quinta-feira, 26 de julho de 2018

FOME

Missa do 17º. dom. comum. Palavra de Deus: 2Rs 4,42-44; Efésios 4,1-6; João 6,1-15.

Por que nós precisamos nos alimentar? Porque nenhum ser humano possui a vida em si mesmo, mas deve recebê-la de fora, em forma de alimento. O alimento nos lembra que não somos pessoas autossuficientes; para viver, dependemos de algo que não está em nós. Biblicamente, o alimento também nos recorda a nossa dependência radical em relação a Deus; nós vivemos porque Ele nos sustenta: “Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura (Sl 145,15-16).
No mundo em que vivemos há um grande contraste entre desperdício de alimento e fome. No Brasil, por exemplo, são desperdiçadas por ano 41 mil toneladas de alimento, quantidade suficiente para alimentar 25 milhões de pessoas (http://www.bancodealimentos.org.br/). Ao mesmo tempo, 32 milhões de pessoas passam fome em nosso país, e 65 milhões de brasileiros se alimentam de forma precária (https://brasilescola.uol.com.br/brasil/fome-no-brasil.htm). Portanto, a fome, seja no Brasil, seja no mundo, não é um problema de falta de alimento, mas de distribuição, de partilha, de solidariedade.
“Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: ‘Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?’” (Jo 6,5). Jesus hoje quer que levantemos os olhos e enxerguemos o tipo de fome que está à nossa volta: fome de alimento, fome de afeto e de diálogo, fome de justiça e de paz, fome de respeito, de emprego e de oportunidade, fome de fé e de esperança, fome de sentido, fome de Deus... Como fez com Filipe, Jesus nos questiona: Como você lida com a fome à sua volta? Onde você acredita estar a solução para resolver esse tipo de fome?
Assim como Filipe, nós costumamos nos enganar a respeito da solução dos problemas, apostando tudo no dinheiro. Se tivéssemos dinheiro suficiente, resolveríamos os nossos problemas e os de toda a humanidade – assim pensamos. Jesus quer nos livrar dessa ilusão e nos provocar a enxergar a realidade de maneira mais profunda. Nem tudo se resolve com dinheiro. Dinheiro não sacia a fome de afeto, de diálogo, de respeito, de fé, de esperança, de sentido, de Deus, por exemplo. Na verdade, as coisas mais importantes da nossa vida não podem ser compradas com dinheiro; elas precisam ser construídas a partir das nossas atitudes.
No meio daquela imensa multidão, André descobriu algo valioso: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,9). No entanto, ele desprezou a força daquele pequeno recurso: “Mas o que é isso para tanta gente?” (Jo 6,9). Nós somos muito parecidos com André: deixamos nossos relacionamentos definharem, se tornarem desnutridos, porque achamos que aquilo que poderíamos fazer para alimentá-los e revigorá-los é insuficiente. Nosso erro é desprezar os pequenos gestos, as pequenas atitudes, por achar que eles não mudarão em nada a nossa realidade. Ao não valorizar nossos cinco pães de cevada (alimento de pessoas pobres) e nossos dois peixes, morremos de fome e deixamos morrer de fome aquilo que tanto gostaríamos que voltasse a viver...
Diferente de André, Jesus valoriza aquilo que aquele pequeno menino tem consigo: Ele “tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes” (Jo 6,11). A primeira atitude de Jesus diante dos cinco pães e dos dois peixes é “dar graças”, levantar os olhos para o céu e agradecer ao Pai, que sabe das nossas necessidades e a cada dia nos dá recursos suficientes para superarmos nossas dificuldades. “Dar graças” significa reconhecer que “o pouco com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada” (ditado popular); significa ter consciência de que “a nossa felicidade não depende daquilo que não temos, mas do bom uso que fazemos daquilo que temos” (provérbio chinês).
“Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: ‘Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!’ Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido” (Jo 6,12-13). Já falamos acima sobre o problema do desperdício de alimento. Mas aqui podemos pensar em outros tipos de desperdício: quanto desperdício de tempo e de oportunidade em nossas casas de alimentarmos nossos relacionamentos! Quanto desperdício de investimento pastoral em estruturas e serviços paroquiais ultrapassados que não ajudam mais as pessoas do nosso tempo a se encontrarem com a fé! Precisamos valorizar “os pedaços que sobram”, as pequenas atitudes, os gestos aparentemente insignificantes, e não ficar esperando por oportunidades grandiosas para só então evangelizar.
“Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: ‘Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo’. Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte” (Jo 6,14-15). Assim como aqueles homens, nós sempre somos tentados a transformar Jesus num deus milagreiro que solucione nossos problemas sem que tenhamos que lutar e nos esforçar para superá-los. No entanto, Jesus se recusa a assumir esse papel de solucionador mágico dos nossos problemas. Quando procuramos transferir para ele nossas responsabilidades, ele desaparece, vai embora, e nos deixa falando sozinhos.
Ao final dessa reflexão, é importante voltarmos a considerar a figura do menino com os cinco pães e os dois peixes. Por que será que era um menino, e não um adulto, que tinha nas mãos o início da solução? Se fosse um adulto, talvez escondesse seu próprio alimento e se recusasse a partilhá-lo com os outros... Talvez seja esse o nosso problema: nós deixamos de ser meninos e nos tornamos adultos, pessoas movidas pelo individualismo, pelo egoísmo, pelo medo de partilhar... Consideremos, por fim, essas palavras: “Não podemos permanecer indiferentes a tantas pessoas que, dentro das nossas comunidades cristãs, buscam um alimento mais sólido que o que recebe. Não temos que aceitar como normal a desorientação religiosa dentro da Igreja... Não poucos cristãos buscam ser melhor alimentados” (Pagola). O que o Pe. Pagola diz a respeito da atividade pastoral da Igreja pode ser aplicado também ao nosso relacionamento familiar...  

Oração: Senhor, Tu me envias a falar de Ti como de um lar aberto no qual esperas todos os Teus filhos para a mesa posta, para um banquete que Tu mesmo preparas. Contudo, muitos rejeitam tal convite. Procuro explicar que o Teu sonho é trazer para a Tua mesa todos os Teus filhos e filhas, para que reencontrem a fraternidade perdida, para a comunhão que foi prejudicada por separações sem sentido, como o puro e o impuro, o santo e o pecador.
Teu Filho se assentou para comer com os pecadores e excluídos, provocando um escândalo ao nos dizer: “Meu Pai é assim! Meu Pai é festa, banquete, mesa partilhada!” Teu amor e Teu perdão são como um pão oferecido gratuitamente. O Senhor prometeu cuidar das nossas necessidades e provê-las a cada dia, mas nós continuamos a desconfiar disso e a nos encher de preocupação e ansiedade pelo que comer e beber, pelo que vestir e consumir.
Teu Filho transformou cinco pães e dois peixes em alimento que saciou uma multidão de cinco mil homens, e ainda sobraram doze cestos cheios... Ao tomar os pães e os peixes em suas mãos, Ele elevou os olhos ao céu, para orientar o nosso olhar para Ti, de quem tudo recebemos. A seguir, pronunciou a bênção, para devolver aquele alimento à sua verdadeira natureza, que é o de circular, dividir-se, gerar vida, convivialidade. A carência foi vencida pela generosidade e pela gratuidade. Mas nós, diante de tal situação, dizíamos: ‘Não temos’, ‘isto é pouco’, ‘despede-os’, ‘que vão eles próprios comprar’. Diante de qualquer imprevisto, olhamos para nós mesmos, medimos nossas próprias forças e nos angustiamos, ao invés de olharmos para Ti, Deus nosso Pai, que és a fonte inesgotável de todo dom. (Oração composta a partir de Ir. Dolores Aleixandre, no livro Revela-me teu nome – imagens bíblicas para falar de Deus, Paulinas).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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