quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

ISTO É NATAL: DESCER MISERICORDIOSAMENTE ONDE ALGUÉM CAIU MISERAVELMENTE

Missa do Natal. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14.

“O ser humano caiu, mas Deus desceu. O ser humano caiu miseravelmente, mas Deus desceu misericordiosamente. O ser humano caiu por orgulho, mas Deus desceu com a sua graça”. Essas palavras de Santo Agostinho nos ajudam a nos recuperar o sentido do Natal, o sentido do nascimento de Jesus Cristo como Salvador de todo ser humano, o sentido da Encarnação.
Encarnação: Jesus Cristo, o Filho de Deus, que existia na condição divina, abriu mão dessa condição e se fez carne (pessoa humana), para salvar todo ser humano (cf. Fl 2,6-7; Tt 2,11). Jesus, o Verbo de Deus, se fez carne (pessoa humana), porque a cura, a libertação e a salvação só acontecem quando Deus entra em comunhão com aquilo que nos adoece, nos aprisiona e nos destrói. Celebrar o nascimento do Filho de Deus na carne significa reconhecer, então, que não existe salvação sem encarnação: você só pode ajudar a “curar” a ferida de alguém depois que entrou em comunhão com a dor dessa pessoa; você só pode ajudar a “libertar” alguém depois que fez a experiência de estar preso com ele; você só pode ajudar a “salvar” uma pessoa depois de ter sentido em si mesmo a destruição que se abate sobre ela.
Se o Natal nos lembra que a salvação se dá na encarnação, nós somos desafiados a realizar o difícil diálogo de aceitação e de reconciliação com a nossa carne. O que é a nossa carne? Ela é não somente, mas também, aquilo que não gostamos em nós e nos outros: fraqueza, limite, imperfeição, processo, demora, necessidade de amadurecimento, contradição, ambiguidade, mortalidade, pecado. Este foi o caminho que Deus escolheu para vir até nós e nos salvar: comungar da nossa realidade humana, ou seja, usar de misericórdia para conosco comungando da miséria que cada um de nós carrega consigo.
            Este Natal está sendo celebrado dentro do Ano da Misericórdia. Por isso, recordamos as palavras do Papa Francisco, ao afirmar que “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai... Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a misericórdia de Deus”. O próprio Jesus nos convidou a sermos misericordiosos como o nosso Pai celeste é misericordioso (cf. Lc 6,36). Ser uma pessoa misericordiosa significa não se fechar na indiferença diante da dor do seu semelhante. Isso significa que não podemos nos esconder daquele que é a nossa carne (cf. Is 58,7), daquele que é um ser humano como nós.
            Quem se afasta da dor humana, quem se fecha no individualismo e na indiferença para com os outros, quem se mantém distante daquele que é sua carne – seu parente, seu amigo, seu colega de trabalho, seu irmão de igreja, seu conhecido ou um simples ser humano – ainda não acolheu o mistério do Natal, ainda não entendeu o desejo do Filho de Deus de comungar com a realidade humana para poder redimi-la, ainda não se assemelhou ao Pai misericordioso, ainda não quis refletir sobre esta verdade: “Se Deus é nosso Pai, quem é que não é nosso irmão?” (Cantores de Deus).    
Recordemos mais uma vez. O Natal é isso: “O ser humano caiu, mas Deus desceu. O ser humano caiu miseravelmente, mas Deus desceu misericordiosamente”. Onde há um ser humano caído, nós precisamos descer. Onde há uma pessoa caída na sua miséria ou derrubada / reduzida à miséria por causa da miséria da ambição do coração humano, precisamos descer com a nossa misericórdia.
Porque o nosso sistema político está caído na miséria da corrupção, alimentada pela impunidade, ele gera miséria na economia e derruba muitos na miséria do desemprego, da violência, da dependência química, da desestruturação familiar etc. Além disso, olhando além das fronteiras do nosso país, lembramos aqueles que estão diariamente sendo derrubados na miséria da migração forçada, fruto da miséria da guerra ou da perseguição religiosa. Messias só existe um; só um é o Salvador do mundo: Jesus Cristo, mas nós somos discípulos d’Ele. Reaprendamos com Ele a não nos esconder daqueles que estão à nossa volta e que são a nossa carne, pessoas humanas como nós. Com Jesus, desçamos misericordiosamente até aqueles que estão caídos miseravelmente perto de nós. Então todos reconhecerão de fato que Jesus se encarnou para ser o rosto misericordioso do Pai entre os homens.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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