Missa
do 2º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 62,1-5; 1Coríntios 12,4-11; João
2,1-11.
“Houve
um casamento em Caná da Galileia” (Jo 2,1), e neste casamento Jesus manifestou
aos discípulos “a sua glória, e seus discípulos creram nele” (Jo 2,11). Para
entendermos o significado deste primeiro sinal que Jesus realiza para
testemunhar que Ele é o Messias, o Salvador prometido ao mundo, precisamos
retomar a leitura do profeta Isaías.
Num
momento de grande desolação, quando a cidade de Jerusalém se sentia abandonada,
não amada por Deus, ela ouviu d’Ele: “(...) por amor de Jerusalém não
descansarei, enquanto não surgir nela, como um luzeiro, a justiça e não se
acender nela, como uma tocha, a salvação... Não mais te chamarão ‘Abandonada’,
e tua terra não mais será chamada ‘Deserta’; teu nome será ‘Minha Predileta’ e
tua terra será a ‘Bem-Casada’, pois o Senhor agradou-se de ti e tua terra será
desposada... Como a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria de
teu Deus” (Is 62,1.4.5).
Todo
ser humano carrega em si o desejo de ser amado. No entanto, é cada vez maior o
número de pessoas em nosso mundo que se sentem não-amadas nem pelos homens, nem
por Deus. O sentimento de solidão é cada vez mais frequente, além do fato de
que nem toda pessoa casada se sente feliz, da mesma forma como nem toda pessoa
não casada se sente infeliz. No caminho da busca por amor há muitos
desencontros, feridas, decepção e até mesmo descrédito em relação ao próprio amor.
Contudo, desde os primeiros profetas, a imagem do casamento sempre foi
utilizada como símbolo da união do ser humano com Deus, símbolo não só do amor
de Deus por todo ser humano, mas também da Sua dedicação incansável em fazer
com que a vida de cada ser humano seja abraçada pela justiça e pela salvação.
Não
por acaso, Jesus realiza o seu primeiro sinal como Salvador numa festa de
casamento. “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3), disse Maria a Jesus. O vinho não
é apenas vinho: o vinho é amor e alegria, fé e esperança, força e sentido de
vida. O vinho é a alegria da salvação de Deus, prometida a toda a humanidade; o
vinho é a resposta de Deus à alma do ser humano, que tem sede de sentido de alegria
verdadeira. A falta de vinho nas bodas de Caná remete para a falta de Deus no
coração de inúmeras pessoas hoje, a falta de alegria e paz em muitas famílias,
a falta de saúde e proteção para inúmeras crianças e adolescentes, a falta de
respeito para com a vida humana, a falta de fé e de esperança em nosso próprio
coração...
Diante
da intercessão de Maria, Jesus responde: “Mulher, (...) minha hora ainda não
chegou” (Jo 2,4). Quase todas as vezes que a palavra “hora” aparece no Evangelho
de João, se refere à hora da cruz, à hora em que o mundo reconhecerá Jesus como
Salvador, como Aquele que nos amou até o fim, como o Esposo da Igreja e Esposo
da alma de todo ser humano. A hora da cruz é a hora em que Jesus “entregará o
Espírito” e o derramará como vinho novo nas talhas do coração humano. Em Caná ainda
não era a “hora” de Jesus derramar o Espírito, mas Maria pediu uma antecipação
dessa hora, e Jesus a atendeu.
Essas
foram as palavras Maria aos servos da festa daquele casamento: “Fazei o que ele
vos disser” (Jo 2,5). A atitude de Maria nos questiona: nós viemos ao mundo
para servir ou para sermos servidos? Nós nos deixamos afetar pela realidade que
nos cerca, pelo que acontece à nossa volta? Não precisamos fazer muito esforço
para lamentar a falta de vinho novo em nossa vida, mas quantos de nós nos dispomos
a ter uma atitude proativa e encher nossas talhas de água? Sem dúvida que o
vinho novo jamais poderá ser produzido por nós, mas seu surgimento certamente depende
da nossa colaboração: como os servos daquele casamento, nós devemos obedecer à
orientação de Jesus e encher nossas talhas de água (cf. Jo 2,7-8).
“O
mestre-sala experimentou a água, que se tinha transformado em vinho... Chamou
então o noivo e lhe disse: ‘(...) tu guardaste o vinho melhor até agora!’” (Jo 2,10-11).
Nas bodas de Caná, o vinho melhor chegou no final, quando não se esperava mais
nada, a não ser o fim da festa. Muitos de nós estamos convencidos de que a vida
é assim mesmo: tudo começa bem e acaba mal; tudo se desgasta com o tempo; tudo
vai aos poucos perdendo o sentido. É assim com os nossos relacionamentos, com
os nossos sonhos e projetos, com a nossa vida profissional e até mesmo com a
nossa fé, com a nossa própria vocação. O encanto inicial não resiste ao
desgaste da rotina e, cedo ou tarde, se converterá em desencanto.
No
entanto, há algo surpreendente no Evangelho de hoje! O melhor veio depois! A
alegria depois da crise foi infinitamente melhor e mais significativa do que a
alegria antes da crise. E é assim porque o vinho novo é símbolo do Espírito
Santo, cuja graça tudo transforma e tudo renova. Quanto a nós, sempre poderemos
experimentar a alegria do vinho novo na medida em que fizermos tudo o que Jesus
nos disser, enchendo nossas talhas de água na certeza de que o milagre da
transformação é e sempre será um trabalho conjunto entre a graça de Deus e as
nossas atitudes.
Oração: Senhor Jesus, és o Esposo não
somente da Igreja, mas da alma humana, alma que tem sede de sentido, de alegria
e de salvação. Olha para a falta de vinho que existe no coração da humanidade,
em nossas famílias e comunidades, e em tua própria Igreja. São inúmeras as pessoas
que se sentem abandonadas e não-amadas. Derrama sobre o coração de cada uma
delas o dom do teu Espírito, pois somente Ele pode nos fazer experimentar verdadeiramente
o amor de Deus e a alegria da Sua salvação.
Seguindo
o conselho de Tua Mãe, Maria Santíssima, a exemplo dos servos daquele
casamento, queremos aprender a fazer tudo o que o Senhor nos disser. Nos
comprometemos a encher nossas talhas de água, a fazer a nossa parte para que,
onde o vinho antigo acabou, onde quer que exista ausência de alegria e de
esperança, de justiça e de fraternidade, nós possamos colaborar para o
surgimento do vinho novo, da transformação que o próprio Deus quer para o bem e
a salvação de cada ser humano.
Enfim,
Senhor, que nenhuma crise, nenhum desencontro, nenhuma ferida ou dificuldade
nos faça perder a esperança de que o vinho novo sempre surgirá e sua alegria
será abundantemente superior a tudo aquilo que até hoje experimentamos, pois o
Teu Espírito continua a renovar a face de terra e nós cremos no Seu poder de
reavivar a nossa Igreja, curar nossas feridas e transformar nossas tristezas em
verdadeira e profunda alegria. Amém!
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