Missa do 28º. dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis
5,14-17; 2Timóteo 2,8-13; Lucas 17,11-19.
As
leituras que ouvimos nos colocam diante de dois leprosos agradecidos, porque
foram curados da sua doença. Naamã, o sírio, quer primeiramente agradecer ao
profeta Eliseu, que intermediou a sua cura: “Por favor, aceita um presente de
mim, teu servo” (2Rs 5,15). Mas Eliseu recusa o presente, porque quer que Naamã
reconheça o verdadeiro autor da sua cura: Deus. Assim, Naamã volta para o seu
país decidido a adorar ao único e verdadeiro Deus que o curou (cf. 2Rs 5,17).
No segundo caso, dez leprosos são curados por Jesus “enquanto caminhavam” (Lc 17,14).
“Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta
voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu” (Lc
17,15-16).
Diante
desses dois homens “agradecidos”, é bem provável que tomemos consciência do
quanto somos hoje uma geração pouco sensível à gratidão. Uma vez que a
sociedade de consumo nos leva sempre a olhar aquilo que ainda não temos, nós
raramente reconhecemos aquilo que temos e, por isso, raramente agradecemos.
Além disso, há uma exigência pelo “resultado”. Como nós ainda não atingimos a
meta, ainda não alcançamos o resultado que esperávamos, não vemos motivos para
agradecer pelo simples fato de estarmos caminhando, pelos passos já dados no
caminho em vista da nossa cura, da nossa libertação, da superação de um
determinado problema.
A
gratidão nasce do reconhecimento. Você só pode se tornar uma pessoa agradecida
na medida em que reconhece o caminho percorrido, o bem recebido, a graça
alcançada, mesmo que o caminho ainda não tenha terminado e a luta esteja em andamento.
O profeta Samuel teve essa sensibilidade; foi capaz desse reconhecimento
quando, depois de uma etapa vencida na batalha, colocou uma pedra no local em
que haviam superado aquele desafio, dizendo: “Até aqui o Senhor nos ajudou!”
(1Sm 7,12). Gratidão é isso: ‘Eu ainda não venci todas as batalhas, ainda não
cheguei ao final do caminho, ainda não fui curado de todas as minhas feridas,
mas eu reconheço e agradeço por aquilo que “até aqui” o Senhor fez por mim!’
Você
só se torna uma pessoa agradecida quando reconhece que a vida é muito mais
resultado da graça do que do mérito. Enquanto a graça faz você olhar para Deus,
o mérito faz você olhar para si. Enquanto a graça faz você tomar consciência de
que tudo o que você tem, você recebeu de Deus (cf. 1Cor 4,7), o mérito faz você
pensar que tudo o que você tem é mérito seu, conquista sua, e Deus não tem nada
a ver com isso. Portanto, você não Lhe deve nenhum agradecimento. Para evitar
esse engano, Moisés alertou o povo de Israel, antes entrar na Terra Prometida:
“Não aconteça que, havendo comido e estando saciado, (...) o teu coração se torne
soberbo e te esqueças do Senhor teu Deus... Não vás dizer ao teu coração: ‘Foi
a minha força e o poder das minhas mãos que me proporcionaram essas riquezas’.
Lembra-te do Senhor teu Deus, pois é ele quem te concede força para te
enriqueceres” (Dt 8,12.14.17-18). Portanto, este é o modo como a pessoa
agradecida enxerga a vida: não “Eu
superei tal obstáculo”, mas “Deus me fez
superá-lo, e por isso sou-Lhe agradecido(a)”; não “Eu me libertei de tal situação”, mas “Deus me libertou, e por isso sou-Lhe agradecido(a)”.
Essa
questão da gratidão, cada vez mais ausente em nós, precisa provocar um outro
questionamento: na base da minha fé em Deus está a Sua “utilidade” para mim, ou
nela está também a minha gratuidade para com Ele? Perguntando de outra maneira:
eu procuro Deus por quem Ele é ou por algo que eu necessito d’Ele? Da mesma
forma como todos nós nascemos necessitados de cuidados – e sem tais cuidados
não teríamos sobrevivido –, assim também a nossa relação com Deus sempre se
inicia com uma necessidade da nossa parte. Mas como é importante passarmos do
nível da necessidade, do interesse, para o nível da gratuidade, da adoração! Os
dez leprosos necessitavam de cura, e por isso procuraram Jesus, mas depois de
receberem tal cura, somente um voltou para agradecer; somente um demonstrou ter
uma fé capaz de ir além do interesse pessoal e imediato. Este homem compreendeu
que mais importante do que receber uma graça, é estar com Aquele que é fonte de
todas as graças; mais importante do que obter uma consolação de Deus, é buscar
viver na presença do Deus de toda a consolação.
Que a sua fé possa ir além da “utilidade” de
Deus para a sua vida (isto vale também para a maneira como você entende a
presença de tantas pessoas na sua vida). Que você se torne capaz de reconhecer
e agradecer a Deus (e quem sabe, a tantas pessoas) por tê-lo(a) ajudado “até
aqui”, ainda que exista um longo caminho a ser percorrido na direção da meta
que você almeja. Que você se torne capaz de agradecer a Deus não somente por
tudo o que Ele te entrega, mas também por tudo o que Ele te nega, pelo que você
riu até hoje e pelo que já lamentou, compreendendo que “indo e vindo, trevas e
luz, tudo é graça, Deus nos conduz!”
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