Missa do 21º. dom. comum. Palavra de Deus: Josué
24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.
Quando vamos a um médico, psicólogo, orientador
espiritual ou amigo, vamos com a esperança de ouvir uma palavra que nos ajude a
evitar ou a fugir da dor que estamos sentindo. No entanto, a palavra que cura e
liberta é aquela que nos faz enfrentar a dor, que nos torna conscientes dela,
que nos reaproxima dela. Quando expomos nosso sofrimento a uma pessoa,
esperamos que ela nos dê razão e confirme a ideia que temos de que a
culpa/responsabilidade do nosso sofrimento é da outra pessoa. No entanto, pode
acontecer que a pessoa que nos ouve nos diga uma palavra que nos faça “acordar”
e enxergar que nós mesmos é que somos os maiores responsáveis pela nossa
situação de sofrimento. Mas, ouvir isso nos deixa profundamente irritados...
Quantas vezes você saiu irritado(a) de uma consulta, de
uma conversa, de uma celebração, de uma confissão, porque ouviu coisas que não
desejava ou não esperava ouvir? Quando acontecer de você se irritar com aquilo
que o outro lhe disse, pare um pouco e reflita, antes de descarregar a sua
raiva sobre ele. Se as palavras que saíram da boca do outro irritaram você,
muito provavelmente é porque essas palavras contêm alguma verdade a seu
respeito, uma verdade que você não aceita reconhecer.
O apóstolo Paulo nos disse algo muito importante: é pela
Palavra de Deus que somos purificados, corrigidos, podados, libertos,
santificados (cf. Ef 5,26). No entanto, num primeiro momento, a Palavra dói,
machuca, nos tira das nossas ilusões e nos trazem para o mundo real. Isso está
claro no início do Evangelho de hoje: “Muitos dos discípulos de Jesus que o
escutaram, disseram: ‘Essa palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’” (Jo
6,60). Sim. Talvez a Palavra de Deus seja dura porque a nossa teimosia, a nossa
obstinação também é dura. Mas talvez nós reclamemos da “dureza” da Palavra porque
somos melindrosos, porque não gostamos de ser frustrados nas nossas vontades, porque
queremos manter o nosso ego inflado, porque queremos permanecer na nossa zona
de conforto.
Josué percebeu que o povo de Israel estava fazendo “corpo
mole” diante das exigências da Palavra de Deus. Então ele foi franco e disse:
“Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir...
Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15). Da mesma
forma, Jesus, ao ouvir a crítica de que a sua palavra era muito dura, continuou
firme na sua posição e esclareceu: “O Espírito é que dá vida, a carne não
adianta nada. As palavras que vos disse são espírito e vida. Mas entre vós há
alguns que não creem” (Jo 6,63-64). Jesus deixa claro que a palavra do
Evangelho visa o nosso espírito, no sentido de edificá-lo, fortalecê-lo,
corrigi-lo. Contudo, a nossa carne, o nosso ego, tem desejos opostos ao espírito.
A carne (ou o ego) visa seus caprichos egoístas. Sempre que o Evangelho indica
um caminho oposto aos nossos caprichos, nossa atitude é de rejeição.
“(...) entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64).
Entre nós há pessoas que não admitem reconhecer que estão erradas. Entre nós há
pessoas que escolheram passar a vida inteira procurando culpados pela sua
infelicidade, ao invés de assumirem a responsabilidade por si mesmas. Entre nós
há pessoas que escolhem migrar de uma igreja para outra, de uma religião para a
outra, sempre que a Palavra de Deus coloca o dedo na ferida delas e revela que
elas não querem uma cura verdadeira, mas apenas um remédio para amenizar a dor;
não querem ser revestidas do “homem novo”, mas apenas encontrarem um remendo
para se manterem sobrevivendo como “homem velho”.
Mais uma vez, Jesus deixa claro que a acolhida da sua
Palavra não é apenas fruto do nosso esforço, mas fruto da graça de Deus (cf. Jo
6,65). É o Pai que abre a porta para que a Palavra entre em nós, para que ela
seja internalizada por nós. Como Jesus permaneceu tranquilo e firme nas suas
palavras, o Evangelho diz que “a partir daquele momento, muitos discípulos
voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). Foi quando Jesus se
voltou para os doze apóstolos e perguntou: “Vós também quereis ir embora?” (Jo
6,67), ao que Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida
eterna” (Jo 6,68).
Pelos canais de TV, pelas rádios e pela internet, você
encontra hoje inúmeras pessoas proclamando a Palavra de Deus. Com quê intenção?
Com a intenção de torná-lo(a) mais um “cliente” da sua igreja? Com a intenção
de “vender-lhe” um produto de auto-ajuda ou de sucesso profissional, ou com a
intenção de instruí-lo(a), de refutar o que em você não está de acordo com a
vontade de Deus, de corrigi-lo(a) e de educá-lo(a) na justiça (cf. 2Tm 3,16)?
Palavras (ou o anúncio da Palavra) você vai encontrar sempre, e em diversos
lugares. Mas a questão é saber: são palavras de vida eterna? São palavras que
conduzem você para a verdadeira vida? São palavras que abrem a sua vida para a
plenitude de Deus? Escolha hoje qual palavra/Palavra você quer ouvir...
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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