quinta-feira, 9 de abril de 2015

DOS FERIMENTOS EM FAVOR DA VIDA NASCE A RESSURREIÇÃO

Missa do 2º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,32-35; 1João 5,1-6; João 20,19-31.

            Um dos ditados populares mais conhecidos é este: “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Na época atual, as pessoas que procuram por Deus querem senti-Lo. Se elas escolhem esta ou aquela igreja, esta ou aquela religião, é porque ali elas “sentem” a presença de Deus. Mas, como sentir um Deus que não podemos ver? Como nossa fé pode – e na verdade, deve – ir além do “ver” e do “sentir”, já que o apóstolo Paulo afirma que nós, cristãos, “caminhamos pela fé e não pela visão” (2Cor 5,7)?  
            No mesmo dia em que ressuscitou, Jesus encontrou seus discípulos “ao anoitecer” e com as “portas fechadas”. Esse “anoitecer” representa a sombra escura que tomou conta do coração dos discípulos por causa da morte de Jesus na cruz. Esse “anoitecer” também fala das noites escuras da nossa fé, quando não sentimos mais a presença de Deus, justamente porque não enxergamos os sinais dessa presença junto a nós. Isso faz com que fechemos as nossas portas, porque nos sentimos intimidados diante de um mundo que cada vez mais duvida da existência de Deus.
            Neste tempo pascal o Cristo ressuscitado entra em nossas noites escuras e atravessa nossas portas fechadas para nos dizer: “A paz esteja convosco” (Jo 20,19). Os conflitos e as tribulações continuarão a se fazer presentes em nosso caminho de fé. Continuaremos a ser provados severamente (cf. Sl 118,18), mas nosso coração pode estar em paz porque Jesus venceu o mundo, o mal e a morte. Para provar isso, ele “mostrou-lhes as mãos e o lado” (Jo 20,20). Por que as marcas dos ferimentos na cruz ainda estão presentes num corpo já glorificado, transformado pela ressurreição? Para nos lembrar de que, da mesma forma como o nosso corpo carrega agora as marcas da morte de Cristo, esse mesmo corpo carregará também as marcas da sua ressurreição (cf. 2Cor 4,10). Além disso, são as nossas feridas, nascidas da nossa luta por um mundo melhor, que podem fazer com que esse mesmo mundo ressuscite.     
           Ao ouvir o testemunho dos discípulos a respeito do encontro que eles tiveram com Jesus ressuscitado, Tomé não acreditou: “Se eu não vir a marca dos pregos..., se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Assim como Tomé, cada ser humano precisa ter o seu encontro pessoal com Jesus. Mas aqui existem dois perigos: o primeiro consiste em cairmos no erro de exigir de Jesus revelações particulares, tratamento VIP, reduzindo a nossa fé à satisfação de algum capricho ou à exigência de um “tratamento diferenciado”, porque nos julgamos pessoas “importantes / especiais”. O segundo perigo é nos esquecermos de que a fé vem da pregação da palavra de Cristo (cf. Rm 10,17), isto é, a fé nasce em nós a partir dos ouvidos e não dos olhos. Neste sentido, o próprio João termina seu Evangelho afirmando que tudo aquilo que ele escreveu “foi escrito para que vocês acreditem que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham a vida em seu nome” (Jo 20,31).
            Para a nossa geração, bombardeada por tantas imagens, vale o alerta de Jesus a Tomé: “Acreditaste porque me viste? Felizes os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29). O que mantém a minha fé viva não é a imagem que eu vejo, mas a Palavra que eu leio/ouço e medito. Além disso, é a Palavra de Deus, lida ou ouvida e meditada, que me ajuda a interpretar aquilo que eu vejo, percebendo a presença escondida de Deus nos acontecimentos do dia a dia.      
            Jesus fez questão que Tomé tocasse nas suas feridas, ao mesmo tempo que o repreendeu: “Não sejas incrédulo, mas fiel” (Jo 20,27). Nossas mãos vivem tocando a tela de um celular, mas não tocam na pele de quem convive conosco. Nossos olhos se voltam constantemente para a tela de um celular, mas não se dirigem para olhar o rosto de quem convive conosco. Parece que nos esquecemos de que nós precisamos ser tocados para saber que existimos. Por outro lado, é preciso também nos questionar sobre a maneira como tocamos no outro – se é com respeito ou como quem se apossa de um objeto a ser utilizado, de um bem qualquer a ser consumido. 
            Não tenhamos medo de enxergar as nossas feridas e também as feridas de quem convive conosco ou cruza o nosso caminho. As mãos e o lado de Jesus crucificado e ressuscitado nos ensinam que ninguém ama e serve sem se ferir, mas é justamente desses ferimentos que nasce a ressurreição para o mundo. Assim como os primeiros cristãos, contagiados pela alegria da ressurreição de Jesus, não consideravam como próprias as coisas que possuíam, “mas tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32) – até mesmo “o dinheiro... era distribuído conforme a necessidade de cada um” (At 4,34-35) –, que possamos nos sensibilizar com as necessidades materiais, humanas, afetivas ou espirituais das pessoas que convivem conosco na família, no trabalho, na escola/faculdade, na própria igreja...

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário