Missa do 14º.
dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 2,2-5; 2Coríntios 12,7-10; Marcos 6,1-6.
Houve um tempo em que nossa Igreja
era reconhecida como uma Igreja profética, uma Igreja portadora de vozes proféticas
como Dom Helder Câmara, Dom Aloysio Lorscheider, Dom Luciano Mendes de Almeida,
Dom Paulo Evaristo Arns, entre outros. Essa Igreja profética parece ter dado lugar
hoje a uma Igreja um tanto tímida e insegura diante da realidade sócio-político-econômico-religiosa
em que vivemos. Mas essa ausência de profetismo não se faz sentir somente em
nossa Igreja. Ela parece ser a marca do nosso tempo, um tempo em que os grandes
sonhos e as grandes esperanças de transformação social deram lugar à mera luta
pela sobrevivência e à busca individual de bem estar.
Seja como for, os textos bíblicos da
liturgia de hoje nos falam da importância do profeta na Igreja e na sociedade.
O profeta é uma pessoa suscitada por Deus, uma pessoa impulsionada pelo Espírito
Santo a se colocar no meio de uma situação de apatia, de dor e de ausência de
esperança, para começar a despertar a consciência adormecida de um povo que se
acostumou a viver sem desejo de mudança e sem perspectiva de futuro: “Filho do
homem, eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim...
A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra, vou-te enviar... Quer te
escutem, quer não... ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (Ez
2,3-5).
Quando olhamos nossa vida a partir
da vocação profética, nos damos conta de que o lugar em que nos encontramos não
é acidental, mas providencial: Deus nos colocou ali para sermos uma presença
profética, para reconduzir a Ele pessoas que se afastaram do bem, da verdade e
da justiça. E assim como fez com Ezequiel, Deus quer que estejamos conscientes
de que a nossa missão profética sempre será uma missão ingrata, marcada mais
pela rejeição do que pela aceitação da nossa mensagem. No entanto, precisamos
seguir firmes nessa missão, colaborando para manter viva em nós mesmos a
palavra da profecia.
Mas, o que é a palavra da profecia?
É uma palavra que, na maioria das vezes, nos coloca em crise, nos questiona,
nos desinstala e nos provoca uma séria revisão de vida. Enquanto a maioria das pessoas
procura por uma palavra que as mantenham ou as coloquem de volta na sua zona de
conforto, a palavra profética visa nos tirar da zona de conforto e nos
responsabilizar pela cura ou pela transformação que gostaríamos que acontecesse
conosco – quem sabe, de forma mágica, sem grandes sacrifícios da nossa parte. Enquanto
muitas pessoas hoje abandonam a verdade e se rodeiam de falsos profetas que
falam somente o que elas gostam de ouvir, a palavra profética nos coloca diante
da verdade, a verdade que não gostamos de ouvir, mas que precisamos ouvir se
queremos ser libertos e salvos.
O Evangelho que acabamos de ouvir
deixa claro que todos nós, de maneira consciente ou inconsciente, rejeitamos a
palavra profética. Sem dúvida que a nossa primeira reação diante dela é a da
admiração. No entanto, a admiração por si só não provoca mudança, conversão,
cura e salvação em ninguém. Depois de terem sido impactados pela palavra
profética de Jesus, os nazarenos passaram a questioná-lo. Nós conhecemos muito
bem esse questionamento. Quando alguém nos diz uma verdade que não estamos a
fim de ouvir, normalmente procuramos desautorizar a pessoa com perguntas do
tipo: “Quem você pensa que é pra me dizer isso? O que você sabe a respeito da
minha vida pra me falar isso? Quem a Igreja pensa que é pra me dizer como eu
devo educar meu filho, lidar com a minha sexualidade ou conduzir a minha vida
financeira? A Igreja tem que cuidar do espiritual, e não ficar opinando a
respeito de política e de economia!”
É preciso dizer novamente: não há
uma pessoa que não se sinta incomodada com a verdade da palavra profética. Por
isso, ao invés de voltarmos a nossa agressividade para o profeta – seja ele um
médico, um psicólogo, um padre, um pastor, um amigo, a Igreja – o melhor que
temos a fazer é nos questionar: “Por que o que ele disse me incomodou tanto?” Se
incomodou, é porque, certamente, tem um fundo de verdade. O Evangelho deixa
claro que rejeitar a verdade da palavra profética significa perder a
oportunidade de mudar, de crescer, de se libertar; significa jogar fora a cura,
o milagre, a transformação que tanto estávamos desejando, esperando: “E (Jesus)
ali não pôde fazer milagre algum” (Mc 6,5).
“E
admirou-se com a falta de fé deles...” (Mc 6,6). É mesmo de admirar como a
nossa geração se melindra e se sente ofendida quando escuta a verdade. É mesmo de
admirar como facilmente ‘deletamos’ dos nossos contatos toda pessoa que fala
aquilo que não queremos ouvir. É mesmo de admirar como a nossa fé é feita de
caprichos e resiste a mudanças e questionamentos. É mesmo de admirar como não
falamos a verdade para as pessoas porque não queremos magoá-las e,
consequentemente, correr o risco de perder o afeto delas. É mesmo de admirar
como nossa palavra não tem credibilidade, porque nós somos os primeiros a não
sustentá-la diante de uma crítica ou de uma rejeição ao que dissemos. Enfim, é
mesmo de admirar que para nós seja mais importante ter a aprovação das pessoas
do que a aprovação de Deus, o Deus da verdade, cuja Palavra é a única fonte de
salvação.
Ao concluir esta reflexão, é
importante nos dar conta de que todo verdadeiro profeta é uma pessoa visada
pelo mal, alguém que luta contra o mal e sente a ação do mal em si mesmo. Por
quê? Porque Deus escolheu para a missão profética não anjos, mas pessoas
humanas, expostas ao mesmo mal que atinge a humanidade. Como Paulo acabou de
testemunhar, Deus escolheu revelar a Sua força através da fraqueza do profeta
(cf. 2Cor 12,9). Além disso, Paulo entendeu que Deus escolheu não anular as
fraquezas humanas do profeta porque Ele sabe que, pior do que as fraquezas e
ambiguidades humanas, aquilo que mais faz mal ao profeta é o risco da
presunção, o risco da arrogância, da autossuficiência, do achar-se pronto (cf.
2Cor 12,7).
Oração:
Senhor Deus, envia-me a Tua palavra profética para me corrigir dos meus erros,
para me levantar das minhas quedas, para me iluminar o caminho em vista da minha
cura e da minha libertação. Dá-me ouvidos de discípulo e língua de profeta,
sobretudo para que eu possa levar uma palavra de conforto à pessoa abatida.
Senhor Jesus, ensina-me a ser uma presença profética onde quer que eu me
encontre. Que a Tua verdade sempre oriente a minha consciência e cada uma das
minhas atitudes, e que eu não me deixe abater diante da rejeição dos homens,
mas me mantenha fiel à verdade do Evangelho. Divino Espírito Santo, sustenta-me
na minha missão profética. Livra-me do orgulho e da presunção. Concede-me a
graça da Tua força quando experimento a verdade da minha fraqueza. Apesar das
minhas limitações humanas, que a minha presença junto às pessoas seja cada vez
mais marcada pela coerência e pela obediência à Palavra da verdade. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário