sexta-feira, 28 de agosto de 2015

VEM DE DENTRO, NÃO DE FORA

Missa do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 4,1-2.6-8; Tiago 1,17-18.21b-22.27; Mc 7,1-8.14-15.21-23.

“Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?” (Legião Urbana, Que país é esse?). Sujeira pra todo lado: no Executivo, no Legislativo e no Judiciário; nos Ministérios, nas Secretarias, nos Estados e nos Municípios; no Mercado e na Bolsa de Valores, nos Países do Oriente e do Ocidente; nas igrejas cristãs e nas demais religiões... Ninguém está totalmente limpo. Ninguém está totalmente puro. Todos nós precisamos de limpeza e de purificação.
 Mas, de onde vem a sujeira que nos torna “impuros”? Para os fariseus da época de Jesus e de hoje, ela vem dos outros: do contato com quem não é da minha igreja ou da minha religião; do contato com quem não tem a cor da minha pele, que não mora no meu condomínio ou no meu bairro, que não pertence à minha classe social etc. Para os países da Europa, a “sujeira” vem dos imigrantes que todos os dias chegam pelo mar – os que sobrevivem à viagem –, fugindo da fome, da guerra e da perseguição religiosa que estão destruindo seus países de origem. Para o Estado Islâmico, o perigo da impureza vem dos cristãos, que precisam ser exterminados...
E para você? Existe essa preocupação em não se contaminar com aquilo que é “impuro”? Com exceção de uma possível preocupação com os alimentos – se estão contaminados com agrotóxicos, se fazem subir o nível de colosterol e triglicerides, se são transgênicos ou se ativam as células cancerígenas – essa discussão entre puro e impuro não faz parte do nosso cotidiano. Muito pelo contrário; nós temos a tendência a nos adaptar e a aderir facilmente a costumes que, mesmo não estando de acordo com a Palavra de Deus, fazem parte da moda e – o que é o mais importante – nos garantem um lugar na sociedade da aparência, da futilidade e da inversão de valores.
Para recolocar corretamente a questão da contaminação, Jesus esclarece que aquilo que torna uma pessoa impura não é o contato com uma realidade externa – o que eu como ou bebo, com quem eu convivo ou o quê eu vejo pelos meios de comunicação –, mas com quê intenção eu faço essas coisas. Já o apóstolo Paulo dizia: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31). Essa é a questão principal: buscar a glória de Deus. Quando eu deixo de fazer isso e passo a buscar a minha glória pessoal, o meu coração perde o foco e se desvia da sua própria verdade.
Jesus aproveita essa discussão em torno do “impuro” para fazer um questionamento a todas as igrejas: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc 7,6). Onde está o seu coração enquanto você faz sua oração, ou lê/escuta a Palavra de Deus, ou canta uma música religiosa? Onde está o seu coração quando você se encontra dentro de uma igreja, ou comunga o corpo de Cristo?
O coração humano é o lugar onde fazemos as nossas escolhas e tomanos as nossas decisões, e somente a Palavra de Deus pode devolver-lhe discernimento, ajudando-o a readquirir clareza, liberdade e objetividade diante da realidade externa que nos afeta e dos impulsos que reagem dentro de nós. Por isso, o apóstolo Tiago nos aconselha: “Recebei com humildade a palavra... que é capaz de salvar as vossas almas... Sede praticantes da palavra e não meros ouvintes... A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: socorrer os necessitados em suas aflições e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,21b-22.27).
Se a tendência atual é cada um fechar-se em si mesmo e viver sua fé de maneira individualista, o apóstolo Tiago deixa claro que o que Deus espera de nós é exatamente o contrário: “contaminar-se”, envolver-se com a aflição do nosso semelhante. Neste sentido, o Papa Francisco afirmou, há tempos atrás: “Não se pode fazer o bem sem aproximar-se... Tantas vezes penso que seja, não digo impossível, mas muito difícil fazer o bem sem sujar as mãos. Estou disposto a ‘sujar’ as minhas mãos, se for preciso, para me tornar próximo de quem precisa de mim?”, pergunta Francisco.
Que o Senhor Jesus, que conhece cada um de nós por dentro (cf. Jo 2,25), nos purifique interiormente, conceda discernimento ao nosso coração e lave nossos olhos com a água do Espírito Santo, para que enxerguemos cada ser humano não como uma ameaça de contaminação, mas como uma possibilidade de purificar a nossa compreensão acerca da vida, de nós mesmos e do próprio Deus. 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

2 comentários:

  1. Maravilhoso Pe. Paulo
    Que Deus abençoe sua mente brilhante e seu coração lindo, e permita que continue ajudando este mundo tão necessitado de amor.

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  2. Padre Paulo, concordo integralmente com seu conceito de que a pureza não depende de quem nos cerca e nem é comprometida pelos nossos circundantes: duto vai depender de como nos comportamos e com que fim. O fim, entretanto, embora repetido à exaustão por católicos e por fiéis de outras crenças, não parece ser facilmente compreendido: amar a Deus e ao próximo, como a si mesmo.
    Por isso o convívio com pessoas diferentes de nós, que precisam de nossa ajuda, não nos contamina, desde que este convívio seja motivado pelo amor ao próximo e a Deus.

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