sexta-feira, 27 de outubro de 2017

AMAR DEIXOU DE SER ESPONTÂNEO E NATURAL EM NÓS

Missa do 30º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 22,20-26; 1Tessalonicenses 5,1c-10; Mateus 22,34-40.

            Antes de considerarmos o ensinamento de Jesus no Evangelho, precisamos nos colocar diante da definição bíblica mais importante e ao mesmo tempo mais simples a respeito de Deus: “Quem não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8). Isso significa que a nossa experiência de Deus está diretamente relacionada com a nossa experiência de amar e sermos amados. Toda ferida, todo bloqueio, todo trauma e, sobretudo, a ausência de uma experiência afetiva significativa, dificulta grandemente uma pessoa de fazer na sua vida uma experiência de Deus, simplesmente porque Deus é amor; não esse amor adoecido por interesses egoístas dos tempos atuais, mas o verdadeiro amor, amor que não busca seu próprio interesse, que nada faz de inconveniente ou de injusto, amor que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, amor que jamais deixará de amar (cf. 1Cor 13,5.7).
            Se é verdade que nem todo ser humano nasce de um ato genuíno de amor entre um homem e uma mulher, muito mais verdadeiro é o fato de que a existência de todo ser humano é fruto do amor de Deus: antes de criar o mundo, Ele nos amou e nos convidou a viver sob o seu olhar de Pai que nos ama (cf. Ef 1,4). Portanto, quaisquer que sejam as feridas que inúmeras pessoas carregam na tentativa de amarem e serem amadas, a verdade de fundo permanece: todo ser humano existe porque Deus o ama. “Sim, tu amas tudo o que criaste... Se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito” (Sb 11,26).
            Vamos, então, nos aproximar do apelo do Evangelho, que nos fala do amor a Deus e do amor ao próximo como os dois mandamentos principais da Sagrada Escritura. Por que o amor nos é apresentado como um “mandamento”, e não como um convite ou uma proposta? Porque, devido ao egoísmo do coração humano, o amor deixou de ser algo espontâneo em nós; espontâneo em nós passou a ser o ressentimento, a mágoa, a raiva, o fechamento, o desejo de nos afastar de determinadas pessoas que feriram o nosso amor. Ao nos falar do amor a Deus e ao próximo como os dois principais mandamentos, como a essência de tudo o que está na Escritura, Jesus nos ensina que o sentido da vida não consiste em fazermos apenas aquilo que temos vontade, mas em fazermos aquilo que é necessário para o bem, o crescimento, a cura e a salvação nossa, das outras pessoas e do mundo em que vivemos.
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” (Mt 22,37). Muitas pessoas não conseguem amar a Deus porque se sentem feridas por Ele. Deus as decepcionou; Ele permitiu que um grande mal ou uma grande injustiça as atingisse ou atingisse alguém que elas amam. Muitas pessoas, antes de pensarem na possibilidade de amar a Deus, precisam enfrentar a raiva que têm d’Ele. Assim como Jacó, elas precisam “lutar” com Deus (cf. Gn 32,23-33), até que consigam purificar a imagem que têm d’Ele e compreenderem que, apesar de tudo o que Deus permitiu que lhes acontecesse, Ele é verdadeiramente Alguém que as ama profunda e incondicionalmente, e que cuida delas, sobretudo quando acreditam que foram absolutamente abandonadas ou esquecidas por Ele.   
            Eis um “desabafo” de Deus: “O vosso amor é como a neblina da manhã, como o orvalho que cedo desaparece” (Os 6,4). Sabemos muito bem o quanto o nosso amor a Deus é inconsistente: basta que o sol fique mais forte, para que a neblina se dissipe e o orvalho evapore; basta que algo desagradável nos aconteça, basta que Deus frustre algumas das nossas expectativas, e nós rapidamente deixamos de amá-Lo. Um dos nossos erros é condicionar o nosso amor a Deus à expectativa de que Ele sempre vai fazer o que estamos esperando que nos faça. Outro erro é construir o nosso relacionamento com Ele baseado em práticas religiosas que, no fundo, não se traduzem em amor, esquecendo-nos do que Deus mesmo disse: “Eu quero amor e não sacrifícios” (Os 6,6). Qualquer sacrifício que possamos oferecer a Deus só tem sentido se nascer do nosso amor para com Ele, e não da nossa tentativa de dobrá-Lo aos nossos interesses.
            Eis o segundo mandamento, que Jesus coloca na mesma importância do primeiro: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). Segundo o texto que ouvimos do livro do Êxodo, o próximo é toda pessoa que necessita de nós. Geralmente, o próximo é toda pessoa com a qual não escolhemos conviver, mas que a vida coloca em nosso caminho por algum motivo. E Jesus nos lembra que o próximo é alguém como nós: uma pessoa necessitada de amor, de compreensão, de correção, de paciência, de tolerância. Assim como nós, ele também carrega dentro de si os seus erros e acertos na tentativa de amar e no seu desejo de ser amado. Enfim, se algo pode nos ajudar nessa tarefa de amar o próximo é aprender a acolher as pessoas como elas são e não como gostaríamos que elas fossem.
Se nós, diante daquilo que Jesus acabou de nos apresentar como a essência da nossa religião, quisermos recolocar os pés na estrada do amor, precisamos considerar algo muito sério: nos tempos atuais, o nosso esforço em amar foi reduzido às nossas emoções, e as emoções não sustentam compromisso nenhum, porque são instáveis e passageiras. Portanto, o convite de Jesus é que nosso amor não se prenda às nossas emoções e não fique refém delas, mas amadureça no compromisso que somos chamados a abraçar em relação a Deus e ao nosso próximo.
Uma última questão bastante importante: antes de uma pessoa deixar de crer em Deus, ela deixa de amá-Lo. É perfeitamente possível – e isso acontece com muitos de nós – que passemos a vida toda crendo em Deus, mas não amando-O, e quando nós seguimos pela vida crendo em Deus sem amá-Lo, acabamos por desenvolver com Ele um relacionamento baseado na tristeza, na amargura, na desconfiança, no medo; se ainda O procuramos e se não O abandonamos de vez não é por amor, mas por medo de que as coisas fiquem piores para nós. Jesus quer nos ajudar a passar do medo para o amor, do sentimento de frieza ou de indiferença religiosa para a certeza de que Deus é amor e só nos abrindo ao amor poderemos experimentá-Lo como o Deus vivo e verdadeiro.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Meu Deus (Dom)
 
Pra saber por onde vou preciso perceber Você. Sua paz e sua voz precisam me alcançar. Pra saber qual rumo é o melhor preciso Lhe encontrar. Meu querer se torna o pior se eu não Lhe escutar.

É o meu Deus, meu amigo, meu Amado. É o meu Deus que me acolhe em cada dia, em cada passo. Meu rumo lhe pertence, a minha vida. É o meu Deus..

Quando me perco na fraqueza Você é minha força. Quando tropeço e me abalo sei que me amparas.
Quando erro, derrama sua graça, encerra minha busca. Me socorre. Se em nós há uma pergunta, Você é minha resposta.

https://www.youtube.com/watch?v=TQyoMif0ODo

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

SEJA O QUE VOCÊ FOI CHAMADO A SER

Missa do 29º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 45,1.4-6; 1Tessalonicenses 1,1-5b; Mateus 22,15-21.

            Na época de Jesus, o Império Romano dominava a Palestina, e todo o povo era obrigado a pagar impostos ao Imperador romano, chamado de “César”. Diante da perigosa pergunta: “É correto ou não pagar imposto a César?”, Jesus corria dois riscos: se dissesse ‘sim’, estaria passando a imagem de ser a favor da dominação romana e de todas as injustiças por ela cometidas; se dissesse ‘não’, estaria passando a imagem de um revolucionário que tentava provocar uma revolta popular contra Roma. Jesus não assumiu nenhum desses papéis, mas questionou de quem era a imagem impressa na moeda do imposto e mandou devolvê-la a César. No entanto, ele fez questão de acrescentar, no final da sua resposta, que é preciso dar a Deus o que é de Deus, deixando claro que todo “César” está debaixo da autoridade de Deus e um dia deverá prestar contas a respeito da forma como exerceu o seu poder sobre as pessoas.
            Embora vivamos sob o regime democrático, nós também temos os nossos “césares”, pessoas, organismos, instituições e ideologias que exercem poder sobre nós, algumas vezes de maneira construtiva e justa; outras vezes, de maneira destrutiva e injusta. Existe o César que enxergamos – os poderes Executivo (Governo), Legislativo (Congresso e Senado) e Judiciário. Mas existe também o César invisível, chamado de “Mercado”, que com a sua “mão invisível” subjuga não só a vida da população mundial, mas inclusive todo e qualquer César, pois o César que não reza na cartilha do Mercado é derrubado rapidamente do poder, ainda que de maneira “democrática” ou “politicamente correta”. Atualmente, porém, existe um outro César, tão ou mais perverso que o Mercado, chamado “mídia”, a grande imprensa – rádios, jornais, revistas, canais de televisão, além de uma infinidade de sites na internet, propagadores de ideologias que se opõem frontalmente aos valores do Evangelho, ideologias que têm por objetivo apagar a inscrição de Deus na consciência do ser humano e inscrever as deformações das suas próprias doenças e dos seus próprios erros, enganos e mentiras.
            A resposta de Jesus: “Dai a César o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21), nos convida a repensar a maneira como nós, cristãos, nos situamos na sociedade. Jesus jamais promoveu o fanatismo religioso, nem tampouco incentivou uma postura alienante do cristão perante a sociedade. Pelo contrário, ele deixou claro que a nossa presença cristã na sociedade tem tanta importância quanto o sal para o alimento e a luz para uma casa ou uma cidade (cf. Mt 5,13-16). “Dar a César o que é de César” significa que, em qualquer circunstância, o ser cristão deve ser um cidadão exemplar e contribuir para o bem comum. Ele deve ter sua consciência voltada para Deus e ajudar o mundo à sua volta a se tornar um lugar mais justo e mais fraterno. Portanto, o verdadeiro cristão não se omite diante das questões políticas, mas se esforça para que as suas escolhas políticas estejam de acordo com os ensinamentos de Jesus no Evangelho.
            Consideremos a segunda parte da resposta de Jesus – “Dai a Deus o que é de Deus”. É ela que nos coloca questionamentos mais profundos. Dar a Deus o que é de Deus significa, em primeiro lugar, reconhecer que todo César é apenas um ser humano, e nenhum ser humano pode ocupar o lugar de Deus na consciência das pessoas. Nenhuma lei, assim como nenhuma ideologia criada por César, tem o direito de ferir a consciência da pessoa que escolheu orientar-se segundo os valores do Evangelho. Um exemplo concreto: não é Cesar – seja ele o Governo ou a mídia – quem deve dizer aos pais como eles devem educar seus filhos. A autoridade dos pais é algo sagrado e está acima da autoridade de qualquer César, no que diz respeito à educação dos filhos. Além disso, o próprio Jesus já nos ensinou que “um cego não pode guiar outro cego”, pois os dois cairiam no mesmo buraco (cf. Mt 15,14). Como uma rede de televisão, como a rede Globo, por exemplo, com determinados programas pensados por pessoas doentes, pessoas sem uma referência saudável e equilibrada de família e sem uma experiência positiva de Deus, pode dizer algo de significativo para as famílias do nosso tempo? O mesmo questionamento vale a respeito da pessoa responsável pelo Ministério da Educação e Cultura...
            Dar a Deus o que é de Deus significa, em segundo lugar, resgatar a consciência de que a nossa identidade originária vem de Deus: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (Gn 1,27). Portanto, não é César – Governo ou mídia – quem nos diz quem somos. Pelo contrário, o tão propagado e exigido respeito às diferenças tem funcionado como um rolo compressor que César usa com a pretensão de anular a verdade de que Deus criou o ser humano diferenciado como homem e como mulher. Desse modo, enquanto a estratégia da mídia tem sido embolar o meio de campo no que diz respeito à identidade sexual das novas gerações com a proposta “seja o que quiser ser”, o cristão se guia por outro princípio: “seja o que você foi chamado a ser”, quando Deus criou você.
            Por fim, dar a Deus o que é de Deus significa que o cristão não se guia na vida pelas leis que César cria, normalmente subjugado aos interesses do Mercado. O cristão se orienta por sua própria consciência, chamada a voltar-se diariamente para Deus, na Sagrada Escritura. Não são as leis de César (Executivo, Legislativo e Judiciário), nem as ideologias da mídia, que devem estabelecer para o cristão o que é certo e o que é errado, como, por exemplo, a descriminalização do aborto e do uso de drogas, além de outros assuntos tidos como polêmicos. O cristão verdadeiro é aquele que se guia pela lei interna do bom senso e da busca da verdade que liberta.   
Oração: Senhor, tu és o nosso Pai. Tu és o nosso Deus, o único e verdadeiro Deus. É para a tua Palavra que queremos orientar a nossa vida, a nossa consciência e o nosso coração. Não queremos nos omitir diante do bem que somos chamados a fazer em vista da justiça, da paz e da fraternidade em nosso mundo. Temos impostos a pagar a César. Não queremos nos tornar corruptos, injustos e desonestos como tantos césares do nosso tempo. Mas não vamos admitir que César ocupe em nossa consciência um lugar que é somente teu. Muitos césares do nosso tempo estão doentes; são guias cegos, pessoas desorientadas internamente, homens e mulheres sem uma experiência positiva de família e de fé. Nós não vamos admitir que eles nos adoeçam ou que adoeçam nossas crianças e adolescentes com ideologias que visam destruir a verdade de que fomos criados à tua imagem e semelhança. Queremos abraçar a vocação de sermos o que fomos chamados a ser, quando o Senhor nos chamou à existência, pois é somente no encontro com a tua verdade no mais íntimo de nós que poderemos nos tornar pessoas saudáveis, equilibradas, libertas e felizes. Por Jesus, teu Filho. Amém!

 Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 14 de outubro de 2017

“Os que ensinam a muitos a justiça serão como as estrelas, por toda a eternidade” (Dn 12,3)

          Professor: chamado a ser uma referência num tempo muito pobre ou até mesmo vazio de referências para as novas gerações; desafiado a ser uma referência de pai ou de mãe para alunos sem experiências significativas de afeto familiar e sem alguém que lhes coloque disciplina e limites; chamado ainda a ter ouvidos de psicólogo, para escutar os pedidos de socorro de crianças, adolescentes e jovens necessitados de orientação para lidar com seus conflitos...
            Professor: chamado a indicar caminhos, a questionar ideias e atitudes destrutivas que colocam em risco a saúde física e emocional não só de seus alunos, mas da escola, da família e da própria sociedade; desafiado a ajudar seus alunos a compreenderem que eles não são simplesmente o “resultado” do que receberam (ou deixaram de receber) de seus pais/responsáveis ou do meio em que foram criados, mas que eles têm dentro de si a liberdade de escolher o que fazer com aquilo que receberam, abrindo-se para um futuro melhor, mais digno, mais humano e mais libertador do que o momento presente.
            Professor: educador, aquele que dialoga com a consciência e com o coração de seus alunos, convidando-os a explorarem o potencial da própria inteligência intelectual e emocional, ajudando-os a se perceberem no seu valor como pessoas humanas, independente da sua capacidade de “produção” e de obtenção de “resultados” naquilo que são chamados a fazer, principalmente diante das pressões e cobranças de uma sociedade competitiva, individualista e consumista como a nossa.   
            Professor: na maior parte das vezes, mal remunerado na sua função, consequência de um País cujo sistema político propositalmente trata com descaso a Educação porque sabe que se ela for de qualidade, impedirá que pessoas corruptas cheguem ou continuem a se manter no poder; alguém que tenta se fazer ouvir numa classe abarrotada de alunos – no caso das escolas públicas/municipais – porque o Estado/Prefeitura, endividado(a) graças a inúmeros desvios, precisa “fechar a torneira” dos gastos públicos, e o faz diminuindo o número de salas de aula e dispensando professores.   
            Numa época onde a escolha de profissões se dá, na maioria das vezes, segundo o critério financeiro (salário), escolher ser professor é algo que só pode ser entendido como vocação, como resposta a um chamado a ser uma pessoa que acredita no valor de uma semente, que entende que o sentido da vida e a realização profissional não estão nos frutos que se colhe a cada dia, mas nas sementes que se lança com suor e lágrimas no cotidiano de uma sala de aula.
            Numa época de inversão de valores como a nossa, ser professor é teimar em acender uma luz no coração de uma sociedade que se acostuma cada vez mais a viver no escuro da ignorância, da superficialidade, do conhecimento raso, do excesso de informações e do vazio de profundidade, uma sociedade onde a busca da verdade que liberta foi substituída pela satisfação egoísta do próprio bem estar, uma satisfação que aprisiona a pessoa na mentira, chegando muitas vezes a causar mal aos outros.
            Numa época onde inúmeras pessoas se sentem sem vida, sem alegria e sem esperança, como os ossos secos na visão do profeta Ezequiel (cf. Ez 37,1-14), nós, Igreja Católica, desejamos que você, caríssimo professor, seja uma pessoa revestida pelo Espírito Santo, para que continue a pronunciar a sua incansável palavra de educação, de conhecimento, de conscientização e de libertação, para que seus alunos possam renascer a partir de dentro, possam deixar vir para fora o melhor que cada um deles tem guardado dentro de si como seres humanos, e assim teremos um futuro e uma esperança para as famílias, para as cidades e para o País.

            Nossa gratidão e admiração pelo serviço que cada um de vocês, professores, tem prestado à humanidade! Deus os abençoe!    

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

PREPARE SUA ROUPA DE FESTA!

Missa do 28º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 25,6-10a.; Filipenses 4,12-14.19-20; Mateus 22,1-14.

            Para falar do propósito de Deus em salvar a humanidade, a Sagrada Escritura escolheu usar a imagem da festa: um grande banquete, no qual se oferecem comidas e bebidas deliciosas e em abundância. Um detalhe importante: este banquete é oferecido a todos os povos, o que significa dizer que a salvação de Deus não está restrita a uma igreja ou a uma religião. Toda igreja e toda religião devem estar a serviço do propósito de Deus em salvar o ser humano, exatamente como os servos na parábola do Evangelho, responsáveis por convidar as pessoas para a festa de casamento do filho do rei.
            A imagem do banquete ou da festa fala, em primeiro lugar, da gratuidade da salvação: da mesma forma que para essa festa ou esse banquete não há ingresso, não há dinheiro a ser pago, Deus oferece Sua salvação como puro dom ao ser humano. Mas aqui acontece algo estranho, retratado por Jesus no Evangelho: muitas pessoas rejeitam o convite para a festa, porque estão ocupadas com suas próprias coisas. São pessoas que alegam não ter tempo para Deus. Elas precisam trabalhar para ganhar dinheiro; precisam estudar para alcançar suas metas profissionais; o tempo delas está totalmente ocupado e preenchido com sua mais nova aquisição – seu mais novo carro, sua mais nova casa, seu mais novo celular ou computador, sua mais nova TV, seu mais novo “brinquedo”...
            Mas a imagem do banquete ou da festa fala também da alegria. A salvação é descrita na Sagrada Escritura como sinônimo de festa, de alegria e de abundância. E aqui nós, Igreja, temos que reconhecer que muitas vezes colaboramos para as pessoas não irem às nossas “festas”, isto é, às nossas celebrações e outras atividades pastorais, pois elas são, via de regra, chatas, enfadonhas, cansativas, marcadas pela mesmice, desprovidas de alegria, de gratuidade e de criatividade. Além disso, são celebrações ou atividades pastorais conduzidas algumas vezes por uma pessoa cansada, triste, desanimada ou até mesmo mal-humorada.
            Muitos reagirão a isso dizendo que a Igreja não é um circo, um lugar para show, e que muitas pessoas hoje estão atrás de espetáculo, de eventos que lhes causem emoção. Embora isso tenha um fundo de verdade, precisamos ter a coragem de reconhecer que muitos ministros de Deus e agentes de pastoral hoje servem a Deus como se fossem “coveiros” (peço perdão aos coveiros, por mencioná-los aqui no sentido negativo); são pessoas incapazes de suscitar alegria e esperança naqueles que as escutam falar sobre Deus, justamente o contrário do que fez o profeta Isaías, quando anunciou Deus como Aquele que é capaz de eliminar a morte e enxugar a lágrima de todas as faces – de todas, não apenas de algumas – o Deus em quem vale a pena esperar: “Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvo” (Is 26,9).
            Retornando ao Evangelho, Jesus nos ensina que, embora muitas pessoas escolham ignorar Deus no Seu propósito de lhes oferecer a alegria da salvação, Ele continuará a fazer essa mesma oferta a todo e qualquer ser humano: “A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela. Portanto, ide até as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mt 22,8-9). É assim que Deus quer a nossa Igreja, uma “Igreja em saída”, cujos ministros e agentes de pastoral não permaneçam fechados na sacristia ou em suas casas, mas saiam e se dirijam às periferias existenciais, como nos pede o Papa Francisco: “Saiamos, saiamos para levar a todos a vida de Jesus Cristo! (...) Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida” (A alegria do Evangelho, n.49).  
            Segundo a parábola contada por Jesus, a “insistência” de Deus em oferecer a salvação a todo ser humano deu certo: “a sala da festa ficou cheia de convidados” (Mt 22,10). Porém, “quando o rei entrou para ver os convidados, observou ali um homem que não estava usando traje de festa” (Mt 22,11). Para entendermos o significado deste “traje de festa”, precisamos recorrer ao livro do Apocalipse: trata-se do comportamento justo da pessoa que professa a sua fé em Deus e em seu Filho Jesus Cristo (cf. Ap 19,8). Dizendo de outro modo, embora a salvação seja gratuita e destinada a todas as pessoas, todo aquele que se recusa a praticar a justiça – todo aquele que não se preocupa em se tornar uma pessoa justa – se exclui da presença de Deus. De fato, a Sagrada Escritura deixa claro o quanto Deus aprecia o comportamento justo: “Deus não faz diferença entre as pessoas. Pelo contrário, em qualquer nação, quem o respeita e pratica a justiça lhe é agradável” (At 10,34-35).
            Esta cena trágica no final do Evangelho – um homem sendo retirado da sala da festa e jogado fora, na escuridão (cf. v.13), nos assusta. Tal atitude de Deus – representado pelo rei na parábola – parece contradizer todo o Seu esforço em fazer com que a sala ficasse cheia de convidados. Parece não fazer sentido Deus colocar em ação o Seu grande desejo de que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), e depois excluir da salvação uma pessoa, ainda mais por um motivo aparentemente banal, como a roupa inadequada. Mas essa aparente contradição é proposital: para nós, que hoje ouvimos essa parábola contada por Jesus, precisa ficar claro o quanto nós podemos chegar ao absurdo de nos excluir da salvação, pelo fato de querermos, sim, participar do banquete no Reino de Deus, desde que não tenhamos que nos esforçar minimamente em ajustar a nossa vida à justiça e à santidade do nosso Deus.
            Por mais que a Sagrada Escritura afirme que nós somos salvos por pura graça de Deus (cf. Ef 2,5.8), a salvação não é algo que acontece “passivamente” na nossa vida, à revelia da nossa vontade, sem a nossa colaboração, sem a nossa aceitação, sem o envolvimento da nossa consciência e do nosso coração. Já dizia Santo Agostinho: “Deus, que te criou sem ti, não te salva sem ti”. Aquele que preparou uma grande festa, um grande banquete no seu Reino para todos os povos, é o mesmo Deus que conhece o homem por dentro e que determinou que nada de impuro entrará no Seu Reino (cf. Ap 21,27). Deixemos, portanto, nos revestir da justiça e da santidade do nosso Deus, procurando ajustar o nosso comportamento ao que o Seu Filho nos ensina diariamente no Evangelho.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

UNS SE PERMITEM SER CUIDADOS POR DEUS; OUTROS SE PERMITEM SER PISOTEADOS PELO MALIGNO

Missa do 27º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 21,33-43.

Tanto o texto do profeta Isaías quanto o do Evangelho que acabamos de ouvir comparam o ser humano a uma vinha, ou seja, uma plantação de uva. Desde o momento da concepção, essa “plantação” foi cuidada, adubada, regada, protegida por Deus. Tudo foi pensado e preparado pelo Criador para que o ser humano fosse fecundo e desenvolvesse toda a sua capacidade de se tornar uma pessoa correta, justa, bondosa, solidária e pacífica. Mas, eis a surpresa: o ser humano – sobretudo o homem atual – decidiu romper com Deus, não admitindo depender d’Ele, não aceitando mais ser cuidado, cultivado, muito menos podado nos seus desejos egoístas e corrigido por Deus na sua Palavra. E o que Deus decidiu fazer? Ele decidiu respeitar a liberdade de cada pessoa: “Então eu os entreguei à teimosia do seu coração. Que sigam seus próprios caprichos!” (Sl 81,13).
Olhemos para essa grande vinha de Deus, que é a humanidade.  O que vemos nela? Pessoas “pisoteadas” pelo mal, vidas arruinadas pelas drogas (incluindo o cigarro e a bebida alcoólica), famílias desestruturadas, seja pela fragilidade do vínculo conjugal, seja pela exposição constante às injustiças sociais como a violência, a pobreza, as dívidas, o desemprego ou o subemprego... Além disso, algumas pessoas se tornaram vinhas pisoteadas por “animais selvagens”, seja por causa do individualismo dos cristãos dos tempos atuais, seja por causa das autoridades que desviam os recursos públicos para suas contas particulares, não “sobrando” dinheiro para investir na saúde, na educação e na segurança da vinha.
Mas existe ainda uma situação particular: pessoas que, como já foi lembrado acima, expulsaram de suas próprias vinhas o Agricultor (Deus), por não aceitarem ser cuidadas, podadas, cultivadas pela Palavra de Deus. Deus poderia curá-las, mas elas dizem: “Nós não estamos doentes!”. Deus poderia libertá-las dos seus enganos, mas elas dizem: “Nós temos nossa própria verdade!”. Deus poderia protegê-las dos animais selvagens, mas elas decidiram adotar esses animais como seus “bichos de estimação”. São pessoas que dizem acreditar em Deus, mas não admitem ser corrigidas ou orientadas pela sua Palavra. E com isso, elas se tornaram vinhas infestadas pelo mato, pelas pragas e pelas doenças (comportamentos doentios).
Como está sua vinha? Como está a vinha que você é? Existe cerca em volta dela? Você se deixa cuidar por Deus? Você faz da obediência à palavra de Deus a sua proteção contra a inversão de valores que atualmente devasta a vida de inúmeras pessoas? Você se permite ser podado por Deus nos seus desejos egoístas? Você aceita quando a palavra de Deus lhe diz ‘não’, um ‘não’ que atinge em cheio a maneira como você lida com a sua afetividade, a sua sexualidade, a forma como você lida com o dinheiro e a forma como você trata as pessoas no dia a dia? Você ainda teme e procura se proteger contra os animais selvagens, isto é, os contra-valores do mundo atual, ou você já os adotou como seus bichos de estimação? Você se incomoda ao ver tantos ramos da sua vinha enfraquecidos, com quase nenhum fruto ou com frutos doentes, estragados? Você reconhece a sua parcela de responsabilidade na devastação da sua vinha, ou simplesmente tem acusado Deus de ter abandonado a vinha que você é?
Eis a oração do salmista: “Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai. Visitai a vossa vinha e protegei-a! (...) Convertei-nos, ó Senhor Deus do universo, e sobre nós iluminai a vossa face! Se voltardes para nós, seremos salvos!” (Sl 80,8.20). A devastação de grande parte da natureza, a devastação de inúmeras famílias, a devastação da vida em sociedade, a devastação sempre mais crescente da consciência das novas gerações hoje não é fruto da indiferença de Deus para com a humanidade, mas fruto da obstinação do ser humano em não aceitar ser cuidado por Deus, a obstinação em não admitir que nenhuma igreja ou nenhuma religião lhe diga o que é certo e o que é errado, a obstinação em seguir cegamente os seus próprios caprichos. Essa obstinação tem feito estragos muito grandes na vida pessoal e social do ser humano, e o caminho é um só: conversão. Nós precisamos nos voltar para Deus e suplicar que Ele se volte para nós e nos dê a salvação. Nós precisamos suplicar que Deus não nos abandone a nós mesmos e à desorientação da nossa consciência e do nosso coração, tornados cegos pelo nosso egoísmo.    
Mesmo constatando a devastação dessa imensa vinha que é a humanidade, o aposto Paulo afirma que não podemos nos deixar contaminar pela tristeza, pelo abatimento ou pelo desânimo. Se há muitas coisas que nesse momento nos preocupam e angustiam, devemos apresentá-las a Deus em oração. Ele é o Pai de cada ser humano, mesmo daquele que não crê; Ele é o Agricultor de toda vinha, até mesmo daquela que Lhe rejeitou e O expulsou, não admitindo mais ser cuidada por Ele. Hoje nós clamamos ao Pai e Agricultor que derrame o seu Espírito sobre todo ser humano, sobre essa imensa vinha que é a humanidade, pois só o Espírito Santo pode convencer o mundo a respeito do pecado (cf. Jo 16,8), ou seja, pode convencer cada pessoa a se dar conta do caminho de autodestruição que está trilhando e desejar ter novamente sua cerca reerguida, seu mato podado, sua praga exterminada, sua doença curada e sua fecundidade restabelecida.
Por fim, nos orienta ainda o apóstolo, que procuremos pautar a nossa vida pelos valores como verdade, justiça, honra, bondade, lealdade, coerência. Desse modo, não precisaremos ouvir o que os sacerdotes do tempo de Jesus tiveram que ouvir: “o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21,43). Entreguemos ao nosso Pai e Agricultor o jardim da nossa consciência e do nosso coração:
           Eu sou um jardim (Adriana)

Pe. Paulo Cezar Mazzi