Missa do 2º.
dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,32-35; 1João 5,1-6; João
20,19-31.
Um dos ditados populares mais
conhecidos é este: “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Na época
atual, as pessoas que procuram por Deus querem senti-Lo. Se elas escolhem esta
ou aquela igreja, esta ou aquela religião, é porque ali elas “sentem” a
presença de Deus. Mas, como sentir um Deus que não podemos ver? Como nossa fé
pode – e na verdade, deve – ir além do “ver” e do “sentir”, já que o apóstolo
Paulo afirma que nós, cristãos, “caminhamos pela fé e não pela visão” (2Cor
5,7)?
No mesmo dia em que ressuscitou,
Jesus encontrou seus discípulos “ao anoitecer” e com as “portas fechadas”. Esse
“anoitecer” representa a sombra escura que tomou conta do coração dos
discípulos por causa da morte de Jesus na cruz. Esse “anoitecer” também fala
das noites escuras da nossa fé, quando não sentimos mais a presença de Deus,
justamente porque não enxergamos os sinais dessa presença junto a nós. Isso faz
com que fechemos as nossas portas, porque nos sentimos intimidados diante de um
mundo que cada vez mais duvida da existência de Deus.
Neste tempo pascal o Cristo
ressuscitado entra em nossas noites escuras e atravessa nossas portas fechadas
para nos dizer: “A paz esteja convosco” (Jo 20,19). Os conflitos e as
tribulações continuarão a se fazer presentes em nosso caminho de fé.
Continuaremos a ser provados severamente (cf. Sl 118,18), mas nosso coração
pode estar em paz porque Jesus venceu o mundo, o mal e a morte. Para provar
isso, ele “mostrou-lhes as mãos e o lado” (Jo 20,20). Por que as marcas dos
ferimentos na cruz ainda estão presentes num corpo já glorificado, transformado
pela ressurreição? Para nos lembrar de que, da mesma forma como o nosso corpo
carrega agora as marcas da morte de Cristo, esse mesmo corpo carregará também
as marcas da sua ressurreição (cf. 2Cor 4,10). Além disso, são as nossas
feridas, nascidas da nossa luta por um mundo melhor, que podem fazer com que
esse mesmo mundo ressuscite.
Ao ouvir o testemunho dos discípulos
a respeito do encontro que eles tiveram com Jesus ressuscitado, Tomé não
acreditou: “Se eu não vir a marca dos pregos..., se eu não puser o dedo nas
marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Assim
como Tomé, cada ser humano precisa ter o seu encontro pessoal com Jesus. Mas
aqui existem dois perigos: o primeiro consiste em cairmos no erro de exigir de
Jesus revelações particulares, tratamento VIP, reduzindo a nossa fé à
satisfação de algum capricho ou à exigência de um “tratamento diferenciado”,
porque nos julgamos pessoas “importantes / especiais”. O segundo perigo é nos
esquecermos de que a fé vem da pregação da palavra de Cristo (cf. Rm 10,17),
isto é, a fé nasce em nós a partir dos ouvidos e não dos olhos. Neste sentido,
o próprio João termina seu Evangelho afirmando que tudo aquilo que ele escreveu
“foi escrito para que vocês acreditem que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e
para que, crendo, tenham a vida em seu nome” (Jo 20,31).
Para a nossa geração, bombardeada
por tantas imagens, vale o alerta de Jesus a Tomé: “Acreditaste porque me
viste? Felizes os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29). O que mantém a minha
fé viva não é a imagem que eu vejo, mas a Palavra que eu leio/ouço e medito.
Além disso, é a Palavra de Deus, lida ou ouvida e meditada, que me ajuda a
interpretar aquilo que eu vejo, percebendo a presença escondida de Deus nos
acontecimentos do dia a dia.
Jesus fez questão que Tomé tocasse
nas suas feridas, ao mesmo tempo que o repreendeu: “Não sejas incrédulo, mas
fiel” (Jo 20,27). Nossas mãos vivem tocando a tela de um celular, mas não tocam
na pele de quem convive conosco. Nossos olhos se voltam constantemente para a
tela de um celular, mas não se dirigem para olhar o rosto de quem convive
conosco. Parece que nos esquecemos de que nós precisamos ser tocados para saber
que existimos. Por outro lado, é preciso também nos questionar sobre a maneira
como tocamos no outro – se é com respeito ou como quem se apossa de um objeto a
ser utilizado, de um bem qualquer a ser consumido.
Não tenhamos medo de enxergar as
nossas feridas e também as feridas de quem convive conosco ou cruza o nosso
caminho. As mãos e o lado de Jesus crucificado e ressuscitado nos ensinam que
ninguém ama e serve sem se ferir, mas é justamente desses ferimentos que nasce
a ressurreição para o mundo. Assim como os primeiros cristãos, contagiados pela
alegria da ressurreição de Jesus, não consideravam como próprias as coisas que
possuíam, “mas tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32) – até mesmo “o dinheiro...
era distribuído conforme a necessidade de cada um” (At 4,34-35) –, que possamos
nos sensibilizar com as necessidades materiais, humanas, afetivas ou
espirituais das pessoas que convivem conosco na família, no trabalho, na escola/faculdade,
na própria igreja...
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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