Missa da
Natividade de São João Batista – Palavra de Deus: Isaías 49,1-6; Atos dos
Apóstolos 13,22-26; Lucas 1,57-66.80
Por que uma criança nasce e vem ao
mundo? Por que eu nasci e vim ao mundo? Muitas pessoas ainda não sabem por que
nasceram e por que vieram ao mundo. No entanto, a pergunta mais importante não
é “por que?”, mas “para que?”: Para que
uma criança nasce e vem ao mundo? Para
que eu nasci e vim ao mundo? Enquanto a pergunta “por que?” costuma nos
colocar no papel de vítimas diante da vida, a pergunta “para que?” nos convida
a ocupar o lugar para o qual nós nascemos, o lugar de pessoas responsáveis por
sua própria história de vida, tendo consciência de que a nossa existência não é simplesmente uma vida a ser desfrutada;
muito mais que isso, ela é uma história a
ser construída.
A festa que celebramos hoje – nascimento
de São João Batista – nos convida a redescobrir a finalidade da nossa existência,
tornando-nos mais conscientes de que não nascemos e não existimos por acaso,
mas por um desígnio de Deus: “O Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o
ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome” (Is 49,1). “O Senhor
chamou-me antes de eu nascer”. A sua existência não foi uma escolha sua,
nem de seus pais, nem muito menos de um destino cego e sem sentido, mas uma
escolha de Deus. Além disso, a palavra “antes” também significa: antes do
sentimento de ter sido rejeitado(a); antes da tomada de consciência da própria
identidade sexual; antes do abuso sexual ou da falta de cuidado; antes de ser
mimado, superprotegido e, consequentemente, fragilizado pelos pais; antes de tudo o que aconteceu com você nos
primeiros anos de vida, existe a verdade do amor de Deus como razão originária da
sua existência.
“(...) ele tinha na mente o meu nome”. Antes de seus pais se darem conta da sua
gravidez e começarem a pensar na escolha do seu nome, Deus já tinha na mente
d’Ele o seu nome. Na Bíblia, o nome significa duas coisas: a nossa identidade e
a nossa missão. O nome diz que nós não
somos a repetição de ninguém; não somos a reencarnação de ninguém. Nós somos únicos e temos uma missão única.
“Importante é que cada fiel entenda o seu próprio caminho e traga à luz o
melhor de si mesmo, quando Deus colocou nele algo de muito especial (1Cor
12,7), e não se esgote procurando imitar algo que não foi pensado para ele” (Papa Francisco, GE 11)*. Cada um de nós é
uma marca única do Evangelho. Há uma palavra, uma mensagem de Jesus que Deus
quer dizer ao mundo com a sua vida. “O Senhor a levará ao cumprimento mesmo no
meio dos teus erros e momentos negativos, desde que não abandones o caminho do
amor e permaneças sempre atento à sua ação sobrenatural que purifica e ilumina”
(Papa Francisco, GE 24)*.
Além de indicar a identidade única e
original da pessoa, o nome indica, na Bíblia, a nossa missão. O para que da existência e do nascimento
de cada um de nós é em vista de uma missão: “Que eu recupere Jacó para ele e
faça Israel unir-se a ele” (Is 49,5). A nossa presença num determinado ambiente
nunca é por acaso. Cada um de nós precisa ter essa consciência: ‘Se a mão de Deus me colocou aqui, é porque
há algo que eu devo e posso fazer para recuperar alguém para Ele, para
reaproximar alguém d’Ele’. E ainda que às vezes pensemos que estamos
trabalhando em vão e gastando nossas forças inutilmente (cf. Is 49,4), lembremos
que o Senhor nos sustenta a cada dia, para que a salvação d’Ele chegue, por
meio de nós, ao coração das pessoas que ainda não fizeram a experiência do Seu
amor (cf. Is 49,6).
João Batista foi gerado num ventre idoso, e apesar disso nasceu
porque sua mãe Isabel permitiu que o
tempo da gravidez se completasse (cf. Lc 1,57). Você também acolhe as
promessas de Deus e espera o tempo necessário até que elas amadureçam e você
possa dar à luz aquilo que permitiu que Deus gerasse na sua vida? Como você se
posiciona em relação ao aborto? Com qual frase você se identifica: “Meu corpo,
minhas regras” ou “Meu corpo, santuário da vida”? Como você enxerga o seu embrião
ou seu feto: como uma vida confiada por Deus aos seus cuidados ou simplesmente
como um órgão do seu corpo que você pode decidir extirpar ou não? Você também comunga
da ideia de que ‘filho é sinônimo de problema’, e por isso é melhor substituí-lo
por um animal de estimação?
Todos os que ficaram sabendo do
nascimento miraculoso de João Batista se perguntavam: “O que virá a ser este
menino?” (Lc 1,66). O que virá a ser um aluno que estuda numa escola adepta da
ideologia de gênero e que por isso não permite que a criança se sinta com uma
identidade sexual? O que virá a ser uma criança que tem tudo na mão e que é
tratada como príncipe ou princesa por seus pais, pais que agem o tempo todo
como se fossem serviçais dela? O que virá a ser uma criança que desde cedo é
exposta excessivamente à TV e à Internet, que tem diariamente nas mãos um
celular, mas raramente ou nunca um livro? O que virá a ser uma criança que
raramente ou nunca é corrigida por seus pais? O que virá a ser uma criança que
cresce longe de qualquer igreja ou religião, lembrando o fato já constatado que
“pais que levam seu filho a uma igreja dificilmente irão visitá-los numa
cadeia” (Içami Tiba, médico
psiquiatra, autor de “Quem ama, educa”
e vários outros livros)? “O que virá a ser este menino?” (Lc 1,66). Seu filho
virá a ser um juiz corrupto, um político corrupto, um empresário corrupto, um
médico corrupto? O que o seu filho virá a ser depende, por um lado, daquilo que
ele está recebendo agora de você, pai/mãe, e do ambiente em que ele vive e, por
outro, da maneira como ele vai lidar com aquilo que está recebendo. Se o seu
filho virá a ser uma pessoa de caráter, íntegro e temente a Deus, depende, em
boa parte, do tipo de valores que você, pai/mãe, cultiva em casa.
Ainda a respeito de João Batista o
Evangelho diz: “a mão do Senhor estava com ele” (Lc 1,66). Em relação a
quanto(a)s menino(a)s hoje contatamos que a mão do traficante está com ele(a);
a mão do consumismo está com ele(a); a mão da internet está com ele(a),
alimentando nele(a) solidão e isolamento, os quais se tornam terreno fértil
para ideias suicidas; a mão do ateísmo está com ele(a); a mão do maligno está
com ele(a)? “E o menino crescia e se fortalecia em espírito” (Lc 1,80). Cada
vez mais os pais se admiram como seus filhos crescem rápido, tanto fisicamente
quanto na inteligência e na agilidade, sobretudo ao lidar com as novas
tecnologias. Eles também têm crescido e se fortalecido “em espírito”?
Concretamente, como você, pai/mãe, está cuidando do crescimento espiritual de
seu filho?
“E o menino crescia e se fortalecia
em espírito. Ele vivia nos lugares desertos, até o dia em que se apresentou
publicamente a Israel” (Lc 1,80). João cresceu “nos lugares desertos”, longe
dos olhares dos outros – hoje diríamos: longe das redes sociais –, ignorado pelo mundo. Habituados com a
cultura do narcisismo, um dos nossos maiores medos é o de não sermos vistos,
notados, percebidos pelos outros. O que dizer das crianças cujas fotos são
excessivamente expostas nas redes sociais? O que dizer dos pais que, escravos
do consumismo, celebram o “mesversário” (perdão pelo termo ridículo) do filho
recém-nascido, alimentando nele a ideia doentia de que o mundo gira em torno
dele e da sua beleza? A vida terá muito a ensinar a uma criança que cresce
nesse meio, até que ela entenda que a felicidade não está em aparecer, mas em
ser. Que os nossos breves dias neste mundo sejam vividos não sob os olhares do
mundo e as curtidas nas redes sociais, mas sob o olhar d’Aquele que nos formou
ocultamente no seio de nossa mãe (cf. Sl 139,15) e que ama a verdade (não a
vaidade) no fundo do nosso ser (cf. Sl 51,8).
* Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (Alegrai-vos e
exultai), sobre a chamada à santidade no mundo atual.
👏👏👏👏Maravilhoso, belíssima reflexão. Amei!!!
ResponderExcluirMuito linda mensagem!!!!
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