terça-feira, 31 de março de 2015

BEBER O CÁLICE CUJO REMÉDIO PODE NOS CURAR

Sexta-feira da Paixão do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 52,13–53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1–19,42.

            O dia de hoje é chamado de “sexta-feira da paixão do Senhor”. “Paixão” significa “ser passível de sofrimento”. Na verdade, tudo o que Deus criou é passível de sofrimento. Porém, a diferença entre nós, seres humanos, e as demais criaturas, é que elas não têm consciência do sofrimento, enquanto nós temos. Isso significa que temos a capacidade de dar um sentido para o nosso sofrimento. Além disso, é importante entender que “ser passível” de sofrimento não significa “sofrer de maneira passiva”. Muito pelo contrário; nós somos chamados a ter uma atitude ativa diante do sofrimento, a exemplo de Jesus que, como acabamos de ver, estava “consciente de tudo o que ia acontecer” (Jo 18,4) e, diante da reação defensiva de Pedro, corrigiu-o por meio dessas palavras: “Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18,11).
            Como você lida com o cálice do seu sofrimento? Você tem consciência de que a cruz nem sempre é uma opção? A cruz de Cristo nos diz claramente isto: a questão não é se eu e você vamos ter que enfrentar algum tipo de cruz – todo ser humano enfrenta isso; a questão é como vamos lidar com a nossa cruz. Lembrando ainda a psicologia de Victor Frankl, nós podemos não ser responsáveis pelo sofrimento que estamos passando, mas somos responsáveis pela forma como lidamos com ele. Alguns fogem do sofrimento por meio da bebida, das drogas e do suicídio por não tolerarem de modo nenhum a cruz chamada “frustração”, “perda”, “não”. E você? Qual a sua capacidade de tolerância em relação a essas coisas? Ainda que instintivamente todos nós fujamos do sofrimento, sempre vai chegar a hora de nos deparar com uma dor que não escolhemos, mas que faz parte daquele capítulo da nossa história de vida.  
            O profeta Isaías é muito claro ao dizer que o sofrimento é sempre feio e desagradável: “Tão desfigurado ele estava, que não parecia... ter um aspecto humano... Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 52,14; 53,2). O sofrimento nos causa repulsa. No entanto, o fruto dele é extremamente benéfico para nós: “suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,5). Conheço um casal que já estava em vias de separação, quando, então, ele descobriu que tinha um câncer. Durante o tratamento, ela se manteve próxima dele o tempo todo. O câncer foi vencido e hoje quem olha para esse casal fica admirado ao ver o amor que um manifesta ao outro. A cruz do câncer salvou o casamento deles, na medida em que fez os dois redescobrirem o amor um pelo outro.
            Não é prudente termos tanta pressa em passar adiante o cálice que o Pai nos dá para beber. Apesar de amargo, esse cálice pode conter o único e verdadeiro remédio para nos curar da ferida do egoísmo, do narcisismo, do vício, do pecado, de atitudes nossas que estão levando nossa vida pessoal, familiar, profissional ou espiritual para a morte. O sofrimento não é a morte. A morte é a não aceitação de nenhum tipo de sofrimento, atitude que nos torna covardes diante da vida.  
            O dia de hoje convida você a entregar a sua dor aos pés da cruz de Cristo. Talvez neste momento você esteja se sentindo como o salmista: “... tornei-me como um vaso espedaçado” (Sl 31,12), espedaçado porque você se confiou a mãos erradas, ou por que descuidou de si mesmo(a). Seja como for, este é o momento de você recolher seus pedaços e apresentá-los diante da cruz de Cristo, dizendo: “A vós, porém, ó meu Senhor, eu me confio... Eu entrego em vossas mãos o meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor” (Sl 31,15-16).
            Da mesma forma, o autor da carta aos Hebreus nos convida a permanecer “firmes na fé que professamos” porque “temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas” (Hb 4,14.15), capaz de compreender nossa raiva, nossa ódio, nossa repulsa diante de tantas cruzes impostas injustamente sobre os ombros de tantas pessoas, pois Ele mesmo experimentou a raiva, o ódio e a repulsa dos homens. Somos convidados a nos aproximar da cruz não como o lugar da derrota do Filho de Deus, mas como o lugar que se tornou para nós o trono da graça: “Aproximemo-nos... com toda a confiança do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,16).
            Ao contemplarmos a imagem de nosso Senhor morto na cruz, lembremos de como ele enfrentou a dor, o sofrimento, a cruz. Além de ter vivido tudo isso de maneira consciente e livre, Jesus questionou a violência injusta que existe no mundo: “Por que me bates?” (Jo 19,23). Ele também deixou claro a Pilatos que a sua vida sempre foi vivida sob a autoridade do Pai e que, sobretudo naquele momento de ir para a cruz, sua vida estava nas mãos do Pai e não nas mãos de nenhum ser humano (cf. Jo 19,11). Por fim, suas últimas palavras na cruz foram: “Tudo está consumado” (Jo 19,30). Assim como Jesus, que possamos dizer, na hora da nossa morte: ‘Consumei a missão que o Pai me confiou; combati o bom combate, terminei minha missão, guardei a fé (cf. 2Tm 4,7); fui fiel até à morte (cf. Ap 2,10); amei até o fim (cf. Jo 13,1).
            Uma palavra final: “Ao que feriram de morte, hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único... Naquele dia, haverá um grande pranto em Jerusalém” (Zc 12,11). Permita-se chorar no dia de hoje. Chore por toda dor que ainda há no mundo, sobretudo pelos crucificados do nosso tempo. Chore por si mesmo(a), por seus pecados. Chore pela sua covardia diante da sua dor e, principalmente, pela covardia e individualismo que, diferente do Maria e do discípulo amado, não permitem que você esteja aos pés da cruz de quem sofre. Que essas lágrimas desobstruam a sua sensibilidade para a dor do outro e lavem seus olhos, para que você possa enxergar melhor Cristo em tantos que estão à sua volta.  

                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi

EUCARISTIA: REMÉDIO GENEROSO E ALIMENTO PARA OS FRACOS


Missa da Ceia do Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.

               Assim afirma o salmista a respeito de Deus: “Os vossos passos são fecundos; transborda a fartura onde passais, brotam pastos no deserto” (Sl 65,12-13). Onde Deus põe os pés, ou seja, por onde Deus passa, a miséria se converte em fartura, o deserto se transforma em terra fértil, a morte é mudada em vida. Como entender, então, o fato de que a passagem do Senhor pela terra do Egito tenha ferido de morte “todos os primogênitos, desde os homens até os animais” (Ex 12,12), conforme ouvimos na narrativa da Páscoa do Antigo Testamento? Ao passar pela terra do Egito, o Senhor Deus fez justiça ao seu povo, libertando-o do poder opressor do Faraó.
              A praga exterminadora atingiu quase todas as famílias, com exceção daquelas em que havia o sangue do cordeiro assinalado na porta da casa. Hoje, quais são as pragas exterminadoras que estão atingindo as famílias? A porta da nossa casa está aberta a qual tipo de praga exterminadora? Temos nos preocupado em assinalar a porta da nossa casa com o sangue do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo? O sangue de Jesus significa o seu amor por nós e por nossa família: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Em nossa casa, nos esforçamos por nos amar uns aos outros como Jesus nos ama, até o fim?
                  Nesta noite da Ceia do Senhor, nós não só recordamos a Páscoa do Antigo Testamento como também nos preparamos para celebrar a Páscoa do Novo Testamento, contemplando a atitude de Jesus quando chegou “a sua hora de passar deste mundo para o Pai” (Jo 13,1). Assim como os discípulos, nos assentamos à mesa da Eucaristia recordando as palavras do apóstolo Paulo: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão... Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice...” (1Cor 11,23.25). Antes de ser entregue por Judas (cf. Jo 13,11), Jesus tomou a iniciativa de ele mesmo se entregar a nós, no pão e no vinho, para que todas as vezes que comermos desse pão e bebermos desse cálice possamos proclamar que ele morreu porque nos amou até o fim. Uma vez que sua morte foi uma Páscoa, a passagem dele deste mundo para o Pai, em cada Eucaristia proclamamos a morte e a ressurreição de Jesus “até que ele venha” (1Cor 11,26) para nos fazer assentar com ele à mesa do banquete no Reino de Deus.  
                Você tem ocupado o seu lugar nesta mesa? Existe alguma “condição” para que você possa comer o Corpo e beber o Sangue do Senhor? Segundo o próprio Jesus, a condição mais necessária é a fé: “Em verdade vos digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé. Mas eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente e se assentarão à mesa do Reino dos Céus... enquanto os filhos do Reino serão postos para fora...” (Mt 8,10-12). Muitos que não comungam em nossas missas poderão ser os primeiros a se assentarem à mesa do Reino dos Céus, porque têm uma vivência mais próxima do Evangelho, enquanto nós, que comungamos, poderemos ser postos para fora, na medida em que nossa vivência não é tão coerente com o Evangelho.  
Hoje, em nossas igrejas, não são poucas as pessoas que não comungam. Isso nos preocupa? O apóstolo Paulo afirma que a decisão de comungar ou não deve partir da consciência da pessoa (cf. 1Cor 11,28-29). A nós, Igreja, cabe formar bem a consciência das pessoas quanto ao significado do Corpo e do Sangue do Senhor. São corajosas e questionadoras essas palavras do Papa Francisco: “A Eucaristia... não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (A Alegria do Evangelho, n.47). Na última ceia, Jesus se entregou como “remédio generoso” e como “alimento para os fracos” também a Judas e a Pedro, mesmo sabendo que, após a ceia, o primeiro iria traí-lo e o segundo iria negá-lo...
              “(...) vós estais limpos, mas não todos” (Jo 13,10). Se há algo que deve nos afastar da mesa da Eucaristia é a nossa atitude de não querer seguir o exemplo que Jesus nos deu: “Se eu, o Senhor e mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15). Muitos de nós comungamos, mas muitos de nós não estamos nem um pouco dispostos a lavar os pés uns dos outros. Comungamos o Corpo e Sangue daquele que veio para servir, mas não nos dispomos a assumir nenhum tipo de serviço em favor do Evangelho e do bem comum da sociedade.
                O mesmo Jesus, que nesta noite abraça a sua hora de passar deste mundo para o Pai nos amando até o fim, “passou por este mundo fazendo o bem” (At 10,38). Que a nossa comunhão com o Corpo e o Sangue do Cordeiro torne os nossos passos fecundos, para ajudarmos a transformar o deserto num jardim, a morte em vida. Que possamos passar por este mundo fazendo o bem, ajudando a marcar a porta da casa de cada família com o Sangue do Cordeiro de Deus, para que nenhuma pessoa seja atingida pela praga exterminadora do pecado pessoal e social.

                                                                    Pe. Paulo Cezar Mazzi

segunda-feira, 30 de março de 2015

ORAÇÃO A PARTIR DAS “SETE PALAVRAS” DE JESUS NA CRUZ

ORAÇÃO A PARTIR DAS “SETE PALAVRAS” DE JESUS NA CRUZ

1.   “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34)

A primeira palavra que Jesus pronuncia na cruz é “Pai”. Jesus sempre sentiu Deus muito próximo de si, como um verdadeiro Pai. Mesmo com a proximidade da cruz, Jesus disse aos discípulos: “Eis que chega a hora... em que vocês se dispersarão cada um para o seu lado, e me deixarão sozinho. Mas eu não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16,32). Diante desta primeira palavra de Jesus, queremos rezar por todas as pessoas que se sentem órfãs, sozinhas, sem ninguém por elas. Rezamos também por todas as pessoas que precisam de perdão, seja da parte dos homens, seja da parte de Deus. Rezamos ainda por todos aqueles que precisam se dispor a perdoar. PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...

2.   “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43)

A segunda palavra de Jesus é uma palavra de libertação, de absolvição. Um homem, condenado à morte como Jesus, recebe dele a declaração de que não está condenado diante de Deus. De fato, “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê, já está condenado...” (Jo 3,17-18). Também o apóstolo Paulo declara que “não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1). Rezamos, neste momento, por todas as pessoas que se sentem condenadas por sua própria consciência, pelos outros ou pelo mundo em que vivemos. Rezamos especialmente pelos que se sentem condenados por uma doença ou por um vício. Peçamos ao Espírito Santo que conceda ao coração de todo ser humano, especialmente dos cristãos, a firme convicção de que são homens e mulheres salvos por Cristo e em Cristo. PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...

3.   “Mulher, eis aí teu filho”; “Filho, eis aí tua mãe” (Jo 19,26.27)

A terceira palavra de Jesus declara Maria como Mãe de todo discípulo seu, de todo aquele que segue Jesus até o fim e permanece com ele, sobretudo na hora da cruz. A presença de Maria aos pés da cruz é um convite a cada um de nós: precisamos estar aos pés da cruz uns dos outros. Como ensina o apóstolo Paulo, devemos nos alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram (cf. Rm 12,15). A hora em que precisamos estar mais presentes na vida das pessoas é na hora em que elas estão fazendo uma experiência de cruz. Ao nos dar Maria por Mãe, Jesus também quer nos lembrar de que Deus jamais se esquece de nós em nossas aflições: “Por acaso uma mulher se esquecerá do seu filhinho?... Ainda que isso acontecesse, eu jamais me esqueceria de você. Eis que eu gravei seu nome na palma da mão” (Is 49,15-16). Aqui queremos rezar por todas as pessoas que estão sofrendo, especialmente por aquelas que se sentem esquecidas por Deus. Rezamos também para que o Senhor nos coloque em pé diante da cruz, numa atitude de força e de solidariedade para com quem sofre. PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...

4.   “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mt 27,45)

A quarta palavra de Jesus é uma súplica pela presença do Pai. Assim como Jesus, quantas vezes não sentimos o Pai perto de nós, principalmente na hora da dor, na experiência do sofrimento... Assim como Jesus, nossa fé algumas vezes entra em crise, e a imagem que temos de Deus se quebra em inúmeros pedaços, porque não conseguimos entender o que está nos acontecendo. Entretanto, o próprio Jesus nos ensinou a confiar incondicionalmente no Pai: Ele conhece cada uma das nossas necessidades (cf. Mt 6,25-34). Nenhum fio de cabelo cai da nossa cabeça sem o consentimento do Pai (cf. Mt 10,28-31). Por isso, como o salmista, podemos proclamar: “O Senhor é meu pastor; nada me falta... Mesmo que eu passe pelo vale da morte, nenhum mal eu temerei, pois estás junto a mim: teu bastão e teu cajado me deixam tranquilo(a)” (Sl 23,1.4). Rezamos agora por nós e por todas as pessoas que precisam reencontrar Deus no meio dos acontecimentos. Pedimos ao Espírito Santo que nos dê discernimento para perceber a face do Pai que se volta para nós, sobretudo nas noites escuras da nossa crise de fé. Que a nossa confiança se fortaleça e se renove no Deus e Pai de nosso Senhor Jesus, que nos consola em toda e qualquer tribulação. PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...
 
5.   “Tenho sede” (Jo 19,28)

A quinta palavra de Jesus se refere à sede. Mesmo se declarando à samaritana como fonte de água vida (cf. Jo 4,13-14), Jesus se une à sede que todo ser humano tem de vida, de justiça, de felicidade e de paz. Ele mesmo declarou: “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6). Quantas pessoas desejam ardentemente por justiça? Além disso, todo ser humano traz dentro de si uma sede profunda de Deus: “Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra árida, esgotada, sem água” (Sl 63,2). “A ti estendo os meus braços, minha vida é terra sedenta de ti” (Sl 143,6). Diante da sede de Jesus, rezamos por todas as pessoas injustiçadas, por todos aqueles expostos à violência do mundo em que vivemos. Clamamos ao Pai que derrame a água viva do seu Espírito sobre toda carne, sobre o coração de toda pessoa que anseia por vida, por amor, por alegria e por paz. Também pedimos que o Senhor nos torne mais conscientes e responsáveis quanto ao uso da água, da energia e dos recursos naturais, para que não haja desperdício desses bens tão preciosos para a vida não só de todo ser humano, mas de toda criatura. PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...

6.   “Tudo está consumado” (Jo 19,30)

A sexta palavra de Jesus se refere à consumação, ao término de toda a obra de salvação que Ele veio realizar em favor de cada ser humano. Jesus foi fiel ao Pai do início ao fim. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Nós começamos muitas coisas, mas não terminamos, porque desistimos delas no meio do caminho. No mundo de hoje as pessoas não se preocupam mais com a fidelidade, uma fidelidade que significa amar até o fim. No livro do Apocalipse, Jesus diz: “Seja fiel até o fim, e eu te darei a coroa da vida” (Ap 2,10). A Timóteo, o apóstolo Paulo faz este convite: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado” (1Tm 6,12). Por sua vez, o mesmo apóstolo testemunha a respeito de si mesmo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,7). Desse modo, queremos rezar neste momento por todas as pessoas enfraquecidas em sua fé. Pedimos ao Espírito Santo que venha em socorro da fraqueza delas e nossa, e nos conceda uma fé renovada, capaz de tudo crer, tudo suportar, tudo desculpar e tudo esperar. Mesmo diante das dificuldades, tribulações e provações, que possamos combater todo desânimo, todo pessimismo, sabendo que tudo podemos n’Aquele que nos fortalece, tudo podemos em Jesus Cristo, iniciador e consumador da nossa fé.  PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...

7.   Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)

A sétima e última palavra de Jesus na cruz se refere à sua entrega incondicional ao Pai. Jesus já havia dito aos discípulos: “Não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). A violência e as injustiças do mundo podem nos ferir fisicamente, mas não podem matar em nós a fé, a esperança e o amor. Jesus quer que tenhamos a mesma confiança que Ele teve no Pai, quando declarou: “As minhas ovelhas escutam a minha voz...; eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de minha mão. Meu Pai, que me deu tudo, é maior que todos, e ninguém pode arrebatar coisa alguma das mãos do Pai” (Jo 10,27-29). Neste momento vamos rezar por todas as pessoas que foram arrebatadas de suas famílias por meio de uma doença, de um acidente ou da violência. Sabemos que elas estão nas mãos do Pai. Que suas famílias recebam o conforto de Deus e a certeza de reencontrá-las na ressurreição. Nas mãos do Pai colocamos também todas as nossas preocupações diárias, sabendo que é Ele quem cuida de nós (cf. 1Pd 5,7). PAI NOSSO (3X) AVE MARIA (3X) GLÓRIA AO PAI...



Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 26 de março de 2015

O SILÊNCIO E O GRITO DE UM HERÓI

Missa do Domingo de Ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39.

            A celebração de hoje nos recorda a entrada de Jesus em Jerusalém. Contraditoriamente, a mesma cidade que acolhe Jesus, saudando-o com ramos e com gritos de “hosana” – lembrando que a palavra “hosana” é uma súplica por salvação –, é a cidade que rejeita Jesus e o crucifica. A mesma cidade que pede para ser salva crucifica o seu Salvador. Jerusalém é o retrato do nosso mundo e de tantos de nós que suplicamos por salvação, mas rejeitamos Aquele que pode nos salvar.
            Já no tempo do profeta Isaías, Deus havia denunciado a rejeição à Sua salvação nestas palavras: “Na conversão e na calma estava a vossa salvação, na tranquilidade e na confiança estava a vossa força, mas vós não o quisestes! Mas dissestes: ‘Não, antes, fugiremos a cavalo!’” (Is 30,15). Preferir fugir a cavalo a confiar em Deus significa dizer que a nossa salvação não depende de Deus, mas sim das nossas armas, da nossa tecnologia, do nosso dinheiro, da nossa inteligência, da nossa própria força... Nos esquecemos do que diz a Escritura: “ninguém se salvará por sua própria força” (1Sm 2,9; cf. Sl 33,16-17).
            No momento em que Jesus é interrogado, Pilatos diz: “Nada tens a responder? Vê de quanta coisa te acusam!” (Mc 15,4). De quantas coisas Deus é acusado hoje? O mesmo ser humano que se julga autônomo, dono da sua própria liberdade e autossuficiente em relação à sua própria salvação, ao se dar conta de que sua própria força é incapaz de salvá-lo, começa a acusar Deus por tudo o que dá errado em sua vida e no mundo à sua volta. Em geral, nós não nos lembramos de consultar Deus a respeito das decisões que temos de tomar, mas quando essas decisões causam consequências desastrosas em nossa vida e na sociedade, costumamos acusar Deus de não nos ajudar, de não se importar conosco, de parecer indiferente ao que se passa com a humanidade.
            Diante das acusações, Jesus não respondeu nada (cf. Mc 15,5). Por que Deus responderia às acusações que Lhe fazemos, se nós diariamente nos negamos a escutá-Lo? Às vezes, a melhor forma de Deus responder a nós é por meio do silêncio. Nesse silêncio, onde só escutamos o nosso grito, temos que reconhecer a nossa parcela de responsabilidade diante de tantos acontecimentos. O silêncio de Deus é um remédio amargo que às vezes precisamos tomar para curar aquelas feridas que abrimos em nós mesmos e nos outros com as nossas palavras, carregadas de agressividade, de maldade e de acusações injustas.
            Enquanto Jesus fica em silêncio, a multidão grita alvoroçada e, nesse grito, expressa a sua escolha por Barrabás, não por Jesus. Quem nós queremos que seja solto? Ao quê damos vazão dentro de nós, ou com o quê nos identificamos mais: com a mansidão de Jesus ou com a agressividade de Barrabás? Barrabás é a figura do anti-herói. É ele quem mantém os índices de audiência das novelas, quem recebe milhões de acesso na internet, quem inspira adolescentes e jovens a se tornarem traficantes, quem convence jovens a deixarem seus países e a aderirem a “guerras santas” em nome do fanatismo religioso. 
            Diante do grito “Crucifica-o!”, Pilatos pergunta à multidão, a respeito de Jesus: “Mas que mal ele fez?” (Mc 15,14). Que mal fez Deus, para que seja novamente crucificado com requintes de ironia e crueldade pela mídia? Quem mal fez Deus para justificar o crescente número de pessoas que se declaram ateias? Como revela o filme “Deus não está morto”, por trás do ateísmo normalmente existe a dor de ter sido atingido pelo mal. O mal que Deus fez foi ter permitido que o mal atingisse aquilo ou aqueles que eu mais amava. O ateísmo é muito mais uma raiva de Deus do que uma crença na não existência de Deus. Por isso, muitos ainda declaram: “Que desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!” (Mc 15,32). Que Deus apague toda sombra de cruz da história da humanidade, para que eu acredite na Sua existência. Que Deus me faça descer da cruz em que me encontro, para que eu possa crer no Seu amor por mim...
O silêncio de Jesus diante das acusações que recebeu enquanto estava sendo julgado foi quebrado na hora da cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Jesus comunga da mesma sensação que temos de que Deus abandonou a humanidade a si mesma. Assim como Jesus, nós não sentimos o Pai perto de nós na hora da dor. Assim como Jesus, nossa fé algumas vezes entra em crise, e a imagem que temos de Deus se quebra em inúmeros pedaços, porque não conseguimos entender o que está nos acontecendo. Entretanto, o próprio Jesus nos ensinou a confiar incondicionalmente no Pai que conhece cada uma das nossas necessidades (cf. Mt 6,25-34): nenhum fio de cabelo cairá da nossa cabeça sem o Seu consentimento (cf. Mt 10,28-31).
Diante desse Pai, “Jesus deu um forte grito e expirou” (Mc 15,37). No grito de Jesus está o grito de cada ser humano por vida, por paz, por justiça, por misericórdia, por perdão... Expirando, Jesus entrega seu hálito de vida (seu espírito) a Deus. Essa entrega é feita com tal confiança que “o oficial do exército viu como Jesus havia expirado e disse: ‘Na verdade, este homem era Filho de Deus!’ (Mc 15,39). Expirar lembra término. Chegará o momento em que iremos expirar, como Jesus. Que o nosso expirar seja vivido segundo as palavras do apóstolo Paulo: “sei em quem depositei a minha fé” (2Tm 2,12). Sei nas mãos de quem eu entrego o meu espírito: nas mãos do Pai que conta cada um dos meus passos errantes e recolhe no seu odre cada uma das minhas lágrimas (cf. Sl 56,9), para enxugá-las e recompensá-las (cf. Is 25,8; Ap 7,17). Quer eu esteja vivo, quer eu morra, continuarei pertencendo ao Senhor Jesus (cf. Rm 14,7-8), meu único e verdadeiro Herói.

Para sua oração pessoal: HERÓI 
(Ministério Adoração e Vida).

https://www.youtube.com/watch?v=tDCvjppJ5Zg

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 19 de março de 2015

O SENTIDO DA VIDA ESTÁ EM DEIXAR PARA OS OUTROS O FRUTO DA NOSSA DOR

Missa do 5º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Jeremias 31,31-34; Hebreus 5,7-9; João 12,20-33.

            Para nós, cristãos, a Sagrada Escritura se divide em duas partes: O Antigo Testamento e o Novo Testamento, ou a Antiga Aliança e a Nova Aliança. A Aliança, seja a Antiga, seja a Nova, consiste em nossa relação com Deus. A diferença entre a Antiga e a Nova Aliança é que, enquanto a Antiga se impunha a partir de fora, a partir da força da Lei e da ameaça de castigo para quem não cumprisse a Lei, a Nova Aliança deve nascer a partir de dentro, a partir da misteriosa ação da Graça de Deus na consciência e no coração do ser humano: “Imprimirei minha lei em suas entranhas e hei de inscrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão meu povo... Todos me conhecerão, do maior ao menor deles...” (Jr 31,33.34).
            Em meus quase vinte anos de padre, tenho entendido que onde Deus não entra pela graça, não adianta o homem tentar entrar pela força. Nenhuma lei impede alguém de se tornar corrupto; nenhuma lei “segura” um casamento; nenhuma lei garante fidelidade a uma vida de consagração a Deus. O que faz com que uma pessoa não se corrompa, com que uma pessoa lute até o fim pelo bem do seu relacionamento, com que uma pessoa renove diariamente sua fidelidade a Deus não é uma obrigação externa, mas uma convicção interna: é quando seu coração internaliza a vontade de Deus. É quando a pessoa se convence de que o que Deus quer para ela é, de fato, o melhor.
            A nossa vontade humana não se dobra diante de nenhuma Lei, mas ela se dobra diante da Graça, e esse “dobrar-se” não se dá sem luta, sem dor, sem sofrimento. Como nos lembra a carta aos Hebreus, o próprio Jesus “(...) aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu” (Hb 5,8). Diante da constante propaganda de uma fé que opera milagres, que faz prosperar e concede vitórias, precisamos pedir ao Pai o dom da verdadeira fé, e a verdadeira fé é aquela que luta: luta contra a vontade do nosso ego, contra os nossos caprichos, contra o nosso instinto de preservação, contra o nosso narcisismo; uma fé que luta até mesmo com Deus, até se deixar ser vencida por Ele, até se tornar obediência e entrega à Sua vontade.
            Assim como Jesus, nós temos o nosso instinto de sobrevivência. Nós também costumamos dirigir a Deus “preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas”, Àquele que pode nos salvar da morte (cf. Hb 5,7), Àquele que pode nos preservar da dor e do sofrimento. Mas, quantas vezes temos que admitir que o melhor para nós, naquele momento, é enfrentar a dor, sofrer, “morrer”... Por que morrer? Porque “se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida perde-a” (Jo 12,24-25). Quem se recusa a morrer, quem se recusa a sacrificar seu egoísmo e a abrir mão dos seus caprichos, morre como pessoa porque morre nos seus valores, no seu caráter, na sua fidelidade, na sua honestidade etc.
            Por que um casamento “morre”? Porque um dos dois – quando não, ambos – se recusa a morrer nos seus caprichos. Por que uma vida de consagração a Deus “morre”? Porque o(a) consagrado(a) concluiu que não vale mais a pena “morrer” pelo Reino. Por que muitos filhos de classe média e alta são “terceirizados” e muitos filhos de classe baixa são “adotados” pelas ruas? Porque seus pais desistiram de morrer por eles. Sempre que eu desisto de “morrer”, de me sacrificar por aquilo que eu acredito ou por aquilo que Deus me pede, eu me torno uma pessoa estéril. Quem procura por mim não encontra nenhum fruto. Se eu quiser recuperar a minha fecundidade, preciso aceitar “morrer”, aceitar configurar a minha vida a Jesus, que veio para servir e para dar/dedicar/gastar a sua vida em favor da salvação de muitos.
            De novo é preciso considerar isso: assim como Jesus, nós também temos o nosso instinto de sobrevivência. Isso significa que, se nós pudermos evitar a dor, vamos evitá-la. No entanto, é preciso considerar se a dor que está diante de nós é algo “acidental” ou algo que realmente temos que enfrentar, porque faz parte da nossa “hora”: “Agora, sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!” (Jo 12,27-28).
            A “hora” a que Jesus se refere é aquela hora em que você tem que tomar uma decisão, fazer um corte; é a hora da renúncia, da fidelidade, do sacrifício; é a hora da “morte” do seu capricho, do seu ego. “(...) foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). Ninguém de nós nasce para viver na dor, mas todos nós temos que enfrentar situações de dor. Foi precisamente para isso que viemos a esse mundo: para deixar para as demais pessoas o fruto da nossa dor, isto é, da nossa luta por um planeta melhor, por um mundo melhor, por uma sociedade melhor, por uma política melhor, por uma igreja melhor etc.
            “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Que a cruz de Cristo nos atraia, mas não como uma experiência de masoquismo, de quem sente prazer em sofrer, e sim como uma experiência de fecundidade, de uma vida que reencontrou seu sentido quando desistiu de fugir da dor e aprendeu a “morrer” para produzir os frutos de que tinha capacidade de produzir. Que a imagem do trigo que deve morrer para produzir fruto nos recorde esta grande verdade: “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).

Para sua oração pessoal: EU VOU PASSAR PELA CRUZ (PG)
https://www.youtube.com/watch?v=uYY7Z-IUm_A

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 12 de março de 2015

SABER-SE SALVO, DEIXAR-SE ENVOLVER PELA LUZ, AGIR CONFORME A VERDADE

Missa do 4º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: 2Crônicas 36,14-16.19-23; Efésios 2,4-10; João 3,14-21.

Todos os dias acontecem coisas boas e coisas ruins no mundo em que vivemos, mas normalmente são noticiadas quase que somente as coisas ruins. Além disso, as notícias tidas como “péssimas”, aquelas que tiram o nosso sono, não são tanto as que falam de violência ou de corrupção, mas as que se referem ao mau funcionamento da economia. Como o próprio Papa Francisco já disse, se alguém morre de fome, ninguém se importa com isso, mas se a Bolsa de Valores cai três ou quatro pontos, o mercado financeiro e a sociedade entram em pânico.
Em nosso País, ultimamente, as notícias não têm sido boas. Além dos escândalos de corrupção, que se multiplicam, as más notícias vêm do campo da economia, o que neste domingo levará muitas pessoas às ruas para protestarem contra o atual governo. Mas exatamente hoje, no contexto em que estamos vivendo, a Palavra de Deus nos leva a refletir sobre a causa das más notícias. Fazendo uma releitura da história de Israel – particularmente, da sua capital Jerusalém – o autor do Livro das Crônicas coloca o dedo na ferida e aponta a causa da destruição de Jerusalém: eles “multiplicaram suas infidelidades” (2Cr 36,14).
Não é exatamente isso que acontece não só com o Brasil, mas com o mundo? Infidelidade. Infidelidade com a própria consciência e com Deus; infidelidade com a família e com a maneira de exercer a profissão; infidelidade com os bens públicos e com a forma como se lida com o dinheiro... Nós também vivemos hoje uma época de multiplicação de infidelidades, de tal forma que constatamos o mesmo que o autor das Crônicas: não há mais remédio (cf. 2Cr 36,16). Nossas infidelidades pessoais têm consequências sociais: “Os inimigos incendiaram a casa de Deus e deitaram abaixo os muros de Jerusalém, atearam fogo a todas as construções fortificadas e destruíram tudo o que havia de mais precioso” (2Cr 36,19).
Você reconhece essas imagens hoje? Casa de Deus incendiada: perseguição religiosa (Oriente Médio), perda de fé em Deus e perda de confiança em si mesmo e no ser humano. Muros abaixo: cidades desprotegidas, vidas expostas à violência (tráfico de drogas, roubos seguidos de morte, agressão no trânsito, violência sexual etc.). Construções fortificadas incendiadas: ninguém escapa da violência, da degradação moral e das consequências da corrupção. Destruição de tudo o que há de mais precioso: família, consciência moral, ética, a política como cuidado com o bem comum, fé (corrupção em diversas igrejas; líderes religiosos infiltrados na política para beneficiar os interesses de suas igrejas e não os da sociedade), justiça, paz, esperança etc.
Assim como Israel foi responsável pelos seus dias de desolação na Babilônia (70 anos!), assim nós precisamos nos perguntar qual está sendo nossa parcela de responsabilidade na desolação em que nos sentimos tantas vezes. Conforme nos mostrou o Salmo 137,4-6, somente uma coisa ajudou Israel a sobreviver à desolação (Exílio): sua fé, sua confiança de que Deus não havia se esquecido dele. Assim também, o apóstolo Paulo vem hoje nos lembrar que o nosso “Deus é rico em misericórdia... Quando estávamos mortos por causa de nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo” (Ef 2,4-5). Quando pensamos que não há mais remédio que possa nos curar dos males que se abatem sobre a humanidade, Jesus afirma que Ele foi levantado numa cruz, “para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,15).
A imagem de Cristo crucificado nos fala de desolação e de consolação. Por amar tanto a humanidade – e particularmente cada ser humano – o Pai permite que seu Filho único sofra a desolação da morte de cruz, para que cada ser humano receba a consolação de se saber salvo, redimido das suas infidelidades. E o apóstolo Paulo insiste nessa consolação que recebemos da cruz de Cristo: “É por graça que vós sois salvos!” (Ef 2,5). “(...) é pela graça que sois salvos, mediante a fé” (Ef 2,8). Fé em quê ou em quem? Fé em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, fé na graça da redenção da cruz, na morte redentora de Cristo em favor de cada um de nós, de cada ser humano.
A cruz de Cristo é a proclamação mais clara de que a salvação que vem de Deus é graça: “(...) isso não vem de vós; é dom de Deus!” (Ef 2,8). Antes que cada um de nós existisse, antes que cada um de nós caísse nas suas faltas, nas suas infidelidades e se sentisse condenado por elas, Cristo Jesus abraçou a condenação da cruz para nos absolver de todo tipo de condenação, venha ela de nós mesmos (consciência) ou do mundo em que vivemos. Olhar para o Crucificado é acolher o dom de Deus, que enviou o seu Filho para salvar cada ser humano, não para condená-lo (cf. Jo 3,17).
Porém, há uma coisa que pode nos condenar: não crer, não crer no amor de Deus, não deixar-se abraçar pelo Crucificado, não querer ser levantado das quedas provocadas pelas próprias infidelidades – numa palavra, não querer vir para a luz. Jesus afirma que muitos preferem as trevas, porque se habituaram com elas, e a luz os incomoda. Muitos se acostumaram a fazer o mal a si mesmos e à humanidade. São pessoas que não querem a luz porque não querem ser denunciadas.
Neste tempo de multiplicação de denúncias de corrupção, de impunidade e de infidelidades, Jesus nos convida a agir conforme a verdade (cf. Jo 3,21), não conforme a conveniência, nem conforme os que os outros ou a maioria faz. Agir conforme a verdade é abraçar a própria cruz, uma vez que a cruz nada mais é do que o encontro com a própria verdade. Sem esse duro encontro, nós continuamos nas trevas da ignorância de nós mesmos e daquilo que Deus quer para nós. Só no encontro com a própria verdade, só quando decidimos viver a partir da nossa verdade é que encontramos paz, nos sentimos felizes e recuperamos a nossa saúde, porque aceitamos a verdade de que a salvação é graça, é dom de Deus para cada um de nós. Abracemos esse dom. Deixemos com que essa luz nos envolva e sejamos portadores dela para aqueles que ainda estão escolhendo viver nas trevas.     
      
Para a sua oração pessoal: EU ENTREGAREI (Dagö)


                                                           Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 5 de março de 2015

CONHECIDOS A PARTIR DE DENTRO

Missa do 3º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-17; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25.

Qual é o papel da religião? Para quê ela serve? Ela ajuda ou atrapalha? Liberta ou aprisiona? Cega ou faz enxergar? Para alguns, o mundo seria melhor se não houvesse as religiões, mas para outros o mundo seria pior sem elas.
A afirmação que Deus faz de Si mesmo, antes de proclamar os Dez Mandamentos, indica a função da religião: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2). Deus entende a religião, a re-ligação do ser humano com o divino, como libertação. Primeiro, se trata da libertação de nós mesmos, dos nossos auto-enganos, das falsas imagens que fazemos de nós mesmos – positivas ou negativas. Segundo, se trata da libertação do mundo, da pressão que a sociedade exerce sobre nós, da cobrança do mercado – numa palavra, libertação de toda espécie de ídolo. Por isso, o primeiro mandamento consiste no expulsar da nossa vida todo falso deus: “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,2-3).
Uma leitura ingênua do primeiro mandamento identificaria os falsos deuses com qualquer imagem de ouro, prata, bronze, madeira, gesso, resina etc. O problema é que nem toda imagem é um ídolo (cf. Ex 25,10-22), e nem todo ídolo se manifesta por meio de uma imagem. Além disso, Jesus alertou que o grande falso deus que seduz e mantém muitas pessoas sob o seu domínio é o Dinheiro. Por isso, disse: “Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6,24). Quebrar uma imagem e jogá-la fora é muito fácil, mas rasgar e jogar no lixo uma nota de R$ 100,00 ou um cheque de R$ 1.000,00 é bem mais difícil. Além disso, precisamos estar atentos a outros tipos de imagens que hoje ocupam o tempo que deveríamos dedicar para nos colocar na presença do verdadeiro Deus: as imagens virtuais que nos mantêm distraídos por horas diante da TV, do computador ou do celular...
Em relação aos Dez Mandamentos, a Igreja Católica é acusada de ter modificado o 1º. e o 3º. Vejamos como Jesus interpretou o 1º. Mandamento. Ele o resumiu nisto: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-40), isto é, toda a Escritura. Já a respeito do 3º. Mandamento – santificar o dia de sábado (cf. Ex 20,8-11), a mudança foi feita para o domingo por uma razão atestada pela própria Escritura: Jesus ressuscita na madrugada do primeiro dia da semana (cf. Mt 28,1-8; Mc 16,1-9; Lc 24,1-8; Jo 20,1-10); Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos na tarde do primeiro dia da semana (Jo 20, 19-29; Lc 24,13-35). A partir daí, os cristãos começam a se reunir no primeiro dia da semana (cf. At 20,7; 1Cor 16,1-2). Para todo cristão que celebra o domingo como “dia do Senhor” (Ap 1,10) vale perguntar-se: o domingo é santificado hoje? Ele pertence a Deus ou a mim?
 Jesus, o verdadeiro templo, é o “lugar” onde o ser humano se encontra com Deus. Mas o que Jesus encontrou no templo de Jerusalém? O que Ele encontra no templo que somos nós (corpo, consciência e coração)? Lembremos as palavras do apóstolo Paulo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16); “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus?” (1Cor 6,19). Aqui podemos considerar o que comemos e bebemos, o que vestimos, como lidamos com a nossa sexualidade, como entendemos as tatuagens e os piercings, e, principalmente, se o nosso jejum se traduz em solidariedade para com os pobres (cf. Is 58,3-12).
Numa época em que as pessoas escolhem a igreja ou a religião a partir do critério subjetivo “onde eu me sinto melhor”, é chocante essa atitude de Jesus: “Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do templo...” (Jo 2,15). Quem se sentiria bem sendo “chicoteado” pela Palavra de Deus? Quem de nós suportaria permanecer numa igreja onde a pregação do Evangelho provocasse em nossa consciência uma séria e necessária crise, ao invés de mantê-la acomodada na sua zona de conforto individualista? Qual pregador hoje teria a mesma liberdade de Jesus de dizer em alto e bom som aos seguidores da “sua” igreja aquilo que eles precisam ouvir e não aquilo que eles gostariam de ouvir?
No final do Evangelho de hoje, encontramos uma das afirmações mais importantes a respeito de Jesus: “Ele conhecia o homem por dentro” (Jo 2,25). Esse é o verdadeiro motivo pelo qual Jesus é livre diante de nós e não está preocupado em falar coisas que nos agradem, mas coisas que precisamos ouvir, do tipo “Tirai isso daqui!”: ‘Eu conheço você por dentro. Eu vejo você para além da sua máscara social; sinto o cheiro da sua alma para além do perfume que usa no seu corpo; conheço o seu verdadeiro status para além do WhatsApp, assim como conheço o seu verdadeiro perfil para além do Facebook. Eu vejo cada site onde você navega, assim como sei o que motiva você a navegá-los. Eu conheço sua luz, assim como sua sombra; sua força, assim como sua fraqueza; sei quais mecanismos de defesa você usa para tentar se proteger da dor; conheço as motivações que levam você a se colocar em oração ou a não fazê-lo, assim como as motivações que trazem você aqui nesta igreja ou que te ausentam dela a cada final de semana... Eu conheço você por dentro e por isso tenho toda a autoridade para denunciar a profanação que você tem feito do templo que você é, que é o seu próximo e o planeta em que você habita, e por isso venho hoje convidar você a devolver-se como habitação do Pai e a respeitar essa mesma habitação no seu semelhante e no planeta em que vive’.

 Para sua oração pessoal: 
TRANSFORMA-ME (Tony Allysson)

http://letras.mus.br/tony-allysson/transforma-me/

                               
                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi