sexta-feira, 29 de junho de 2018

DE UMA FÉ INCONSISTENTE PARA UMA FÉ CONVICTA

Missa de São Pedro e São Paulo. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 12,1-11; 2Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19.

            Neste final de semana em que celebramos São Pedro e São Paulo, as duas colunas da Igreja que Jesus fundou sobre os apóstolos (cf. Ef 2,20), vemos o presidente da celebração revestido da cor vermelha, cor que remete para o sangue que Pedro e Paulo derramaram por Jesus Cristo e pelo anúncio do Evangelho, sangue que também o apóstolo Tiago derramou (cf. At 12,2). De fato, sobretudo nos primeiros séculos, inúmeros cristãos foram perseguidos e mortos por causa da sua fé. Mas também precisamos reconhecer que alguns dirigentes da Igreja não hesitaram em derramar o sangue de muitas pessoas, sobretudo na época das Cruzadas e da Inquisição, pensando com isso estar defendo a verdadeira fé.
            Ao recordar a perseguição violenta de Herodes contra a Igreja, podemos nos perguntar: A Igreja hoje sofre perseguição? Quando e por que a Igreja incomoda? A Igreja incomoda sempre que se posiciona contra uma economia e uma política que dão prioridade ao dinheiro em detrimento da pessoa humana. A Igreja igualmente incomoda sempre que defende valores como a família, o casamento e a vida, desde a sua concepção até o seu fim natural. Mas, sobretudo, a Igreja incomoda e sofre ataques quando denuncia as injustiças sociais e cobra das autoridades uma atenção especial aos pobres. Quando isso acontece, não são poucos os que a acusam de ser “de esquerda”, ou comunista.
            Por respeito à verdade, precisamos considerar que a Igreja não é simplesmente “vítima” de inúmeras tentativas de desacreditá-la, dificultando que sua voz profética ouvida. O padrão de vida luxuoso e o consequente distanciamento dos pobres e daqueles que vivem nas periferias existenciais, adotado por alguns de seus representantes, além do inaceitável escândalo da pedofilia, fazem a Igreja atualmente pagar o preço do descrédito, consequência do seu distanciar-se do Evangelho e do não tratar com seriedade e firmeza suas próprias doenças. Portanto, nem todo ataque à Igreja é injusto e gratuito...
            O fato é que a Igreja não é, e nem tem como ser, um espaço sagrado onde existem somente o bem, a verdade e a justiça. Como todo lugar ocupado pelo ser humano, a Igreja é um campo onde crescem juntos o trigo e o joio, o bem e o mal, a verdade e a mentira, a justiça e injustiça. Embora muitos, ao se deparar com as falhas e incoerências de alguns representantes da Igreja, tenham decidido jogar fora o bebê junto com a água do banho, abandonando de vez sua participação nas celebrações e demais atividades da Igreja, o Papa Francisco nos convida a “cultivar o trigo e não perder a paz por causa do joio” (EG 24). Se as feridas que alguns representantes da Igreja causaram a algumas pessoas não são pequenas, muito maiores são as feridas de Cristo para santificar continuamente essa mesma Igreja (cf. Ef 5,25-27).               
            A liturgia de hoje nos fala de Pedro e Paulo presos e aguardando o momento de serem condenados à morte. Pedro foi preso com duas correntes. Quais correntes nos aprisionam, como cristãos: vergonha, medo, comodismo, sentimento de impotência diante do mal que assola o mundo? “Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele” (At 12,5). Eis a resposta às orações: “O Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes...” (At 12,11). Nós oramos uns pelos outros? Oramos pelo Papa Francisco, criticado e perseguido por pessoas de dentro da nossa própria Igreja? Oramos pelos nossos dirigentes e pelos cristãos que são perseguidos? Nós acreditamos no poder da oração de quebrar as correntes que nos aprisionam?
            Enquanto Paulo, na prisão, aguardava o momento da sua execução, declarou: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4,7). Como entendemos a fé? Como uma força, uma energia, um “anestésico”, uma redoma de vidro capaz de nos manter blindados contra os sofrimentos da vida e os ataques do mundo? Paulo entendeu a fé como um combate a ser enfrentado, como uma corrida a ser percorrida, como um bem precioso a ser defendido e guardado. Não são poucas as pessoas hoje que têm uma fé inconsistente: bastou se depararem com uma dificuldade, bastou uma decepção com alguém da Igreja, bastou uma aparente ausência de Deus na vida delas, e sua fé deixou de ter sentido.
            O Evangelho nos revela algo inquietante: ao longo da vida, a nossa fé não será questionada apenas pelo mundo, mas pelo próprio Jesus: “Quem eu sou para vocês? (Mt 16,15). E aqui Jesus não está pedindo nossa opinião sobre Ele, mas perguntando o que Ele verdadeiramente significa para nós. E antes que pensemos qual resposta dar a essa pergunta, tenhamos consciência de que a resposta não está em nossos lábios, mas na maneira como vivemos. Não é aquilo que falamos aos outros que nos define como cristãos, mas a maneira como vivemos o nosso dia a dia. Pedro, apesar da sua inconsistência humana, tinha uma convicção no seu coração a respeito de Jesus: “Tu és o Messias (Cristo), o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Aquilo que nos mantém em pé diante das dificuldades, aquilo que não nos deixa afundar, diante deste mundo mergulhado em tantas incertezas, é ter convicção da nossa fé. Justamente por isso, Jesus disse: “(...) tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la” (Mt 16,18).
Jesus disse: “minha Igreja” – a Igreja é d’Ele! Jesus quis a Igreja como “lugar” onde os Seus se reúnem para ouvir Sua palavra e se alimentar do Seu Corpo e Sangue. Que hoje possamos recobrar a consciência de que somos “membros da família de Deus” (Ef 2,19); estamos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra principal” (Ef 2,20). Não somos folhas secas empurradas pelo vento da desorientação, nem pessoas que afundam no pântano da angústia, da incerteza e da falta de fé; somos como Pedro, somos “pedras vivas” (1Pd 2,5), pessoas que escolheram apoiar-se em Jesus Cristo, a pedra principal. É sobre Ele e sobre sua Igreja que hoje reafirmamos o desejo de fundar a nossa própria vida, porque é em Cristo e na sua Igreja que encontramos estabilidade, segurança, proteção e salvação.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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