quinta-feira, 12 de julho de 2018

O LUGAR DE TODO MÉDICO É JUNTO DA PESSOA ENFERMA

Missa do 15º. dom. comum. Palavra de Deus: Amós 7,12-15; Efésios 1,3-14; Marcos 6,7-13.

            Nós estamos intimidados diante do mundo: intimidados diante da violência e do mal das drogas, intimidados diante das injustiças e dos sofrimentos humanos, intimidados diante do poder econômico e da corrupção, intimidados diante de tantas doenças e de tanta dor, intimidados diante dos conflitos que vivenciamos no seio da família ou no ambiente de trabalho. Todavia nós, cristãos, jamais deveríamos aceitar ser intimidados pelas dificuldades e pelos problemas da vida, pois a Escritura afirma: “Deus não nos deu um espírito de medo, mas de força” (2Tm 1,7). Todo cristão é uma pessoa ungida pela força do Alto, pelo Espírito de Deus, chamado a viver à altura dessa unção, consciente de que o Espírito que o anima e sustenta jamais vai levá-lo a intimidar-se diante da realidade que a cerca.
            Por nunca ter se intimidado diante da realidade, Jesus continua a chamar cada um de nós, discípulos seus, e nos enviar para junto de todas as pessoas que necessitam ser alcançadas pela força transformadora do Evangelho. Assim como o lugar do médico é junto da pessoa doente e o lugar do advogado é junto da pessoa que precisa de defesa, assim o nosso lugar como cristãos é junto de toda pessoa que precisa ser ajudada, defendida, resgatada, curada e salva. Assim como Deus enviou Isaías, Jeremias, Ezequiel, Amós e os demais profetas para salvar seu povo da destruição, assim hoje Ele envia cada um de nós como discípulos de seu Filho, enviado pelo Pai com a missão de procurar e salvar todo aquele que está correndo o risco de se perder (cf. Lc 19,10).
            Cada um de nós é chamado a tomar consciência de que é um “enviado”. Jesus nos envia para o seio da família, da escola, do local de trabalho, para o seio da sociedade, com a missão de nos colocar junto de toda pessoa que precisa receber a palavra da verdade, o Evangelho que nos salva (cf. Ef 1,13). Neste sentido, precisamos superar o medo de nos colocar diante do outro, diante do diferente; o medo de não saber o que fazer diante da dor, da injustiça ou do sofrimento que atinge o outro. Quando sentimos esse medo, precisamos nos lembrar de que Jesus, ao nos enviar, sempre nos reveste do poder do Espírito Santo, para afastarmos o espírito do mal da vida das pessoas.
            Toda pessoa enviada nunca é enviada em seu próprio nome, mas em nome de alguém: Jesus foi enviado pelo Pai e nós somos enviados por Jesus. Não estamos ali em nosso próprio nome ou por nossa própria vontade, mas obedecendo a um envio, a uma missão que nos foi confiada: “Vai profetizar para Israel, meu povo” (Am 7,15). Assim como fez com Amós, o Pai nos convida a sair de nossas seguranças para colocar os pés no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes e protegidos para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis e desprotegidos. Deus nos envia para entrarmos em contato com a realidade das pessoas e nos deixarmos afetar pelo drama da vida delas. Quando nos mantemos distantes da realidade das pessoas, acabamos colaborando para que elas sintam Deus distante e indiferente à dor pela qual estão passando. Um cristianismo intimidado ou acomodado acaba alimentando o ateísmo no mundo, isto é, a sensação de que Deus não existe ou, se existe, não se importa com o ser humano. 
            Jesus nunca se acomodou. Ele não permaneceu num único lugar, nem se fechou em uma casa, mas sempre se colocou a caminho; sempre fez questão de estar junto das pessoas que sofriam. É assim que Ele nos quer como seus discípulos: em movimento, desacomodados, não intimidados pelo mundo. Ao recomendar que não levemos “nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura” (Mc 6,8), Jesus nos quer livres e disponíveis, não preocupados com o nosso próprio bem-estar, mas preocupados em sermos testemunhas do essencial, pessoas que não se apoiam nos recursos financeiros e na tecnologia para evangelizar, mas que confiam na força própria do Evangelho que, quanto mais anunciado a partir da simplicidade e da autenticidade do evangelizador, mais transforma a vida daqueles que o recebem.
            Eis uma segunda recomendação de Jesus: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida” (Mc 6,10). Não devemos ser superficiais com as pessoas; precisamos “ficar” com elas, nos deixar afetar pelo que elas estão vivendo, e não simplesmente “passar” por elas. Por fim, Jesus faz uma última recomendação: “Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés” (Mc 6,11). Sempre que nos dispomos a sair do conhecido e enfrentar o desconhecido, corremos o risco de experimentar a rejeição ou mesmo a agressão. O mal e a injustiça que tanto ferem a humanidade jamais vão nos receber de braços abertos; pelo contrário, vão combater contra nós, na esperança de nos fazer desistir. É aí que entra o conselho de Jesus: devemos sacudir a poeira dos pés, no sentido de não nos deixar contaminar pelo desânimo e pelo pessimismo só porque não fomos acolhidos em nossa tentativa de ajudar determinada pessoa. Ainda que nossas intenções sejam as melhores, precisamos contar com o fato de que nem todos os doentes querem ser curados de suas doenças, assim como nem todos os prisioneiros querem ser libertos de suas prisões...
            “Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo” (Mc 6,12-13). Todos nós precisamos de conversão, porque os nossos valores estão invertidos: o supérfluo tomou o lugar do essencial e o essencial passou a ser tratado como supérfluo por nós. Essa inversão de valores tem adoecido nossos relacionamentos e, consequentemente, nossas famílias, nossos locais de trabalho, nossa sociedade. Nós nos tornamos uma humanidade mentalmente adoecida, exposta aos ataques de “demônios” como a depressão, o pânico, a esquizofrenia, a angústia, a ansiedade etc. No entanto, Jesus nos deu poder sobre esses demônios; precisamos confiar nisso. Jesus nos ungiu com o Espírito Santo; precisamos levar essa unção para todos aqueles que dela precisam. Não nos omitamos diante da missão que nos foi confiada. Lembremos mais uma vez: o lugar do médico é junto daquele que está doente. O nosso lugar como cristãos é junto de toda pessoa que não está sendo alcançada pela “pastoral de manutenção” da nossa Igreja.        
“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo... Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium 49).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

2 comentários:

  1. Vejo claramente a abertura ao Espirito Santo em todas as suas mensagens, padre. Maravilhosas, profundas, que nos encoraja, em meio às limitações, e nos faz avaliar como ser um verdadeiro cristão. É desafiador...é uma luta diária...mas preciso entrar no exercício dos pequenos gestos de conversão. Agradeço a Deus por tua vida e missão. Lucilene Cabrera - Bebedouro (SP)

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    1. Muito obrigado, querida Lucilene! Reze por mim, para que eu me esforce em viver segundo aquilo que escrevo e anuncio. Deus te abençoe!

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