quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

PASSADO, PRESENTE E FUTURO: A QUEM CONFIÁ-LOS?

Missa da Santa Mãe de Deus, Maria. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.

            “O meu passado, Senhor, à Tua Misericórdia. O meu presente, ao Teu amor. O meu futuro, à Tua Providência” (São Padre Pio). A passagem de ano nos recorda que a nossa existência terrena é feita de passado, presente e futuro, e esta oração de São Padre Pio nos convida a entregar nosso passado, que não mais pode ser mudado, à Misericórdia de Deus; o nosso presente, com a sua possibilidade de escolhas e seus desafios, ao Amor de Deus; e o nosso futuro, com suas preocupações e incertezas, à Providência de Deus.
            Na verdade, na história de vida de cada um de nós há um passado que precisa ser aceito, um presente que precisa ser acolhido e um futuro que precisa ser confiado. Ao entrarmos no Ano Novo, é importante fazer um trabalho interior de reconciliação com o nosso passado, acolher o presente como a preciosa oportunidade que a vida nos dá, seja para confirmar o que vínhamos fazendo bem, seja para corrigir onde estávamos errando, e, enfim, confiar o nosso futuro às mãos do Pai que conhece as nossas reais necessidades e quer estender o Seu cuidado sobre nós.
            Todos nós acolhemos o Novo Ano com um desejo de paz: paz nas famílias, nas escolas, nos locais de trabalho; paz nas ruas, nas estradas, no trânsito; paz entre os países, as religiões, os povos. Ao mesmo tempo, porém, em que desejamos a paz, precisamos lembrar que ela depende da justiça: “O fruto da justiça será a paz” (Is 32,17). Ela deve ser promovida por meio de nossas atitudes diárias: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Ela só pode ser experimentada na medida em que voltamos o nosso coração para Deus (cf. Sl 85,9) e para os irmãos.
            Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco nos convida a tomar cuidado com o mal da indiferença: indiferença para com o próprio Deus, para com os outros e para com o nosso planeta, a nossa “casa comum”. Como diz a música “Sal da Terra” (Beto Guedes), “Anda! Quero te dizer nenhum segredo. Falo desse chão da nossa casa; vem, que tá na hora de arrumar... Vamos precisar de todo mundo pra banir do mundo a opressão. Para construir a vida nova, vamos precisar de muito amor... Vamos precisar de todo mundo: um mais um é sempre mais que dois. Pra melhor juntar as nossas forças, é só repartir melhor o pão”.
            Neste Ano da Misericórdia, Francisco nos faz três apelos: que não estimulemos a violência entre as pessoas; que perdoemos as dívidas (inclusive financeiras); por fim, que cooperemos uns com os outros. Onde a indiferença tem criado um abismo entre as pessoas, que nós possamos construir a ponte da misericórdia, para reaproximar as pessoas umas das outras. Como disse Martin Luther King, “Temos de aprender a viver todos como irmãos ou morreremos todos como loucos”.
            Não sabemos o que a vida nos reservará ao longo do Novo Ano, nem quais desafios teremos, nem mesmo quais problemas enfrentaremos. No entanto, uma atitude é importante: aprender com Maria a guardar e meditar os acontecimentos no coração (cf. Lc 2,19). É ali, na escuta de Deus em nosso coração, que podemos compreender que em cada acontecimento que nos atinge há um “para que”, uma finalidade. É na presença de Deus que nos damos conta de que podemos ir além da mera reação diante daquilo que nos acontece; podemos tomar atitudes, uma vez que nós nem sempre somos responsáveis por aquilo que nos acontece, mas somos sempre responsáveis pela forma como lidamos com isso. O nosso coração, portanto, é o lugar certo para que tomemos a decisão mais conveniente, a fim de que determinado acontecimento se torne para nós ocasião de crescimento, de amadurecimento e de santificação. 
            Que a voz do Espírito Santo – “Abá – ó Pai!” (Gl 4,6) – nos dê a certeza de que não somos e nem estamos órfãos neste mundo, não somos filhos do acaso, mas temos um Pai que cuida de cada mínimo detalhe da nossa existência. Que Maria nos ensine a viver na perfeita obediência à voz do Pai, e que nos tornemos, como ela, portadores da misericórdia do Pai para as pessoas que cruzarem o nosso caminho ao longo deste novo ano. 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

sábado, 26 de dezembro de 2015

CUIDAR DAS RAÍZES

Missa da Sagrada Família. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Lucas 2,41-52.
           
            Todos nós nascemos como uma planta, que aos poucos cresce e se torna uma árvore. Ao longo da existência, esta árvore expande seus galhos e oferece suas folhas como sombra e seus frutos como alimento. Quem se admira com a beleza da árvore e se beneficia da sombra e/ou dos frutos dela, normalmente não se lembra de considerar a importância das suas raízes. Mas são elas que mantêm a árvore em pé e lhe fornecem a seiva da vida. Nesta missa da Sagrada Família, nós olhamos para as nossas raízes: nossa família. Dessas raízes depende a saúde da árvore, a sua fecundidade, a sua resistência, a sua capacidade de não tombar facilmente diante dos ventos contrários.   
            Quando as raízes são atacadas, a árvore começa a adoecer, a definhar, a produzir poucos frutos – quando não, a produzir frutos doentes, “estragados”. Segundo a psicóloga Rosely Sayão*, a sociedade atual perturba a família ao priorizar o dinheiro e o consumismo: pai e mãe estão cada vez mais tempo fora de casa, trabalhando para ganharem dinheiro. Além disso, eles são seduzidos pela propaganda do “eternamente jovem”, adotando um estilo de vida que dá pouco espaço para os compromissos que o vínculo conjugal e familiar exige. Por fim, ao entender a felicidade como satisfação imediata, os pais trocam sucessivamente de relacionamentos amorosos.   
            Nos últimos anos, algumas pessoas que pensam a Educação no país (Governo) resolveram eleger a família como o maior inimigo dos filhos. Para essas pessoas, os pais são uma presença nociva para os filhos. Quanto mais cedo retirar os filhos dos pais, melhor. Então, a educação deve ser função da escola, uma escola que, por meio da ideologia de gênero, não veja o menino como menino, nem a menina como menina, mas ambos como pessoas que vão definir sua identidade sexual a partir de experiências com ambos os sexos. Contraditoriamente, o mesmo Governo que incentiva a ideologia de gênero adota, na campanha contra o câncer de mama e de próstata, slogans como “outubro rosa” e “novembro azul”.   
            Sim. Alguns pais são, de fato, uma presença nociva para os filhos, como, por exemplo, a mãe que não só apoia, mas incentiva o filho a agredir a professora. Um dos problemas da geração atual é a falta de modelos. Os modelos de muitas crianças e adolescentes não são os pais – muitos deles dependentes químicos –, mas o traficante, o criminoso, o vizinho da esquina que, como empresário, político, juiz ou policial corrupto, se enriqueceu rapidamente.     
            Da mesma forma como não se salva uma árvore cortando suas raízes, mas medicando-as, assim também não se salva uma sociedade desintegrando as famílias, mas diagnosticando seus males e tratando suas feridas. Para o autor do Eclesiástico, o remédio para recuperar a saúde das raízes consiste em que os pais aceitem viver sob a autoridade de Deus. Desse modo, o próprio Deus confirmará a autoridade deles sobre os filhos. Que os pais se façam respeitar pelos filhos, sendo coerentes, isto é, sustentando com atitudes o que dizem com as palavras. Que os filhos sejam ensinados a amparar os que estão na velhice. Neste caso, podemos nos perguntar: qual é o vínculo hoje entre netos e avós? Quantos filhos, já adultos, colocaram seus pais num asilo e não os visitam mais, e, quando morrem, aparecem rapidamente para se apropriarem de algum bem material, como se fossem abutres?   
            O apóstolo Paulo nos fala de alguns remédios capazes de restabelecer a saúde emocional das famílias: misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência e, sobretudo, a capacidade de suportar o outro. O Evangelho, por sua vez, nos lembra que as perdas e os desencontros podem acontecer em qualquer família, inclusive naquelas que praticam uma religião. Deus não é antídoto contra dor, mas força para enfrentá-la. Enquanto Jesus ficou em Jerusalém, o pai achou que ele estava com a mãe, e a mãe, que estava com o pai. Quando o pai acha que cabe à mãe cuidar/educar o filho, e a mãe acha que isso é responsabilidade do pai, o filho acaba jogado de um lado para outro e não é cuidado/educado por ninguém.
            Jesus era obediente a Maria e a José. Por isso, crescia em sabedoria, estatura e graça. Crescimento supõe poda. Não se cresce de qualquer jeito, fazendo só o que dá vontade. O desafio dos pais é incentivar o crescimento dos filhos e realizar as podas necessárias para que o crescimento seja integral; não só físico, mas emocional e espiritual; não só capazes de compreender as ciências humanas, mas de compreender a si mesmos; não só preocupados com seu próprio bem, mas, sobretudo, com o bem do mundo ao seu redor.

*Rosely Sayão, Famílias em transformação, Folha de São Paulo, 29/09/2015.
                                                                                                                                                            Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

ISTO É NATAL: DESCER MISERICORDIOSAMENTE ONDE ALGUÉM CAIU MISERAVELMENTE

Missa do Natal. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14.

“O ser humano caiu, mas Deus desceu. O ser humano caiu miseravelmente, mas Deus desceu misericordiosamente. O ser humano caiu por orgulho, mas Deus desceu com a sua graça”. Essas palavras de Santo Agostinho nos ajudam a nos recuperar o sentido do Natal, o sentido do nascimento de Jesus Cristo como Salvador de todo ser humano, o sentido da Encarnação.
Encarnação: Jesus Cristo, o Filho de Deus, que existia na condição divina, abriu mão dessa condição e se fez carne (pessoa humana), para salvar todo ser humano (cf. Fl 2,6-7; Tt 2,11). Jesus, o Verbo de Deus, se fez carne (pessoa humana), porque a cura, a libertação e a salvação só acontecem quando Deus entra em comunhão com aquilo que nos adoece, nos aprisiona e nos destrói. Celebrar o nascimento do Filho de Deus na carne significa reconhecer, então, que não existe salvação sem encarnação: você só pode ajudar a “curar” a ferida de alguém depois que entrou em comunhão com a dor dessa pessoa; você só pode ajudar a “libertar” alguém depois que fez a experiência de estar preso com ele; você só pode ajudar a “salvar” uma pessoa depois de ter sentido em si mesmo a destruição que se abate sobre ela.
Se o Natal nos lembra que a salvação se dá na encarnação, nós somos desafiados a realizar o difícil diálogo de aceitação e de reconciliação com a nossa carne. O que é a nossa carne? Ela é não somente, mas também, aquilo que não gostamos em nós e nos outros: fraqueza, limite, imperfeição, processo, demora, necessidade de amadurecimento, contradição, ambiguidade, mortalidade, pecado. Este foi o caminho que Deus escolheu para vir até nós e nos salvar: comungar da nossa realidade humana, ou seja, usar de misericórdia para conosco comungando da miséria que cada um de nós carrega consigo.
            Este Natal está sendo celebrado dentro do Ano da Misericórdia. Por isso, recordamos as palavras do Papa Francisco, ao afirmar que “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai... Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a misericórdia de Deus”. O próprio Jesus nos convidou a sermos misericordiosos como o nosso Pai celeste é misericordioso (cf. Lc 6,36). Ser uma pessoa misericordiosa significa não se fechar na indiferença diante da dor do seu semelhante. Isso significa que não podemos nos esconder daquele que é a nossa carne (cf. Is 58,7), daquele que é um ser humano como nós.
            Quem se afasta da dor humana, quem se fecha no individualismo e na indiferença para com os outros, quem se mantém distante daquele que é sua carne – seu parente, seu amigo, seu colega de trabalho, seu irmão de igreja, seu conhecido ou um simples ser humano – ainda não acolheu o mistério do Natal, ainda não entendeu o desejo do Filho de Deus de comungar com a realidade humana para poder redimi-la, ainda não se assemelhou ao Pai misericordioso, ainda não quis refletir sobre esta verdade: “Se Deus é nosso Pai, quem é que não é nosso irmão?” (Cantores de Deus).    
Recordemos mais uma vez. O Natal é isso: “O ser humano caiu, mas Deus desceu. O ser humano caiu miseravelmente, mas Deus desceu misericordiosamente”. Onde há um ser humano caído, nós precisamos descer. Onde há uma pessoa caída na sua miséria ou derrubada / reduzida à miséria por causa da miséria da ambição do coração humano, precisamos descer com a nossa misericórdia.
Porque o nosso sistema político está caído na miséria da corrupção, alimentada pela impunidade, ele gera miséria na economia e derruba muitos na miséria do desemprego, da violência, da dependência química, da desestruturação familiar etc. Além disso, olhando além das fronteiras do nosso país, lembramos aqueles que estão diariamente sendo derrubados na miséria da migração forçada, fruto da miséria da guerra ou da perseguição religiosa. Messias só existe um; só um é o Salvador do mundo: Jesus Cristo, mas nós somos discípulos d’Ele. Reaprendamos com Ele a não nos esconder daqueles que estão à nossa volta e que são a nossa carne, pessoas humanas como nós. Com Jesus, desçamos misericordiosamente até aqueles que estão caídos miseravelmente perto de nós. Então todos reconhecerão de fato que Jesus se encarnou para ser o rosto misericordioso do Pai entre os homens.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

VISITA-ME, SENHOR, COM A TUA SALVAÇÃO!

Missa do 4o. dom. do Advento. Palavra de Deus: Miqueias 5,1-4a; Hebreus 10,5-10; Lucas 1,39-45.

A cena do Evangelho que acabamos de ouvir é chamada de “visitação” de Maria a Isabel. Quando foi a última vez que você recebeu uma visita? O que essa visita fez você sentir? Quando foi a última vez que você visitou alguém?
O individualismo tem nos fechado cada vez mais em nossa casa e nos isolado das pessoas, dificultando a possibilidade das visitas. Nós não apenas não encontramos tempo para visitar pessoas, como também nos incomodamos com o fato de que alguém venha nos visitar e atrapalhar os nossos afazeres. No entanto, a Sagrada Escritura nos fala de Deus como Aquele que nos visita...
Para falar da cura da esterilidade de Sara, mulher de Abraão, a Escritura diz que “o Senhor visitou Sara, como dissera, e fez por ela como prometera. Sara concebeu e deu à luz um filho...” (Gn 21,1-2). Para anunciar o nascimento de Jesus, nosso Salvador, Zacarias disse: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu seu povo... Graças ao misericordioso coração de Deus, o sol nascente nos veio visitar, para iluminar os que se encontram nas trevas e na sombra da morte estão sentados” (Lc 1,68.78-79). Depois que Jesus ressuscitou o filho da viúva de Naim, o povo louvou a Deus reconhecendo: “Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16).
Você tem permitido que Deus visite sua casa, sua vida, sua consciência, seu coração? Você tem acolhido as visitas de Deus? Jesus chorou sobre Jerusalém, lamentando o seu fechamento à salvação, com essas palavras: “(...) não reconheceste o tempo em que foste visitada!” (Lc 19,44). Você reconhece, nas diversas situações da vida, o tempo em que Deus te visita? No Salmo 106,4 o salmista pede: “Lembra-te de mim, Senhor, (...) visita-me com a tua salvação”. Você deseja a visita de Deus?      
Talvez nós não desejemos a visita de Deus, porque ela também significa o momento em que temos que nos encontrar com a nossa verdade. De fato, a Escritura também fala da visita de Deus como o momento em que Ele faz justiça, elimina a mentira e faz prevalecer a verdade: “No dia da minha visita, eu punirei o pecado deles” (Ex 32,34). Sim. A visita de Deus também significa o fim da injustiça, da impunidade, o acerto de contas do ser humano com a sua consciência, a hora de Deus retribuir a cada um de acordo com a sua conduta. Mesmo assim, nós precisamos dessa visita. Por isso, clamamos como o salmista: “Despertai vosso poder, ó nosso Deus, e vinde logo nos trazer a salvação! (...) Visitai a vossa vinha e protegei-a!” (Sl 80,3.15).
A visita de Maria fez com que a criança pulasse de alegria no ventre de Isabel e ela ficasse cheia do Espírito Santo (cf. Lc 1,41). Olhe para o “ventre” da sua casa, para o âmago da sua família. O que existe ali: vida/alegria ou morte/tristeza? Maria e Isabel eram primas; a primeira era jovem, e a segunda, idosa. O Evangelho está nos desafiando a visitar nossos familiares, a romper o silêncio, a diminuir a distância, a derrubar o muro de separação, a passar por cima do nosso orgulho, a diluir o nosso ressentimento, a vivermos a experiência do milagre da reconciliação. Há quanto tempo você não visita seus familiares (pais, irmãos, sogros, tios, avós, primos etc.)? Uma visita parece quase nada, mas ela pode devolver vida e alegria a uma casa, ao coração de uma pessoa!   
            O Natal se aproxima. Todos nós desejamos ser visitados por Deus! Todos nós precisamos nos encontrar com Aquele que pode devolver a paz às nossas famílias, ao nosso local de trabalho, às nossas cidades, ao nosso mundo. Mas, para isso, não podemos ignorar o tempo em que Ele nos visita, assim como não podemos nos fechar em nosso ressentimento, decidindo não mais visitar esta ou aquela pessoa da nossa família.
            Uma casa está precisando da sua visita. Uma pessoa está precisando de uma palavra sua, de um abraço seu. Neste sentido, se você quiser fazer como Jesus ensina no Evangelho (cf. Lc 14,12-14), dê um passo a mais e visite alguém que não pode retribuir a sua visita, alguém que está injustiçado, que se sente esquecido e abandonado pelos outros, alguém que está na solidão, ou doente, ou desempregado, ou de luto... Sua visita a essa pessoa pode ser para ela a experiência de ter sido visitada pela misericórdia do próprio Deus e voltar a sentir alegria em seu coração.  
            Oração: “Lembra-te de mim, Senhor, (...) visita-me com a tua salvação” (Sl 106,4). Lembra-te desta pessoa por quem eu oro neste momento, Senhor; ela que se encontra necessitada, numa situação de sofrimento; visita-a com a tua salvação. Lembra-te dos imigrantes que estão sendo obrigados, a fugirem de seu país por causa da guerra ou da perseguição religiosa; visita-os com a tua salvação. Lembra-te da situação política e econômica do nosso país, Senhor, ferida gravemente pela corrupção; visita os nossos políticos com a tua verdade, a tua justiça e a tua salvação... Por Cristo, nosso Senhor. Amém! 

                                                    Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

FAZER, MAS TAMBÉM PERMITIR QUE DEUS FAÇA EM VOCÊ

Missa do 3º. dom. do advento. Palavra de Deus: Sofonias, 3,14-18a.; Filipenses, 4,4-7; Lucas 3,10-18.

O terceiro domingo do advento é um convite à alegria: “Canta de alegria... Alegra-te e exulta de todo o coração!” (Sf 3,14). “Com alegria, bebereis no manancial da salvação... Exultai cantando alegres” (Is 12,3.6). “Alegrai-vos sempre no Senhor... Alegrai-vos” (Fl 4,4). Quando foi a última vez que você se sentiu alegre ou experimentou alegria? O que te dá alegria? O que tira a sua alegria? Do que depende a sua alegria?
No sentido humano ou mundano, a alegria só é experimentada quando não há dor, perda, fracasso, problema, sofrimento ou dificuldade. Além disso, nós nos acostumamos a pensar que a alegria depende do sucesso, da vitória, de se ter conseguido aquilo que se queria. Mas, no sentido cristão, de fé, a alegria depende de uma única coisa: de saber que o Senhor, nosso Deus, está no meio de nós como Aquele que nos salva.
Quando o profeta Sofonias convidou Jerusalém a se alegrar, disse claramente o motivo dessa alegria: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti” (Sf 3,17). Em toda celebração eucarística, por duas vezes o sacerdote diz: ‘O Senhor esteja convosco!’ e nós respondemos: ‘Ele está no meio de nós!’. Então, aqui cabe perguntar: nós cremos verdadeiramente que o Senhor, nosso Deus, está no meio de nós? Onde e de que maneira percebemos a Sua presença?   
A presença de Deus junto ao seu povo, à sua Igreja, a cada um de nós, muitas vezes não é perceptível, seja porque nós estamos ‘distraídos’, mergulhados na luta pela sobrevivência, seja porque Deus é Deus, soberanamente livre, e é Ele quem decide quando, como e se é conveniente ou não fazer-Se sentir por nós. Portanto, dizer que ‘o Senhor, nosso Deus, está no meio de nós’ é muito mais uma convicção de fé do que uma experiência sensível da nossa parte.   
Convidando Jerusalém a recobrar a fé na presença de Deus no meio dela, o profeta Sofonias fez este apelo: “Não temas (...), não te deixes levar pelo desânimo!” (Sf 3,16). Motivos para desanimar certamente não nos faltam, mas não devemos nos deixar arrastar e enterrar pelo desânimo. Precisamos reagir ao medo e ao desânimo, recordando as palavras do salmista: “Alegre-se o coração dos que procuram o Senhor!” (Sl 105,3). A nossa procura diária por Deus na oração, na Palavra, na Eucaristia e nos acontecimentos deve, por si só, despertar em nós o sentimento de alegria. E, ainda que tenhamos necessidades que nos preocupem, devemos apresentá-las a Deus na oração, para que a Sua paz tranquilize nosso coração e nossa mente (cf. Fl 4,6-7).  
 Diante da proximidade da vinda de Jesus, o povo perguntava a João Batista: “Que devemos fazer?” (Lc 3,10). Atualizando a resposta de João, a melhor forma de nos preparar para acolher Jesus é: socorrer os necessitados, ser justo, não abusar do poder sobre os outros e não se corromper. O que cada um de nós deve fazer é ‘deixar Deus fazer’; colocar-se como barro nas mãos d’Ele, o nosso Oleiro, e permitir que Ele faça em nós o que deseja fazer. O que também cada um de nós deve fazer é deixar de fazer o mal a si mesmo, aos outros e ao planeta; deixar de alimentar rancor e distanciamento em relação a alguém da nossa família; deixar de procurar a alegria onde ela não pode ser encontrada: em nosso pecado pessoal e na injustiça social.
Desde quando assumiu seu serviço em favor da Igreja na condição de Papa, Francisco tem nos alertado sobre o perigo de termos uma cara de funeral: falamos do Deus vivo, mas O sentimos morto dentro de nós. Essa cara de funeral é consequência da perda da alegria interior, da perda do sentido do ministério, da perda do contato com a fonte interior e com a simplicidade de vida.
Se quisermos reencontrar a alegria, precisamos deixar de buscá-la por si mesma. Ela brota espontaneamente dentro de nós sempre que readequamos a nossa vida ao querer de Deus. Ela não depende dos resultados que alcançamos com o nosso trabalho, mas da consciência tranquila e agradecida de termos feito o que era o nosso dever e a nossa possibilidade fazer pelo bem da humanidade, pelo bem das pessoas à nossa volta. Então, deixe Deus fazer; deixe Deus devolver-lhe a verdadeira alegria; deixe Deus manifestar a alegria d’Ele na vida dos outros por meio de você.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 5 de dezembro de 2015

O CAMINHO ESTÁ DESOBSTRUÍDO?

Missa do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6.

Viver significa percorrer um caminho. Cada ser humano é chamado a fazer seu caminho de vida neste mundo. O próprio Jesus se definiu como Caminho, dizendo que fora d’Ele ninguém de nós chega ao Pai (cf. Jo 14,6). Portanto, a meta final do nosso caminho de vida é o Pai. Se o nosso caminhar neste mundo não nos levar a Deus, nós teremos desperdiçado nossas energias e tornado inútil o nosso caminhar. Por isso, enquanto caminhamos, precisamos nos perguntar: meu caminho de vida está me conduzindo para Deus? Eu estou seguindo meu próprio caminho, ou estou me deixando levar por caminhos que não têm nada a ver comigo, com os meus valores, com a minha fé?
João Batista recebeu de Deus a missão de ajudar a humanidade a preparar o caminho para receber Jesus pela primeira vez. Como o tempo do Advento não apenas prepara a comemoração desta primeira vinda, mas nos convida a estarmos preparados para a segunda vinda de Jesus, nós ouvimos hoje a voz de João Batista nos dizendo: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas” (Lc 3,4). Em que sentido devemos preparar o caminho para que Jesus tenha acesso a nós? O próprio João Batista explicou: é preciso que o vale seja aterrado, a montanha e a colina sejam rebaixadas, as passagens tortuosas sejam endireitadas e os caminhos acidentados sejam aplainados (cf. Lc 3,5).
Olhe para o caminho da sua existência neste mundo, para a estrada da sua vida. Deus tem tido acesso ao seu coração? É Deus que não tem vindo ao seu encontro, ou é você que O mantém distante, obstruindo o caminho para que Ele não chegue perto? João Batista fala de montanhas, colinas e vales. Montanhas e colinas são imagens do orgulho humano, mas também podem ser mágoas e ressentimentos que se acumularam dentro de nós. Os vales nos lembram que nós costumamos retirar mais do que colocamos, deixando que alguns buracos comecem a se abrir na estrada da nossa vida. Por sua vez, a tortuosidade pode significar uma consciência corrompida, não mais direita, enquanto que os caminhos acidentados são aqueles buracos que nós não nos demos ao trabalho de tapar.
Tanto as montanhas e colinas quanto os vales se formam ao longo dos anos em nossa vida. Não se trata de lamentar as irregularidades do nosso caminho de vida, mas de perceber o quanto fomos ou somos responsáveis por essas irregularidades. Certamente foram algumas das nossas atitudes que fizeram com que, ao longo do tempo, se levantassem montanhas e colinas, ou se abrissem vales profundos na estrada da nossa vida. A questão é: o que eu posso fazer para colocar em ordem o meu caminho de vida, para que o Senhor tenha acesso a mim e me traga a sua salvação? Que vales precisam ser aterrados e que montes e colinas precisam ser rebaixados em meu relacionamento, para que eu e a outra pessoa possamos nos reencontrar?
Ao afirmar que “todas as pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3,6), João Batista deixa claro que Deus quer manifestar a Sua misericórdia e a Sua justiça (cf. Br 5,9) a todo ser humano: a misericórdia, no sentido de socorrer, de comungar da dor, de se fazer presente junto a todo ser humano que sofre; a justiça, no sentido de corrigir, de acordar a consciência de quem tem praticado o mal e aberto feridas profundas na sociedade. Justamente porque somos filhos de Deus, a nossa presença junto às pessoas e no seio da sociedade humana deve ser uma presença que favoreça a misericórdia – sensibilidade para com a dor do outro – e a justiça – combater, o quanto depende de nós, toda forma de injustiça.
Quando Jerusalém estava caída, de luto e aflita, porque seus filhos haviam sido levados para o cativeiro da Babilônia, o profeta Baruc a convidou a levantar-se, a olhar para o oriente e a se alegrar, porque Deus estava devolvendo seus filhos, que haviam sido levados embora pelos inimigos (cf. Br 5,1.5.6). Hoje nós nos voltamos para o Senhor nosso Deus e suplicamos por todas as situações de luto e de aflição: a perseguição aos cristãos em alguns países do Oriente Médio, onde meninas são arrancadas de suas famílias e vendidas para a prostituição; a violência praticada, ora por policiais, ora por traficantes, contra adolescentes e jovens no Brasil; mas suplicamos, sobretudo, misericórdia e justiça ao Senhor por todo o caminho percorrido pela lama tóxica (62 milhões de metros cúbicos de rejeitos) que, por onde passa, deixa a morte atrás de si. Segundo biólogos que estão nas regiões atingidas, a vida nesses lugares demorará muito tempo para voltar a existir. Diante dessa tragédia, a Samarco, empresa responsável pelo desastre, desvia dinheiro de suas contas oficiais para não pagar indenizações, enquanto a presidente Dilma emite nota oficial afirmando que a tragédia foi um “desastre natural”. Que de Deus, e das pessoas decentes e conscientes, venha a misericórdia para com a vida, duramente golpeada por esta tragédia, e a justiça em relação aos verdadeiros responsáveis por ela.
Uma palavra nos anima no início desta segunda semana do advento: “Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra há de levá-la à perfeição até o dia (da vinda) de Cristo Jesus” (Fl 1,6). Confiemos no Pai, que ao enviar seu Filho ao mundo começou em nós a obra da salvação. Ele tem o poder de concluí-la. Nossas contradições humanas não têm força suficiente para anular o que o Pai tem feito em nós e por nós. Deixemo-nos salvar por Deus. Deixemo-nos abraçar por Sua misericórdia e santificar por Sua justiça. Deixemo-nos aperfeiçoar – no sentido de amadurecimento espiritual – para o encontro com Cristo Jesus. 

Pe. Paulo Cezar Mazzi