Missa do 16º. dom.
comum. Palavra de Deus: Jeremias 23,1-6; Efésios 2,13-18; Marcos 6,30-34.
No mundo em que vivemos existem muros
e pontes: os muros separam e distanciam, as pontes unem e aproximam. Nós
podemos ser construtores tanto de muros quanto de pontes; nossas atitudes tanto
podem nos separar e nos distanciar dos outros, como também podem nos unir e nos
aproximar das pessoas. Com toda certeza, tanto os muros quanto as pontes têm
sua importância: em relação àquilo que nos faz mal, nos adoece e ameaça nos
destruir é preciso levantar muros. Porém, precisamos evitar a tendência a nos
isolar sempre mais dos outros com a desculpa de que estamos decepcionados com o
ser humano, pois são as pontes, não os muros, que nos humanizam, nos devolvem
alegria e sentido, nos permitem crescer e amadurecer como seres humanos.
O apóstolo Paulo compara a cruz de
Cristo a uma ponte que foi estendida para devolver a comunhão entre o céu e a
terra e também para devolver a comunhão entre as pessoas, independente das suas
diferenças econômicas, sexuais, religiosas e culturais. A ponte que Cristo
estendeu à humanidade a partir da sua cruz derrubou o muro da inimizade que
separava pessoas entre si e a humanidade de Deus, de tal modo que essa
ponte/cruz realizou a paz: “Ele veio anunciar a paz a vós que estáveis longe, e
a paz aos que estavam próximos. É graças a ele que uns e outros, em um só Espírito,
temos acesso junto ao Pai” (Ef 2,17-18).
O sacrifício redentor de Cristo tem
o poder de alcançar todas as pessoas: as que estão longe e as que estão perto. Na
mentalidade judaica de Paulo, “as que estão longe” eram os pagãos e “as que
estão perto” eram os judeus. Hoje precisamos ampliar essa compreensão e jamais
pensar que “os que estão perto” são os que estão dentro da Igreja e “os que
estão longe” são os que estão “no mundo”, como se costuma dizer. Como Santo
Agostinho certa vez afirmou, existem pessoas que estão dentro da Igreja, mas
vivem como se estivessem fora (vivem como pagãos), e existem pessoas que estão
fora da Igreja, mas vivem como se estivessem dentro (vivem como autênticos
cristãos). Essa verdade é um excelente remédio para curar a presunção de nos
acharmos melhores do que os outros.
Ainda uma palavra a respeito da
distinção entre “os de perto” e “os de longe”: nós, que nos julgamos estar perto
de Deus porque dentro da Igreja, temos uma responsabilidade, já lembrada pelo
Evangelho de domingo passado: assim como o lugar do médico é junto da pessoa
doente e o lugar do advogado é junto da pessoa que precisa ser defendida de uma
injustiça, assim o nosso lugar como cristãos é junto de toda pessoa que precisa
ser alcançada pela paz do Evangelho. Portanto, estar perto de Deus não é um
privilégio, mas uma responsabilidade, e a nossa fé jamais pode ser vivida como
um muro que nos separa do mundo, mas como uma ponte que nos torna próximos de
quem se sente longe de Deus, da Igreja, não alcançado pela salvação.
De
uma certa forma, o Evangelho que hoje ouvimos também nos fala de muros e de
pontes. Assim que os discípulos retornam da missão (Evangelho de domingo
passado), Jesus lhes faz um convite: “Vinde sozinhos para um lugar deserto, e
descansai um pouco” (Mc 6,31). Com essa atitude, Jesus quis erguer um muro de
proteção para os discípulos, um muro necessário para evitar o esgotamento
deles. Todas as pessoas que cuidam dos outros precisam também cuidar de si
mesmas. Pais esgotados e sobrecarregados não conseguem cuidar bem dos filhos,
nem do próprio relacionamento conjugal. A sobrecarga e o esgotamento nos
adoecem física, emocional e espiritualmente. Essa atitude de Jesus de conduzir
os discípulos para um lugar deserto, a fim de que pudessem descansar um pouco,
nos lembra as sábias palavras do Pe. Henri Nouwen: “Temos de moldar nosso
deserto onde possamos nos retirar todos os dias, livrar-nos de nossas
compulsões e habitar na bondosa presença salutar de nosso Senhor. Sem esse
deserto, perdemos nossa alma enquanto pregamos o Evangelho aos outros.
Portanto, a primeira coisa que precisamos fazer é reservar tempo e lugar para
estar com Deus e só com ele” (Do livro A
espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo).
Ainda
em relação a esse “lugar deserto”, necessário para o descanso, é preciso evitar
a atitude hipócrita dos pastores “braço curto”, cujo coração do seu ministério
presbiteral não é a necessidade das ovelhas, mas o seu próprio bem estar, como
denuncia o Senhor por meio do profeta Jeremias: “Ai dos pastores que deixam
perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor! (...) Vós
dispersastes o meu rebanho, e o afugentastes e não cuidastes dele; eis que irei
verificar isso entre vós e castigar a malícia de vossas ações, diz o Senhor”
(Jr 23,1-2). Enquanto existem pastores sobrecarregados e esgotados, que
diariamente dão a vida por suas ovelhas, existem aqueles que se ausentam da
paróquia diversas vezes ao longo do ano, em viagens programadas para “descansar”.
Por serem “pastores de si mesmos”, fazem isso sem nenhum sentimento de culpa,
sem nenhum peso de consciência, não se importando com o fato de que suas
ovelhas se dispersem e se tornem pessoas afugentadas, cada vez mais distantes
da Igreja que deveria cuidar delas. Esses pastores só acordarão para a vida
quando as ovelhas que ainda estão no seu rebanho deixarem de ser
ingênuas e pararem de sustentá-los financeiramente em seu estilo “bon
vivant”.
Retornando
para a imagem do muro de proteção que Jesus quis construir para os discípulos
cansados da missão, acontece algo surpreendente no Evangelho: o muro precisou
se converter novamente em ponte! “Muitos os viram partir e reconheceram que
eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes
deles. Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque
eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc
6,33-34). Embora tenhamos uma necessidade legítima de descanso, embora seja
importante evitar situações de esgotamento, embora não seja prudente nos deixar
devorar pela necessidade das pessoas, a compaixão de Jesus está nos dizendo
algo importante: o improviso também faz parte da missão. A dor das pessoas que
a vida colocou sob os nossos cuidados nem sempre vai esperar termos tempo,
estarmos descansados e bem humorados. Se queremos ser fiéis à nossa missão de
pastores, de autênticos cuidadores, precisamos nos tornar pessoas flexíveis,
capazes de mudar nossos planos sempre que isso for necessário para cuidar de
quem precisa urgentemente ser cuidado. Não nos esqueçamos: a necessidade do
rebanho tem prioridade em relação ao bem estar do pastor. Que o Espírito Santo nos
dê a flexibilidade necessária para convertermos nossos muros em pontes, como
fez Jesus.
Oração: Senhor, ensina-me a derrubar os
muros que me distanciam das pessoas e a construir pontes que me aproximam
delas. Muito obrigado pelo Senhor ser o Deus tanto daqueles que estão perto
quanto daqueles que estão longe! Peço que a Tua misericórdia se estenda sobre
toda a humanidade e alcance especialmente aqueles que se sentem longe de Ti. Hoje
eu assumo, diante da Tua palavra, o compromisso de ser uma ponte que faça com
que as pessoas que convivem comigo voltem a se sentir próximas de Ti.
O Senhor sabe que todos nós vivemos
num mundo cheio de cobranças, cobranças que nos esgotam e nos adoecem. Concede-nos
sabedoria e liberdade interior para não nos deixarmos devorar por essas
cobranças. Ensina-nos a cuidar daquilo que realmente é essencial e não nos
perder em preocupações desnecessárias. Que a nossa oração de cada dia nos
conduza para aquele lugar deserto dentro de nós onde podemos nos colocar na Tua
presença e sermos curados, corrigidos, orientados e fortalecidos.
Enfim, Senhor, concede-nos um
coração flexível, que não seja rígido e não fique preso nos nossos próprios
interesses, um coração capaz de sair de seus próprios esquemas sempre que
alguém precisar do nosso cuidado, da nossa atenção, do nosso socorro.
Concede-nos um coração semelhante ao de Teu Filho Jesus, um coração que
encontre o necessário equilíbrio entre cuidar de si mesmo e cuidar daqueles que
a vida coloca sob os nossos cuidados. Amém!
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