Missa do 2º. dom.
da quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 15,5-12.17-18; Filipenses 3,17 – 4,1; Lc
9,28b-36.
“Quem vê cara, não vê coração”. Este
ditado nos ensina que a aparência muitas vezes nos engana. Para conhecer uma
pessoa, é preciso ver não o que ela aparenta ser, mas ver as suas atitudes, o
seu comportamento. “Quem vê cara, não vê coração”. No entanto, o rosto reflete
o estado da alma: se estamos alegres ou tristes, tranquilos ou preocupados,
serenos ou angustiados, isso se reflete em nosso rosto.
Como está o rosto das pessoas à
nossa volta? Quando olhamos o rosto delas nas redes sociais, nós as vemos
sempre felizes e sorrindo; mas quando olhamos esse rosto ao vivo, no dia a dia,
ele muitas vezes se apresenta bem diferente, pois o coração está tomado de
preocupação e ansiedade, de medo e de incerteza, de tristeza e de angústia.
O Evangelho de hoje nos fala da
transfiguração do rosto de Jesus. Ele havia acabado de anunciar aos discípulos
que deveria sofrer muito em Jerusalém, ser morto, mas que ressuscitaria ao
terceiro dia (cf. Lc 9,22). Essas palavras certamente provocaram tristeza no
coração dos discípulos, desfigurando o rosto deles e o do próprio Jesus. Então,
“mais ou menos oito dias depois dessas palavras, Jesus levou consigo Pedro,
João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. Enquanto rezava, seu rosto mudou
de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,28-29).
Na quarta-feira de cinzas, Jesus nos
falou a respeito da atitude correta na oração – entrar no quarto da nossa
consciência, fechar a porta para todo barulho exterior, e orar ao Pai que se
encontra no mais íntimo de nós mesmos (cf. Mt 6,6). Na última terça, Jesus nos
ensinou a oração do Pai Nosso (cf. Mt 6,9-13). Na última quinta, ele nos falou
da importância de rezarmos com absoluta confiança no Pai (cf. Mt 7,7-11), e no
Evangelho de hoje, Jesus nos mostra o efeito da oração em nossa vida: ela nos
transfigura; ela transforma o nosso rosto entristecido, angustiado e preocupado
num rosto alegre, sereno e confiante.
O que aconteceu enquanto Jesus
rezava? O mesmo que aconteceu com Abraão. Num momento de grande angústia e de
incerteza, quando Abraão começava a desacreditar da promessa divina de se
tornar pai de uma grande multidão, “o Senhor conduziu Abraão para fora e
disse-lhe: ‘Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!’ E
acrescentou: ‘Assim será a tua descendência’” (Gn 15,5). Quando estamos
angustiados, tristes e preocupados, ficamos fechados em nossa própria dor, nos
sentindo como se estivéssemos trancados num quarto escuro, sem conseguirmos
achar a porta de saída. Mas a oração tem esse poder de nos conduzir para fora
desse lugar. A oração tem esse poder de tirar os nossos olhos daquele horizonte
estreito do nosso problema, e de dirigi-los para o céu, para a infinidade das
estrelas que brilham no escuro, lembrando-nos de que “Deus tem o poder de
realizar por nós infinitamente além do que podemos pedir ou conceber, mediante
o seu poder que age em nós” (Ef 3,20).
O rosto de Jesus se transfigurou
porque, enquanto rezava, o Pai o conduziu para fora da sua angústia e da sua
tristeza e fez também com que Pedro, Tiago e João, antes angustiados e tristes
com a notícia da morte de Jesus, agora pudessem ver a sua glória (cf. Lc 9,32).
Mas, será que a oração tem mesmo esse poder mágico de transformar rapidamente um
rosto desfigurado num rosto transfigurado? Na verdade, não. O que acontece é
que, quando nossa oração é verdadeira, sincera, bem feita, nós saímos dela dispostos
a fazer a vontade de Deus e é isso que transfigura o nosso rosto, porque
devolve paz ao nosso coração. Sempre que nos afastamos da vontade de Deus,
começamos a perder a paz de espírito, e essa perda de paz se reflete em nosso
rosto. Por outro lado, sempre que, por meio da oração, voltamos a alinhar o
nosso coração ao coração de Deus, acolhendo e abraçando a sua vontade, voltamos
a sentir paz, e o nosso rosto consequentemente irradia essa paz.
No final do Evangelho, São Lucas
mostra que a oração de Jesus não trouxe benefícios apenas a ele; ela também fez
com que a nuvem da presença de Deus envolvesse Pedro, Tiago e João. Na oração,
nós subimos a Deus e Ele desce a nós, nos envolvendo na sua Presença
misteriosa, uma Presença que não podemos tocar, mas que nos envolve na verdade
do seu amor e da sua graça para conosco. “Da nuvem... saiu uma voz que dizia: “Este
é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!’” (Lc 9,35). Se, na oração, nós
desejamos ter um contato direto com Deus e receber respostas diretas para as questões
que nos angustiam, o Pai nos convida a escutar o que o seu Filho nos diz no
Evangelho de cada dia.
Enfim,
se Pai nos convida a escutar seu Filho, o Filho, por sua vez, escuta o Pai na
oração, e porque o escuta, seu rosto se transfigura. Nós, escutando o Filho,
podemos ter também a nossa vida transfigurada ao menos momentaneamente, pois a
nossa transfiguração definitiva e completa se dará no momento da ressurreição,
como indica o apóstolo Paulo: “De lá (do céu) aguardamos o nosso Salvador, o
Senhor, Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará
semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as
coisas” (Fl 3,20-21).
ORAÇÃO: Pai, as preocupações e angústias
do tempo presente me fazem sentir-me dentro de um quarto escuro, sem que eu
veja uma saída. Peço-Te: conduz-me para fora como conduziste Abraão, e faz-me
erguer os olhos para contemplar as estrelas do céu, pois eu creio que tens o
poder de fazer por mim infinitamente além do que posso pedir ou imaginar.
Senhor Jesus Cristo, nas noites
escuras da minha vida, leva-me contigo à presença do Pai. Concede-me um coração
verdadeiramente orante, capaz de apresentar ao Pai tudo aquilo que aflige a
minha alma, depositando nas mãos d’Ele minhas preocupações. Mais do que isso,
que a minha oração seja tão verdadeira e tão eficaz, que eu possa sair dela
disposto(a) a abraçar a vontade do Pai em minha vida.
Espírito Santo, Tu és a força de
Deus que transfigura a partir de dentro tudo aquilo que está desfigurado. Vem
sobre nós com o Teu poder! Transfigura-nos na imagem do Filho Jesus, e faz de
cada um de nós uma presença capaz de transfigurar o ambiente em que nos
encontramos, ajudando cada pessoa a reencontrar a sua alegria e a sua paz na conformação
da sua vida à vontade do Pai. Amém.
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