sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

SER VERDADEIRO OU FAZER MÉDIA?

Missa do 4º. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 1,4-5.17-19; 1Coríntios 12,31–13,13 Lucas 4,21-30.

Toda palavra que ouvimos ou lemos provoca alguma reação em nós. Podemos concordar ou discordar dela; podemos nos sentir animados, confortados por ela, mas também podemos nos sentir irritados e entristecidos por causa dela. A palavra que lemos ou ouvimos pode estar de acordo com as nossas ideias, mas pode também afirmar justamente o contrário do que acreditamos, provocando em nós, quem sabe, até mesmo uma crise, um abalo nas nossas certezas.
Também a Palavra de Deus provoca reações em nós. Às vezes, ela nos levanta, nos encoraja, nos anima, nos liberta e nos cura, mas, algumas vezes, ela desmascara o nosso pecado, denuncia a nossa injustiça, joga por terra nosso orgulho e revela a nossa mentira. Portanto, quando ouvimos Deus nos falar na sua Palavra, podemos tanto sentir alegria, consolação e paz, como também podemos sentir raiva, ódio, tristeza. Contudo, mais importante do que constatar o que sentimos diante da Palavra de Deus, é tomarmos consciência do por que estamos sentindo aquilo, qual ferida a Palavra tocou dentro de nós, por que ela nos deixou incomodados, inquietos, ou, quem sabe, com raiva?  
Quando Deus nos fala, seu objetivo é nos converter, nos tornar melhores, nos salvar, e não nos agradar. O problema é que a nossa geração se magoa facilmente. Nós costumamos rejeitar a verdade e nos cercar de mentiras porque queremos ouvir apenas aquilo que gostamos de ouvir, aquilo que confirma nossas próprias ideias, nossa visão de mundo. Se alguém nos disser algo que não gostamos de ouvir, manifestando um pensamento não apenas diferente do nosso, mas contrário ao que pensamos, essa pessoa é imediatamente banida, excluída, deletada dos nossos contatos.
            Jesus, depois de ter experimentado admiração por parte dos seus conterrâneos, conheceu a fúria deles, quando teve que lhes dizer verdades que eles não queriam ouvir. Explico-me. Os conterrâneos de Jesus não deram crédito à sua palavra, da mesma forma como, no passado, o povo de Israel não deu crédito aos profetas Elias e Eliseu. E Jesus lhes recordou a consequência dessa falta de crédito na verdade da Palavra: nenhum milagre foi concedido ao povo de Israel; pelo contrário, quem recebeu milagres foram pessoas pagãs, pessoas que, apesar de não pertencerem ao “povo eleito”, deram crédito à palavra de Elias e de Eliseu.
            Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício” (Lc 4,28-29). Sempre que ficamos furiosos com algo que uma pessoa nos diz, a melhor coisa que temos a fazer é nos perguntar por que ficamos tão furiosos. Será que há algum fundo de verdade naquilo que ela nos disse? Será que a pessoa está tentando nos fazer ver aquilo que não aceitamos enxergar em nós? Quantas pessoas mudam constantemente de médico, de psicólogo, de orientador espiritual, de igreja ou de religião porque não aceitam ouvir a verdade, não admitem reconhecer que a principal responsável pela doença que as aflige e pela falta de paz que as atormenta são elas mesmas?
O final do Evangelho nos fala da contra-reação de Jesus: “Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,30). Quem tem convicção de estar na verdade não retrocede só porque sua palavra não está agradando. Aliás, o apóstolo Paulo tem uma importante advertência para nós: “Se eu quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1,10). Lamentavelmente, vivemos numa época de ausência de profetismo, também dentro das igrejas. Ninguém hoje quer ser profeta, e o faz justamente para evitar ser criticado, ofendido, perseguido, rejeitado, punido. No lugar do profetismo entrou o “fazer média”, rasgar-se em elogios, adular, tudo isso em vista não apenas de sobreviver na instituição, mas de subir de posto na hierarquia.
Não nos enganemos quanto a isso. Ninguém gosta de ouvir a verdade; ninguém gosta de quem fala a verdade. Tanto nas igrejas como nas empresas ou ambientes de trabalho, todo profeta é punido e todo fazedor de média é promovido. Essa perda de profetismo, esse distanciamento da verdade, essa preferência por agradar ou invés de ser sincero tem acontecido, antes de tudo, dentro das famílias. Antigamente, os pais exigiam respeito dos filhos, e em troca, além do respeito, eram também amados pelos filhos. Hoje, os pais fazem de tudo para serem amados pelos filhos, inclusive, deixando de ser firmes com eles quanto à verdade, à justiça e ao que é correto. Consequentemente, esses pais não são nem amados, nem respeitados pelos filhos. Assim também acontece com inúmeros líderes do nosso tempo.    
Muito diferente de nós, Jesus nunca pautou sua vida pela necessidade doentia e exagerada de ser amado pelas pessoas; Ele sempre buscou ser verdadeiro; e por ser autêntico, verdadeiro, coerente, transparente, foi imensamente amado por muitos. Jesus sempre teve uma profunda liberdade diante das pessoas. Ele não tinha medo de perder o afeto das pessoas ao falar para elas o que elas precisavam ouvir. Deus também nos quer assim. Deus não nos quer covardes, omissos, nem prisioneiros da necessidade de afeto dos outros. Ele nos quer homens e mulheres proféticos, como Jesus, como Jeremias. Esse mesmo Deus nos promete hoje, na sua Palavra, firmeza interior para suportar o desprezo, a crítica, a perseguição como consequência de sermos verdadeiros (cf. Jr 1,18-19).
Peçamos ao Espírito Santo, o Espírito da Verdade, que nos livre do erro de nos fazermos de surdos diante da verdade. Que nós jamais rejeitemos a Palavra que pode nos curar e nos salvar, só porque ela, para isso, precisa nos desnudar, nos desmascarar, nos derrubar do pedestal da nossa arrogância e do nosso autoengano. Aprendamos com Jesus a passar pelo meio daqueles que nos criticam, nos agridem, desejam o nosso mal ou até mesmo a nossa morte, e a continuar o nosso caminho, orientados pela verdade da Palavra de Deus, fonte de salvação para nós e para todos aqueles que se deixarem orientar por ela.
    
Pe. Paulo Cezar Mazzi

2 comentários:

  1. Excelente reflexão. Obrigado por compartilhar conosco palavras tao acertadas. Abraço fraterno. Pe. Cipriano.

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