quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

PESSOAS DESORIENTADAS PODEM ORIENTAR ALGUÉM?

Missa do 8º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 27,5-8; 1Coríntios 15,54-58; Lucas 6,39-45

            A maneira mais comum de nos comunicarmos com as pessoas é por meio da palavra. Esta palavra pode ser dita pessoalmente, como pode também ser comunicada por áudio ou por escrito, sobretudo nas redes sociais. Nunca como hoje estamos nos comunicando tanto, com tanta rapidez e com tanta frequência, mas o que realmente estamos comunicando às pessoas, por meio das nossas palavras?
            O autor do Eclesiástico nos convida a prestar atenção às nossas palavras. Elas revelam o que há dentro de nós; revelam o nosso estado de espírito, como está nossa alma, nosso coração: “Os defeitos de um homem aparecem no seu falar... A palavra mostra o coração do homem... É no falar que o homem se revela” (Eclo 27,5.7.8). Quando falamos, escrevemos ou postamos uma mensagem nas redes sociais, revelamos aos outros o nosso caráter, o tipo de pessoa que somos, os valores nos quais acreditamos, se somos pessoas fúteis ou pessoas com conteúdo, se somos somente aparência ou se temos essência. Da mesma forma, precisamos não ser apressados e não nos deixar enganar pelas fotos que as pessoas postam nas redes sociais; é importante ler o que a pessoa escreve, para saber que tipo de pessoa ela é, se ela é aquilo que tenta aparentar ser.
            Jesus disse que a nossa boca fala daquilo que está cheio o nosso coração (cf. Lc 6,45). Nossas palavras e nossas postagens nas redes sociais revelam o que há dentro de nós. Quando estamos em guerra conosco mesmos, expressamos essa guerra por meio de palavras agressivas aos outros. Quando, pelo contrário, estamos em harmonia conosco mesmos, nossas palavras comunicam serenidade e paz para os outros. Até mesmo quando nos sentimos obrigados a apontar erros e a corrigir injustiças à nossa volta, Jesus nos convida, antes, a fazer um exame de nós mesmos: “Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho?” (Lc 6,41).
            Quando ficamos sabendo de um fato pelas redes sociais, imediatamente emitimos a nossa opinião, concordando ou discordando, criticando ou elogiando, absolvendo a pessoa envolvida no fato ou condenando-a à morte com o nosso julgamento, e fazemos tudo isso na maioria das vezes sem conhecimento de causa, levados apenas pela emoção do momento, pelo ouvir dizer, pela superficialidade das informações que chegaram até nós. Opinamos sobre tudo e sobre todos, como se fôssemos capazes de interpretar corretamente a realidade, quando não somos capazes de interpretar o que se passa dentro de nós; achamos que sabemos pôr ordem na casa dos outros, mas não sabemos pôr ordem na nossa; diagnosticamos os problemas dos outros e, inclusive, indicamos o remédio apropriado para a doença deles, mas não nos damos ao trabalho de diagnosticar e de tratar a doença que há dentro de nós.
            Jesus está nos propondo nos mantermos alienados no que diz respeito ao que acontece à nossa volta? Não! Ele está nos lembrando de que todos nós estamos num mundo doente, marcado por uma profunda inversão de valores, e se não cuidarmos do nosso coração, da nossa casa interior, da nossa vida espiritual, ficaremos tão doentes quanto o mundo que somos chamados a curar. “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco?” (Lc 6,39). Essas perguntas de Jesus questionam tanto os conselhos que damos aos outros quanto os que recebemos deles. É totalmente absurdo eu querer orientar alguém quando eu mesmo vivo desorientado, assim como é absurdo eu me deixar orientar por alguém que vive desorientado!
Quando um cego guia outro cego, o resultado é desastroso: os dois acabarão por cair no mesmo buraco. Sendo assim, com quem você busca orientação para a sua vida afetiva/sexual, profissional ou espiritual? Com quem seus filhos se orientam? O número de “guias cegos” nas redes sociais, isto é, de pessoas mal resolvidas, perdidas, desorientadas e sem valores é altíssimo, e infelizmente esses guias cegos “fazem a cabeça” de inúmeros adolescentes e jovens. No entanto, Jesus nos alertou: “Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas” (Lc 6,44). Como é que você espera ser ajudado por uma pessoa que está perdida dentro de si mesma?
            Ao final do Evangelho, Jesus mais uma vez nos remete para as nossas raízes. O problema não está fora, está dentro, assim como a resposta, a solução, não está fora, está dentro. Não há dúvida de que a realidade à nossa volta exerce influência sobre todos nós, mas não funciona responsabilizar os fatores externos pelo fracasso que experimentamos enquanto pessoas. Se existem coisas externas que estão estragando a nossa vida é porque nós nos identificamos com essas coisas estragadas; elas de alguma forma respondem a uma fome doentia dentro de nós; afinal de contas, cada um se alimenta daquilo que tem fome.
            Eis, portanto, as palavras finais de Jesus neste Evangelho: “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,45). O que determina as nossas atitudes não é aquilo que está fora de nós – pessoas, acontecimentos –, mas aquilo que está dentro. Nós sempre agiremos a partir dos nossos valores, os quais Jesus chama de “tesouro” do nosso coração: se este tesouro é bom, agiremos a partir do bem; se é mau, a partir do mau, lembrando que esse tesouro é formado a partir daquilo que diariamente cultivamos em nós, como afirmou o Eclesiástico: “O fruto revela como foi cultivada a árvore” (Ecl 27,7).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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