tudo na vida tem consequências.
Jesus também aqui nos dá a chave para silenciarmos a voz do tentador: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Lc 4,12). Deus nos deu inteligência e liberdade. Não podemos usar delas para ter atitudes inconsequentes e depois nos fazer de vítimas diante do sofrimento que provocamos em nós mesmos. Trata-se de viver a vida como uma pessoa adulta, madura e responsável, e não como um adulto infantilizado, que vive responsabilizando os outros pela sua infelicidade.
No final desta narrativa das tentações, São Lucas evangelista nos deixa um alerta: “Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno” (Lc 4,13). Sempre que, pela graça de Deus, vencemos o tentador, não podemos baixar a guarda e achar que ele nunca mais voltará a nos incomodar. Enquanto estivermos vivos e o sangue estiver correndo em nossas veias, seremos tentados; sempre haverá em nossa vida um momento oportuno para o tentador voltar e nos encontrar fragilizados. Portanto, sejamos humildes e realistas. Peçamos diariamente a graça de não cairmos em tentação.

Oração: Aqui estou, Senhor Jesus, com a minha fome, com a minha carência. O tentador sabe onde sou fraco(a) e onde costumo cair. Neste início de quaresma venho Te pedir a graça de resistir à tentação, a graça de dialogar com meus afetos e de colocá-los em ordem, em vista da minha conversão, do meu amadurecimento e da minha santificação.
Ensina-me a dar respostas mais maduras e mais profundas para a minha fome de sentido e de felicidade. Ensina-me a lidar com as frustrações e livra-me de me tornar escravo(a) dos meus afetos desordenados. Faz-me descer do pedestal da arrogância e da mania de grandeza. Que os meus pés toquem no chão da realidade e que eu ocupe o lugar que sou chamado(a) a ocupar neste mundo.
            Enfim, concede-me sabedoria para usar a minha liberdade de modo a me tornar responsável por minhas atitudes. E quando o tentador voltar a me procurar no momento oportuno, que a força do Espírito Santo venha em socorro da minha fraqueza, ajudando-me a resistir à tentação e permanecendo fiel à vontade do Pai. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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