sábado, 26 de janeiro de 2019

A PALAVRA REVELA O SENTIDO DO NOSSO "HOJE"

Missa do 3º. dom. comum. Palavra de Deus: Neemias 8,2-4a.5-6.8-10; 1Coríntios 12,12-30; Lucas 1,1-4;4,14-21.

Quando algo que amávamos foi destruído, qual é a chance de que aquilo seja reconstruído? Quando já sepultamos há muito tempo nossas esperanças e enterramos nossos sonhos, existe alguma força que nos convença de que vale a pena desenterrá-los? Enfim, existe algo que nos devolva coragem, ânimo, força, algo que nos ofereça uma clara orientação, um norte, uma luz que nos ajude a sair da escuridão em que nos encontramos e nos faça renascer por dentro? A resposta para todas essas perguntas é uma só: a Palavra de Deus.
Numa época de grande desolação, depois da sofrida experiência do exílio na Babilônia, Esdras e Neemias têm a grande missão de convencer o povo de Israel a voltar para a sua terra e reconstruir tudo: suas casas, suas cidades, seu país, seu templo. A leitura que ouvimos hoje mostra que a única força capaz de tornar possível essa reconstrução foi a força da Palavra de Deus, diante da qual o povo ora permanecia em silêncio, escutando, acolhendo, deixando-se ensinar; ora se colocava em pé, em sinal de prontidão e de uma obediência ativa; ora inclinava-se e prostrava-se até o chão, como se o fizesse diante do próprio Deus, em sinal de adoração; ora, enfim, proclamava diante da Palavra: “Amém! Amém!”
            Para todos aqueles que creem na Sagrada Escritura, a Palavra não é algo, mas Alguém; a Palavra é uma Pessoa; a Palavra é o próprio Deus. Durante a leitura da Palavra, o povo ficou em pé; depois, levantou as mãos; depois, inclinou-se e prostrou-se... Como e com qual disposição ouvimos a Palavra de Deus em nossas celebrações? Quando nos deixamos tocar pela Palavra, ela provoca movimentos em nossa alma; movimentos positivos, como consolação e orientação, mas também movimentos negativos, como desolação e inquietação. Nós acolhemos a Palavra como um todo, ou rejeitamos aquilo que nela está contra os nossos interesses mundanos? Nós nos dobramos diante da verdade da Palavra de Deus, pronunciando o nosso “amém”, ou questionamos a Palavra, procurando negociar com ela até que se adapte aos nossos desejos, como se isso fosse possível?
Se o texto de Neemias nos mostra que a Sagrada Escritura é a Pessoa do próprio Deus que fala conosco, nós, cristãos, sabemos que a Palavra se fez pessoa humana em Jesus Cristo e veio habitar entre nós (cf. Jo 1,14). Jesus não é somente Aquele que nos anuncia a Palavra de Deus, mas Aquele capaz de falar ao coração humano, Aquele que transforma a letra em espírito, Aquele que revela para o hoje da nossa história pessoal e social o que Deus quer de nós. Se é verdade que a Sagrada Escritura não é um livro de história, mas um livro de fé, um livro escrito a partir de uma experiência de fé, de uma experiência de Deus, para falar à fé daquele que “hoje” escuta ou lê algum texto deste Livro Sagrado, Jesus nos convida a permitir que o “hoje” de cada um de nós seja iluminado pela verdade da Palavra.
“Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21). Existem fatos bíblicos que aconteceram há mais de quatro mil anos, assim como existem textos bíblicos que foram escritos entre dois e três mil anos atrás. No entanto, a Sagrada Escritura tem algo a nos dizer “hoje”. Para o evangelista Lucas, todo “hoje” da nossa história pessoal e social é um momento único, um momento novo, onde somos chamados a fazer escolhas e a tomar decisões, e essas escolhas e decisões precisam ser orientadas pela Palavra de Deus. Se ontem nós acolhemos ou rejeitamos a orientação que Deus nos deu na Sua Palavra, hoje é um momento novo, a oportunidade que temos seja para confirmar nossos passos no caminho da salvação, seja para reorientar esses mesmos passos, caso tenhamos nos desviado deste caminho.
Como está o nosso “hoje”? Ele está marcado por um forte individualismo e por uma consequente indiferença uns para com os outros. Este nosso “hoje” é iluminado pela palavra do apóstolo Paulo, que nos coloca diante da imagem do corpo. Ninguém de nós é uma pessoa “solta” e totalmente autônoma no universo. Cada um de nós está inserido num “corpo” e depende deste mesmo corpo para viver. Existe o corpo-família, o corpo-escola/faculdade/universidade, o corpo-ambiente-de-trabalho, o corpo-igreja/comunidade-de-fé. Além disso, existe o corpo-social, o corpo-humanidade/universo. O apóstolo Paulo nos convida a reconhecer o nosso valor, a nossa importância e a nossa responsabilidade para o bom funcionamento do corpo no qual estamos inseridos, ao mesmo tempo reconhecendo, valorizando e respeitando o outro como membro do mesmo corpo.
O primeiro erro que precisamos evitar na maneira como nos inserimos no corpo social é o de nos sentirmos autossuficientes: “O olho não pode, pois, dizer à mão: ‘Não preciso de ti’. Nem a cabeça pode dizer aos pés: ‘Não preciso de vós’” (1Cor 12,21). Nós precisamos uns dos outros. Ninguém sobrevive sozinho; ninguém se salva sozinho. Quando uma pessoa se isola das demais, começa a fazer mal a si mesma e ao próprio corpo no qual está inserida. Além disso, existe o risco de desprezarmos pessoas que consideramos não importantes, não necessárias para o bom funcionamento do corpo social: “Os membros do corpo que parecem ser mais fracos são muito mais necessários do que se pensa... Deus, quando formou o corpo, deu maior atenção e cuidado ao que nele é tido como menos honroso, para que não haja divisão no corpo e, assim, os membros zelem igualmente uns pelos outros” (1Cor 12,22.25). Quando não nos preocupamos com aqueles que estão na injustiça e não são contemplados pelo mercado, isso acaba se voltando contra nós, em forma de violência social.
Por fim, Paulo nos fala da inter-relação que nos liga a todos ao mesmo destino de bem-estar ou de mal-estar, de vida ou de morte, de salvação ou de condenação: “Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1Cor 12,26). Apesar do forte individualismo que marca o mundo moderno, somos desafiados a desenvolver relações humanas, marcadas pela solidariedade, pela compaixão, o que significa sentir com o outro, sentir o que ele sente, ser afetado pelo que afeta o outro. O resgate do corpo social não é apenas possível, mas também necessário, e ele passa pelo cuidado de uns pelos outros.
A Palavra nos falou, nos provocou, nos iluminou. Façamos um momento de silêncio e deixemos com que ela possa “decantar” em nós, chegando ao profundo de nós mesmos e clareando o nosso “hoje”, o momento em que estamos vivendo...
    
ORAÇÃO: Deus Pai, coloco-me diante da Tua Palavra. Minha alma em Tua voz busca direção! Fala ao meu coração! Concede-me um coração que Te escute e Te obedeça, pois minha vida só poderá ser reconstruída quando eu me orientar pela verdade da Tua Palavra.
Senhor Jesus, Teu Evangelho não é uma recordação de fatos passados, mas força de salvação para o “hoje” da minha história. Abre meus ouvidos, para que ouça como verdadeiro discípulo e me deixe iluminar, conduzir, corrigir e formar por Tua Palavra. Que em cada “hoje” da minha vida não me falte a luz do Teu Evangelho para me guiar no caminho da salvação.
Espírito Santo, cada um de nós está inserido neste grande corpo social que é a humanidade. Torna-nos instrumentos de comunhão, de solidariedade e de fraternidade. Cura as feridas que o individualismo abriu em nós. Torna-nos cuidadores daqueles que são os mais frágeis e mais necessitados de cuidados, colaborando para a humanização do nosso mundo. Amém.


Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário