quinta-feira, 5 de julho de 2018

A ABSOLUTA NECESSIDADE DA PALAVRA PROFÉTICA

Missa do 14º. dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 2,2-5; 2Coríntios 12,7-10; Marcos 6,1-6.   

            Houve um tempo em que nossa Igreja era reconhecida como uma Igreja profética, uma Igreja portadora de vozes proféticas como Dom Helder Câmara, Dom Aloysio Lorscheider, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Paulo Evaristo Arns, entre outros. Essa Igreja profética parece ter dado lugar hoje a uma Igreja um tanto tímida e insegura diante da realidade sócio-político-econômico-religiosa em que vivemos. Mas essa ausência de profetismo não se faz sentir somente em nossa Igreja. Ela parece ser a marca do nosso tempo, um tempo em que os grandes sonhos e as grandes esperanças de transformação social deram lugar à mera luta pela sobrevivência e à busca individual de bem estar.
            Seja como for, os textos bíblicos da liturgia de hoje nos falam da importância do profeta na Igreja e na sociedade. O profeta é uma pessoa suscitada por Deus, uma pessoa impulsionada pelo Espírito Santo a se colocar no meio de uma situação de apatia, de dor e de ausência de esperança, para começar a despertar a consciência adormecida de um povo que se acostumou a viver sem desejo de mudança e sem perspectiva de futuro: “Filho do homem, eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim... A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra, vou-te enviar... Quer te escutem, quer não... ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (Ez 2,3-5).
            Quando olhamos nossa vida a partir da vocação profética, nos damos conta de que o lugar em que nos encontramos não é acidental, mas providencial: Deus nos colocou ali para sermos uma presença profética, para reconduzir a Ele pessoas que se afastaram do bem, da verdade e da justiça. E assim como fez com Ezequiel, Deus quer que estejamos conscientes de que a nossa missão profética sempre será uma missão ingrata, marcada mais pela rejeição do que pela aceitação da nossa mensagem. No entanto, precisamos seguir firmes nessa missão, colaborando para manter viva em nós mesmos a palavra da profecia.
            Mas, o que é a palavra da profecia? É uma palavra que, na maioria das vezes, nos coloca em crise, nos questiona, nos desinstala e nos provoca uma séria revisão de vida. Enquanto a maioria das pessoas procura por uma palavra que as mantenham ou as coloquem de volta na sua zona de conforto, a palavra profética visa nos tirar da zona de conforto e nos responsabilizar pela cura ou pela transformação que gostaríamos que acontecesse conosco – quem sabe, de forma mágica, sem grandes sacrifícios da nossa parte. Enquanto muitas pessoas hoje abandonam a verdade e se rodeiam de falsos profetas que falam somente o que elas gostam de ouvir, a palavra profética nos coloca diante da verdade, a verdade que não gostamos de ouvir, mas que precisamos ouvir se queremos ser libertos e salvos.
            O Evangelho que acabamos de ouvir deixa claro que todos nós, de maneira consciente ou inconsciente, rejeitamos a palavra profética. Sem dúvida que a nossa primeira reação diante dela é a da admiração. No entanto, a admiração por si só não provoca mudança, conversão, cura e salvação em ninguém. Depois de terem sido impactados pela palavra profética de Jesus, os nazarenos passaram a questioná-lo. Nós conhecemos muito bem esse questionamento. Quando alguém nos diz uma verdade que não estamos a fim de ouvir, normalmente procuramos desautorizar a pessoa com perguntas do tipo: “Quem você pensa que é pra me dizer isso? O que você sabe a respeito da minha vida pra me falar isso? Quem a Igreja pensa que é pra me dizer como eu devo educar meu filho, lidar com a minha sexualidade ou conduzir a minha vida financeira? A Igreja tem que cuidar do espiritual, e não ficar opinando a respeito de política e de economia!”
            É preciso dizer novamente: não há uma pessoa que não se sinta incomodada com a verdade da palavra profética. Por isso, ao invés de voltarmos a nossa agressividade para o profeta – seja ele um médico, um psicólogo, um padre, um pastor, um amigo, a Igreja – o melhor que temos a fazer é nos questionar: “Por que o que ele disse me incomodou tanto?” Se incomodou, é porque, certamente, tem um fundo de verdade. O Evangelho deixa claro que rejeitar a verdade da palavra profética significa perder a oportunidade de mudar, de crescer, de se libertar; significa jogar fora a cura, o milagre, a transformação que tanto estávamos desejando, esperando: “E (Jesus) ali não pôde fazer milagre algum” (Mc 6,5).
“E admirou-se com a falta de fé deles...” (Mc 6,6). É mesmo de admirar como a nossa geração se melindra e se sente ofendida quando escuta a verdade. É mesmo de admirar como facilmente ‘deletamos’ dos nossos contatos toda pessoa que fala aquilo que não queremos ouvir. É mesmo de admirar como a nossa fé é feita de caprichos e resiste a mudanças e questionamentos. É mesmo de admirar como não falamos a verdade para as pessoas porque não queremos magoá-las e, consequentemente, correr o risco de perder o afeto delas. É mesmo de admirar como nossa palavra não tem credibilidade, porque nós somos os primeiros a não sustentá-la diante de uma crítica ou de uma rejeição ao que dissemos. Enfim, é mesmo de admirar que para nós seja mais importante ter a aprovação das pessoas do que a aprovação de Deus, o Deus da verdade, cuja Palavra é a única fonte de salvação.
            Ao concluir esta reflexão, é importante nos dar conta de que todo verdadeiro profeta é uma pessoa visada pelo mal, alguém que luta contra o mal e sente a ação do mal em si mesmo. Por quê? Porque Deus escolheu para a missão profética não anjos, mas pessoas humanas, expostas ao mesmo mal que atinge a humanidade. Como Paulo acabou de testemunhar, Deus escolheu revelar a Sua força através da fraqueza do profeta (cf. 2Cor 12,9). Além disso, Paulo entendeu que Deus escolheu não anular as fraquezas humanas do profeta porque Ele sabe que, pior do que as fraquezas e ambiguidades humanas, aquilo que mais faz mal ao profeta é o risco da presunção, o risco da arrogância, da autossuficiência, do achar-se pronto (cf. 2Cor 12,7).

Oração: Senhor Deus, envia-me a Tua palavra profética para me corrigir dos meus erros, para me levantar das minhas quedas, para me iluminar o caminho em vista da minha cura e da minha libertação. Dá-me ouvidos de discípulo e língua de profeta, sobretudo para que eu possa levar uma palavra de conforto à pessoa abatida. Senhor Jesus, ensina-me a ser uma presença profética onde quer que eu me encontre. Que a Tua verdade sempre oriente a minha consciência e cada uma das minhas atitudes, e que eu não me deixe abater diante da rejeição dos homens, mas me mantenha fiel à verdade do Evangelho. Divino Espírito Santo, sustenta-me na minha missão profética. Livra-me do orgulho e da presunção. Concede-me a graça da Tua força quando experimento a verdade da minha fraqueza. Apesar das minhas limitações humanas, que a minha presença junto às pessoas seja cada vez mais marcada pela coerência e pela obediência à Palavra da verdade. Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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