Missa do 27º. dom. comum. Palavra de Deus: Habacuc
1,2-3; 2,2-4; 2Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10.
O
Censo de 2010 apontou para uma realidade brasileira que não é diferente da
realidade europeia, ainda que numa proporção (por enquanto) menor: a “religião”
que mais cresce no Brasil é a dos “sem religião”; pessoas que não só decidiram se
desligar de qualquer instituição religiosa, mas – sobretudo e cada vez mais – pessoas
que decidiram se desligar de Deus. Veja que ironia! A palavra “religião”
significa “religar”, e cada vez mais pessoas estão decidindo “se desligar” de
Deus! Qual seria o motivo?
O motivo parece estar nas perguntas que não
encontram respostas; perguntas como estas, do profeta Habacuc: “Senhor, até
quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: “Violência!”,
sem me socorreres?” (Hab 1,2). Quem de nós já não questionou seriamente Deus em
algum momento da vida? ‘Até quando, Senhor, iremos suplicar a Ti pela paz na
Síria, mergulhada numa guerra civil que já dura cinco anos e que já matou mais
de 300 mil pessoas, sendo muitas delas crianças?’ ‘O Senhor mesmo vê a maldade,
a destruição!’ (cf. Hab 1,3). ‘O Senhor mesmo vê a ganância desmedida dos donos
de Banco e dos grandes investidores, que não somente são poupados da crise em
que vive o nosso país, mas que têm uma boa parcela de responsabilidade nela!’
‘O Senhor mesmo vê a atuação dos traficantes, dos policiais e dos políticos
envolvidos no mundo do crime!’ ‘O Senhor mesmo vê a atuação da indústria
farmacêutica para dificultar ou mesmo impedir a cura de certas doenças!’ ‘O
Senhor mesmo vê quantos homens corruptos continuam a ocupar cargos nas mais
altas esferas do poder em nosso país!’
‘Por
que o Teu silêncio, Senhor?! Por que
a Tua indiferença para com a
humanidade?!’ Esta era a dor e a raiva de Habacuc. Esta é a dor e a raiva de
tantos que decidiram de desligar de Deus. Afinal, para quê continuar ligado a
um Deus que não se manifesta perante a injustiça que causa tanto sofrimento aos
Seus filhos, um Deus que permitiu que meu filho fosse morto por um motivo
banal, ou que permitiu que a pessoa que eu mais amava morresse de câncer? Para
quê continuar orando a um Deus que simplesmente parece ignorar a dor de grande
parcela da humanidade, que permite que o mal se dissemine com uma força cada
vez maior no mundo?...
Diante
da coragem de Habacuc em faz uma oração sincera e questionar Deus segundo a
sinceridade do que ele estava sentido no momento, Deus lhe deu a seguinte
resposta: “A visão refere-se a um prazo definido, mas tende para um desfecho, e
não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem
não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4). ‘Você
tem razão’, diz Deus; ‘Eu estou vendo o que você está vendo. Mas Eu não estou
assistindo passivamente a tudo o que está acontecendo com a humanidade. Eu
estou vendo além, e embora você não
consiga enxergar, Eu lhe garanto uma coisa: tudo
tende para um desfecho. Eu não enviei inutilmente meu Filho ao mundo,
permitindo que ele sofresse o que sofreu e morresse como morreu. Eu conheço os propósitos que tenho a seu
respeito e a respeito da humanidade: são propósitos de paz e não de desgraça,
para dar a vocês um futuro e uma esperança (cf. Jr 29,11). Eu sei o que Eu
estou fazendo. Eu sei não só o “por que” de cada coisa que acontece, mas também
o “para que”. Sua fé em Mim precisa se
desdobrar em esperança. Muitos deixaram e vão continuar deixando de esperar
em Mim e por Mim. Mas toda pessoa que deixar de ser firme na sua fé, vai
morrer, vai ser vencida por toda e qualquer dificuldade deste mundo, porque só
há uma coisa capaz de vencer o mundo em que você se encontra: a fé (cf. 1Jo
5,4). Só vai sobreviver a todo esse caos de injustiça, de desigualdade, de dor
e de sofrimento quem tiver fé’.
Diante
dessa resposta de Deus, nós pedimos a mesma coisa que os discípulos pediram a
Jesus: “Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5). De
fato, nós devemos pedir fé porque ela
é um dom de Deus (cf. Jo 6,44). No entanto, a fé também é uma resposta nossa ao
que Deus nos fala. “Foi pela fé que (Moisés) deixou o Egito, sem temer o furor do
rei, e resistiu, como se visse o Invisível” (Hb 11,27). Ter fé significa que eu
não vejo e não entendo para onde Deus está me guiando, mas eu amo e confio
n’Aquele que está me guiando. “Eu não sei para
onde a minha vida está indo, mas eu sei Quem a está conduzindo” (Santa Edith
Stein). Eu não entendo o que está acontecendo comigo neste
momento, mas eu confio que Deus tem um propósito para mim, ao permitir que eu
passe pelo que estou passando agora.
Na
semana passada, o apóstolo Paulo nos fez este convite: “combate o bom combate
da fé” (1Tm 6,12). Por que a fé é um
combate? Por que o objetivo do mal que age no mundo não é tanto nos
destruir fisicamente, quanto destruir a nossa fé. Por isso, quanto mais o mal
cresce no mundo, mais nós precisamos reavivar o dom da fé que Deus nos deu,
lembrando dessas palavras: “Guarde a sua fé, com a ajuda do Espírito Santo que
habita em nós” (citação livre de 2Tm 1,14). De fato, Jesus nos deixou o
Espírito Santo como Defensor da nossa fé.
Estejamos
atentos a este alerta de Jesus: a fé nunca pode se transformar num “dispor de
Deus” em nosso favor. Assim como o servo não pode esperar que o seu senhor lhe dê
algum presente só porque ele fez aquilo que era sua obrigação fazer, assim não
podemos usar a nossa fé como uma forma de “pressionar”, “constranger” ou
“chantagear” Deus para que satisfaça os nossos caprichos ou corresponda às
nossas expectativas. A fé pura e madura é esta: eu sirvo a Deus porque creio
no Seu propósito de continuar a salvar a humanidade e não porque espero que Ele
me dê uma recompensa ou promoção – se for na vida presente, melhor ainda! – por
tê-Lo servido com dedicação e fidelidade.