sexta-feira, 30 de setembro de 2016

PARA VOCÊ, AINDA FAZ ALGUM SENTIDO CRER EM DEUS?

Missa do 27º. dom. comum. Palavra de Deus: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10.

            O Censo de 2010 apontou para uma realidade brasileira que não é diferente da realidade europeia, ainda que numa proporção (por enquanto) menor: a “religião” que mais cresce no Brasil é a dos “sem religião”; pessoas que não só decidiram se desligar de qualquer instituição religiosa, mas – sobretudo e cada vez mais – pessoas que decidiram se desligar de Deus. Veja que ironia! A palavra “religião” significa “religar”, e cada vez mais pessoas estão decidindo “se desligar” de Deus! Qual seria o motivo?
            O motivo parece estar nas perguntas que não encontram respostas; perguntas como estas, do profeta Habacuc: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: “Violência!”, sem me socorreres?” (Hab 1,2). Quem de nós já não questionou seriamente Deus em algum momento da vida? ‘Até quando, Senhor, iremos suplicar a Ti pela paz na Síria, mergulhada numa guerra civil que já dura cinco anos e que já matou mais de 300 mil pessoas, sendo muitas delas crianças?’ ‘O Senhor mesmo vê a maldade, a destruição!’ (cf. Hab 1,3). ‘O Senhor mesmo vê a ganância desmedida dos donos de Banco e dos grandes investidores, que não somente são poupados da crise em que vive o nosso país, mas que têm uma boa parcela de responsabilidade nela!’ ‘O Senhor mesmo vê a atuação dos traficantes, dos policiais e dos políticos envolvidos no mundo do crime!’ ‘O Senhor mesmo vê a atuação da indústria farmacêutica para dificultar ou mesmo impedir a cura de certas doenças!’ ‘O Senhor mesmo vê quantos homens corruptos continuam a ocupar cargos nas mais altas esferas do poder em nosso país!’
            ‘Por que o Teu silêncio, Senhor?! Por que a Tua indiferença para com a humanidade?!’ Esta era a dor e a raiva de Habacuc. Esta é a dor e a raiva de tantos que decidiram de desligar de Deus. Afinal, para quê continuar ligado a um Deus que não se manifesta perante a injustiça que causa tanto sofrimento aos Seus filhos, um Deus que permitiu que meu filho fosse morto por um motivo banal, ou que permitiu que a pessoa que eu mais amava morresse de câncer? Para quê continuar orando a um Deus que simplesmente parece ignorar a dor de grande parcela da humanidade, que permite que o mal se dissemine com uma força cada vez maior no mundo?...
            Diante da coragem de Habacuc em faz uma oração sincera e questionar Deus segundo a sinceridade do que ele estava sentido no momento, Deus lhe deu a seguinte resposta: “A visão refere-se a um prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4). ‘Você tem razão’, diz Deus; ‘Eu estou vendo o que você está vendo. Mas Eu não estou assistindo passivamente a tudo o que está acontecendo com a humanidade. Eu estou vendo além, e embora você não consiga enxergar, Eu lhe garanto uma coisa: tudo tende para um desfecho. Eu não enviei inutilmente meu Filho ao mundo, permitindo que ele sofresse o que sofreu e morresse como morreu. Eu conheço os propósitos que tenho a seu respeito e a respeito da humanidade: são propósitos de paz e não de desgraça, para dar a vocês um futuro e uma esperança (cf. Jr 29,11). Eu sei o que Eu estou fazendo. Eu sei não só o “por que” de cada coisa que acontece, mas também o “para que”. Sua fé em Mim precisa se desdobrar em esperança. Muitos deixaram e vão continuar deixando de esperar em Mim e por Mim. Mas toda pessoa que deixar de ser firme na sua fé, vai morrer, vai ser vencida por toda e qualquer dificuldade deste mundo, porque só há uma coisa capaz de vencer o mundo em que você se encontra: a fé (cf. 1Jo 5,4). Só vai sobreviver a todo esse caos de injustiça, de desigualdade, de dor e de sofrimento quem tiver fé’.     
            Diante dessa resposta de Deus, nós pedimos a mesma coisa que os discípulos pediram a Jesus: “Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5).  De fato, nós devemos pedir fé porque ela é um dom de Deus (cf. Jo 6,44). No entanto, a fé também é uma resposta nossa ao que Deus nos fala. “Foi pela fé que (Moisés) deixou o Egito, sem temer o furor do rei, e resistiu, como se visse o Invisível” (Hb 11,27). Ter fé significa que eu não vejo e não entendo para onde Deus está me guiando, mas eu amo e confio n’Aquele que está me guiando. “Eu não sei para onde a minha vida está indo, mas eu sei Quem a está conduzindo” (Santa Edith Stein). Eu não entendo o que está acontecendo comigo neste momento, mas eu confio que Deus tem um propósito para mim, ao permitir que eu passe pelo que estou passando agora.
            Na semana passada, o apóstolo Paulo nos fez este convite: “combate o bom combate da fé” (1Tm 6,12). Por que a fé é um combate? Por que o objetivo do mal que age no mundo não é tanto nos destruir fisicamente, quanto destruir a nossa fé. Por isso, quanto mais o mal cresce no mundo, mais nós precisamos reavivar o dom da fé que Deus nos deu, lembrando dessas palavras: “Guarde a sua fé, com a ajuda do Espírito Santo que habita em nós” (citação livre de 2Tm 1,14). De fato, Jesus nos deixou o Espírito Santo como Defensor da nossa fé.
            Estejamos atentos a este alerta de Jesus: a fé nunca pode se transformar num “dispor de Deus” em nosso favor. Assim como o servo não pode esperar que o seu senhor lhe dê algum presente só porque ele fez aquilo que era sua obrigação fazer, assim não podemos usar a nossa fé como uma forma de “pressionar”, “constranger” ou “chantagear” Deus para que satisfaça os nossos caprichos ou corresponda às nossas expectativas. A fé pura e madura é esta: eu sirvo a Deus porque creio no Seu propósito de continuar a salvar a humanidade e não porque espero que Ele me dê uma recompensa ou promoção – se for na vida presente, melhor ainda! – por tê-Lo servido com dedicação e fidelidade.

                                                                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

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