quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

SÓ PODEMOS SER REDIMIDOS DO MAL QUE RECONHECEMOS HABITAR EM NÓS

Missa do 4º. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 18,15-20; 1Coríntios 7,32-35; Marcos 1,21-28.

Um dos filmes mais sérios a respeito da possessão demoníaca de uma pessoa é “O exorcismo de Emily Rose” (2005). A narrativa, baseada em fatos reais, procura responder a uma pergunta: Por que Deus permitiria que uma pessoa fosse possuída pelo espírito maligno? E a resposta é: Para que o mundo não duvide da existência do mal. De fato, Emily Rose tem a opção de parar de sofrer e partir para o céu, mas ela escolhe ficar e sofrer até o fim os ataques do maligno em seu corpo, para que as outras pessoas se convençam de que o mal não é um personagem fictício, mas algo real e destrutivo.
Onde você pode encontrar o mau espírito hoje? Nos bailes funks? No tráfico de drogas? No PCC? Na Polícia? Nas Milícias? Nas favelas? No centro? Na periferia? Nos investidores estrangeiros? Nas empresas multinacionais? No Governo? Na oposição? Em Brasília? No mundo? Nas igrejas? O Evangelho que acabamos de ler/ouvir nos mostra que o mau espírito sempre nos surpreende: ele pode ser encontrado onde menos imaginamos – numa sinagoga, numa igreja, num templo, numa casa de Deus! Na verdade, o mau espírito pode ser encontrado onde se encontra o ser humano, quem quer que seja ele: rico ou pobre; sábio ou ignorante; crente, agnóstico ou ateu.
A cena do Evangelho nos revela que o mal pode se esconder no coração de toda e qualquer pessoa, mas há uma “coisa” que o faz sair do seu esconderijo: a Palavra de Deus. O evangelista Marcos afirma que Jesus, na sinagoga de Cafarnaum, ensinava a Palavra de Deus, e o fazia com autoridade (cf. Mc 1,22). De onde vinha a autoridade de Jesus? Da sua obediência ao Pai, da sua conformação à vontade (Palavra) do Pai. A autoridade de um pregador não é garantida pelo anel que ele usa no dedo, nem pela cadeira ou pela cátedra na qual ele se assenta, nem pelos paramentos que ele veste, nem pela impostação da sua voz, nem pela sabedoria humana das suas palavras. Um pregador só fala com autoridade quando ele mesmo se submete à Palavra que está anunciando aos outros, ou seja, quando ele é o primeiro a se esforçar por viver aquilo que está ensinando aos demais.
A Palavra de Deus revela como está o coração de quem a anuncia e de quem a escuta. Neste sentido, o apóstolo Paulo nos convida a ter um coração não dividido, ou seja, um coração que saiba permanecer diante do Senhor sem distrações, nem preocupações. A Escritura nos ensina que o nosso Deus é “Um”, o único Senhor (cf. Dt 6,4), ao passo que a palavra Diabo significa “aquele que divide”. Um coração unido a Deus é um coração unificado, integrado, harmonizado, pacificado, o que se traduz por saúde física, mental e espiritual. Por outro lado, quem se deixa arrastar pela sedução do diabo experimenta dentro de si divisão, desintegração, desarmonia, inquietação, tornando-se doente física, psicológica e espiritualmente.
Este homem possuído pelo mau espírito nos questiona: Quem ou o quê me possui? Quem ou o quê eu permito que tome posse de mim? O mato sempre toma conta de um terreno abandonado, mas nunca de um terreno cultivado. O que eu cultivo em mim: União ou divisão? Verdade ou mentira? Coerência ou incoerência? Diante do ensinamento de Jesus, o mau espírito grita. Seu grito é o grito de um fracassado, de um derrotado, de quem sabe que não pode nada contra Jesus. Mas o seu grito também é uma forma de querer nos impedir de ouvir a palavra de autoridade de Jesus.
O grito do mau espírito se traduz em palavras: “Viste para nos destruir?” (Mc 1,24). Sim! Jesus veio para destruir o mal, mas não para destruir quem está possuído pelo mal. Duas coisas precisam ser consideradas neste grito do maligno: 1) O grito do mau espírito é sempre uma tentativa de nos intimidar: ‘Não se aproxime de mim, porque eu te destruo!’ ‘Não tente me expulsar de você porque eu te machuco mais ainda!’; 2) O grito do mau espírito afirma saber quem somos. Ele diz a Jesus: “Eu sei quem tu és: tu és o santo de Deus” (Mc 1,24). Jesus é Santo porque separado do mau; Santo porque decidiu pertencer somente a Deus. Por isso, o mau espírito nunca encontrou lugar para se alojar dentro de Jesus. Mas nós somos santos e pecadores. O mau espírito conhece o ponto fraco de cada um de nós e é ali que ele nos visita e nos tenta. É ali que ele nos acusa de sempre fracassarmos em nossa busca de santidade, de coerência e de obediência à vontade do Pai.
Diante dos gritos do mau espírito, Jesus fala firme: “Cala-te e sai dele!” (Mc 1,25). A voz do mau espírito se cala dentro de nós na medida em que escolhemos ouvir a voz de Jesus: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: ‘Não fecheis o vosso coração...’” (Sl 95,7-8). Dizer ao mau espírito: “Cale-se!” significa não dar ouvidos ao que ele nos diz, ao que ele nos sugere fazer. Porém, o mau espírito não aceita nos deixar facilmente. Ele resiste, nos machuca e a nossa libertação dele só se dá com muita determinação, luta e perseverança. “Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu” (Mc 1,26).
Quem estava na sinagoga exclamou, a respeito de Jesus: “ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” (Mc 1,27). Jesus tem poder sobre os espíritos maus porque vive debaixo do poder do Pai. O mal nunca consegue dominar quem se coloca diariamente sob o domínio de Deus. Os espíritos maus obedecem Jesus porque Ele obedece o Pai. Quem não vive na obediência a Deus não tem força contra o mal.
Examinemos o terreno do nosso coração: só é possível ser curado quem se reconhece doente. Não tenhamos medo de reconhecer o mal que também habita em nós. Não caiamos na tentação ilusória de eliminá-lo de nossa vida de uma vez por todas (fanatismo). Além disso, rezemos pelas pessoas que estão optando pelo mal (seitas satânicas, por exemplo), justificando que ‘o mal responde rápido; Deus demora’. Não tenhamos medo de nos colocar diariamente diante da Palavra de Deus, cuja verdade sempre faz a nossa mentira vir à tona. Lembremos do que disse Santo Agostinho: “A palavra de Deus é o inimigo da tua vontade, até tornar-se originador da tua salvação. Então, a palavra de Deus também estará em harmonia contigo”.

Para a sua oração pessoal: Pelo poder da Tua palavra (Diego Fernandes)

                                                                       Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

OU VOCÊ MUDA, OU ACABARÁ SE DESTRUINDO

Missa do 3º. dom. comum. Palavra de Deus: Jonas 3,1-5.10; 1Coríntios 7,29-31; Marcos 1,14-20.

“A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas pela segunda vez” (Jn 3,1), já que na primeira vez ele não aceitou a missão de anunciar a Palavra à cidade de Nínive. Quantas vezes temos ouvido a Palavra de Deus, mas permanecemos no mesmo lugar, sem nos mover, sem nos dispor a mudar, a nos converter? Quantas vezes ainda será necessário que Deus fale com você, até que decida obedecê-Lo? “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (Jn 3,4). Quanto tempo você tem? Quanto tempo você acha que tem para mudar? Quando tempo você acha que a humanidade tem para parar de se destruir? Há um tempo para você mudar, mas este tempo está abreviado (cf. 1Cor 7,29). Seja por meio de Jonas (1ª. leitura), de Paulo (2ª. leitura), ou de Jesus (Evangelho), este é recado de Deus hoje, para cada um de nós: Ou você muda de comportamento, ou será destruído! Ou você muda de atitude, ou seu relacionamento, sua família, sua vida profissional, sua saúde, sua fé etc. serão destruídos! Os ninivitas, ouvindo isso, acreditaram em Deus, se afastaram do mau caminho e foram salvos. Quando é que você vai decidir fazer o mesmo, ou você é do tipo que acha que são os outros que estão no mau caminho, não você?  
“O tempo está abreviado” (1Cor 7,29). Nós temos a forte sensação de que o tempo passa cada vez mais rápido. De fato, as 24 horas do dia são sentidas como se fossem apenas 16. Nós reclamamos que não temos tempo, mas ao mesmo tempo, desperdiçamos tempo! Quanto tempo perdemos no Face, no WhatsApp, na internet? Quanto tempo desperdiçamos com coisas fúteis? Jesus disse: “O tempo já se completou” (Mc 1,15). O tempo da espera, o tempo da promessa passou; vivemos agora o tempo do cumprimento, quando Jesus diz: “Eis que eu estou à porta e bato...” (Ap 3,20). “Estou” – tempo presente, no qual devemos tomar uma decisão: abrir ou manter a porta fechada.
Se existe algum risco para a nossa conversão, para a nossa salvação, não é tanto a falta de tempo para mudar, mas a distração. A questão não é que talvez não tenhamos tempo suficiente para mudar nosso comportamento, mas o fato de que muitas vezes jogamos fora o tempo de que dispomos porque vivemos distraídos, alienados e anestesiados, sobretudo pelos meios de comunicação. Paulo disse que “o tempo está abreviado” (1Cor 7,29) porque “a figura deste mundo passa” (1Cor 1,31), e o nosso grande engano tem sido o de nos conformar com o mundo, ou seja, de adotar a forma do mundo, de um mundo que está destinado a desaparecer, a passar.  
Jesus nos convida a dirigir nosso olhar não para o que está passando, mas para o que está chegando: “(...) o reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Aproxima-se a chegada do Reino de Deus; aproxima-se o confronto da vida de cada um de nós com a verdade de Deus, o momento onde tudo o que não está em Deus desaparecerá e só permanecerá aquilo que está em Deus, como diz a Escritura: “O mundo passa com suas paixões; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jo 2,17). Diante da chegada do Reino de Deus, Jesus clama: “Convertam-se e creiam no evangelho!” (Mc 1,15).
Existe hoje uma multiplicidade de pregadores do evangelho. Quantos deles falam da necessidade de conversão? Quantos deles têm a coragem que Pedro teve de anunciar, no dia de Pentecostes: “Salvem-se desta geração perversa!” (At 2,40)?  Não nos enganemos! Anunciar a necessidade de conversão é tarefa difícil, porque aquele que fala de conversão é visto como um portador de más notícias, uma espécie de estraga-prazer, um pessimista... Não por nada, muitas igrejas, para atraírem adeptos, se adaptam. Desse modo, elas se tornam tão doentes quanto o mundo, quando a missão de cada igreja é justamente a de oferecer cura a um mundo que se torna cada dia mais doente...
Jonas, Paulo, Simão, André, Tiago e João: pessoas chamadas por Deus para se tornarem salvadores de outras pessoas. Hoje Deus dirige esse chamado a cada um de nós. Nossa conduta deve ser aquela de Paulo: “Para os fracos, eu me fiz fraco, a fim de salvar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo” (1Cor 9,22). Contudo, não nos esqueçamos de que a conversão é uma tarefa contínua: todos os dias você é chamado a ajustar a sua vida, a rever o rumo que está tomando à sua existência, a reorientar o seu coração para Deus. Hoje, especialmente, você pode se perguntar: Há algo que está ameaçando me destruir? Estou descuidando da minha própria salvação? O quanto eu estou apegado à figura passageira deste mundo? Eu me preocupo com a salvação das outras pessoas? Sou para elas um sinal de conversão?

Sugestão de música para a sua oração pessoal: Converte-me, Senhor (Diego Fernandes)

                                                                       Pe. Paulo Cezar Mazzi

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O QUE EU PROCURO COM A MINHA VIDA?

Missa do 2º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Samuel 3,3b-10.19; 1Coríntios 6,13c-15a.17-20; João 1,35-42.

            Dizem que os momentos mais delicados para os pilotos de avião são basicamente dois: quando o avião decola e quando ele aterriza. Nesses momentos, tudo praticamente depende dos pilotos. Depois que o avião está no ar, seguindo a sua rota, ele normalmente é colocado no “piloto automático”, e então piloto e co-piloto ficam relativamente tranquilos, quase que apenas observando os equipamentos, enquanto que o avião segue por si mesmo a rota.
            Nós também gostaríamos que a vida fosse assim, que funcionasse no piloto automático, que não precisássemos ser questionados se estamos ou não no rumo certo, se devemos ou não fazer reajustes, revisão de metas ou mudança de rota. Aliás, o que nós mais costumamos fazer, sem nos dar conta, é funcionar no piloto automático: fazemos tudo quase que mecanicamente. É a rotina nossa de cada dia...  
De repente, Jesus aparece no Evangelho de hoje e nos faz uma pergunta: “O que vocês estão procurando?” (Jo 1,38). Essa pergunta pode se desdobrar em várias outras: O que você procura? Aonde você quer ir com a sua vida? O que é que realmente queremos? Vale a pena fazer o que estamos fazendo? Nosso caminhar está nos conduzindo efetivamente a algum lugar? A pergunta de Jesus nos obriga a sair do piloto automático e a entender que a direção da nossa vida não está predeterminada, mas ela depende exatamente do que nós estamos procurando. O que eu procuro orienta a direção que dou à minha vida. Se eu não busco nada, não chego a lugar nenhum.
Santo Agostinho dizia: “Senhor, o nosso coração foi feito para vós, e só achará descanso em vós”. Isso significa que se a direção que temos dado à nossa vida não estiver nos levando para Deus, estamos correndo o risco de falhar em nossa existência, de trair a nossa vocação e de nos afastar da nossa verdade mais profunda. Sim. Talvez você se pergunte: “Mas, qual é a minha vocação?” Você descobre qual é a sua verdadeira vocação quando aquilo que você faz te realiza de tal forma que você reconhece: “Eu nasci para isso! Eu vim ao mundo para isso! É aqui que está a minha verdade, a minha essência como pessoa!”
  Diante da pergunta de Jesus, os discípulos responderam: “Mestre, onde moras?” (Jo 1,38). Querer saber onde Jesus mora significa não se contentar em escutar o que os outros dizem d’Ele, mas em querer ter uma experiência pessoal de encontro com Ele. Aqueles discípulos quiseram ficar com Jesus porque sentiram que Ele podia lhes ensinar algo que ainda não conheciam; eles sabiam que Jesus poderia ajudá-los a viver a vida de uma maneira mais profunda, uma vida que enchesse o coração deles de sentido.
Todos nós preferimos respostas, não perguntas. No entanto, são as perguntas que nos fazem caminhar; são elas que nos desacomodam e nos tiram da nossa zona de conforto; são elas que podem trazer a cura para a nossa doença e libertação para aquilo que nos aprisiona. O que você tem procurado com a sua vida? O que você procura com a forma como lida com seu corpo, com sua afetividade e com sua sexualidade? (ver 2ª. leitura). O que você procura quando bebe, quando se droga, quando trai? O que você procura no consumismo, no exibicionismo, no narcisismo, naquilo que você posta no seu Face? O que você procura quando vai – ou deixar de ir – a uma igreja? O que você procura entre os seus contatos no watts zap?  
Não tenha medo de ficar diante dessa pergunta. Não tenha medo de permitir que ela permaneça dentro de você: “O que eu estou procurando?” Mas também não tenha medo de saber onde Jesus mora. Não se surpreenda se você descobrir que Ele mora nas pessoas e nas situações às quais você vive evitando e pagando para não se confrontar. Não se surpreenda se descobrir que Jesus mora naquele lugar dentro de você onde você detesta ir, aquele lugar do qual você vive fugindo, porque te parece assustador e ameaçador. Quanto mais você se aproximar do lugar onde Jesus mora dentro de você e mais tiver a coragem de permanecer ali, maior será a sua chance de cura e de libertação.

                                           Pe. Paulo Cezar Mazzi



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

MERGULHAR POR INTEIRO NA FONTE DE ÁGUA VIVA

                Missa do Batismo do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 42,1-4.6-7;       
                Atos dos Apóstolos 10,34-38; Marcos 1,7-11.

       Uma das imagens que a Bíblia usa para nos falar de Deus é “fonte de água viva” (Jr 2,13). Aproximar-se dessa fonte é viver; afastar-se dela é morrer. Ao falar para nós sobre o batismo de Jesus, a liturgia de hoje quer nos fazer refletir: de qual fonte eu tenho bebido? Além disso, “batismo” significa “mergulho”: onde estou mergulhado(a) neste momento? Ouvimos dizer que tal país mergulhou na recessão, tal empresa está mergulhada em dívidas, tal pessoa está mergulhada na depressão ou nas drogas, tal relacionamento está mergulhado numa crise, tal cidade está mergulhada na violência, tal governo está mergulhado na corrupção etc.
          Se Deus é fonte de água viva, como é o seu relacionamento com Ele? Você mergulha de cabeça nas águas dessa fonte, ou apenas coloca a ponta dos pés? Quando entra no rio de água viva que é Deus, você se solta, flutua nele e deixa a correnteza te levar mansamente, ou começa a nadar desesperadamente contra a corrente, tornando esse mergulho uma experiência por demais cansativa e desgastante?
           Se você quiser de fato mergulhar na fonte de água viva, terá que olhar com coragem para dentro de si mesmo(a), e estar disposto(a) a romper aquela camada de concreto que você mesmo(a) construiu ao longo da vida para manter-se separado(a) da fonte de água viva, por medo que ela o(a) afogasse. Você terá que confiar que o mergulho não é para te afogar, mas para ajudá-lo(a) a aprofundar a sua comunhão com Deus e com o seu Espírito.
          Sim. O mergulho na fonte de água viva é um mergulho no Espírito de Deus; é um deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus (cf. Rm 8,14): “Coloquei meu espírito sobre ele” (Is 42,1). Quando o Espírito de Deus está sobre nós, ou seja, quando nos submetemos a Ele, há uma mudança em nosso comportamento: não gritamos, não fazemos estardalhaço, não agredimos as pessoas com palavras. Pessoas que gritam, que falam alto e que agridem os outros com palavras são pessoas perturbadas interiormente, pessoas que inconscientemente estão pedindo socorro.
           Além disso, quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus não quebramos a cana que já está rachada, nem apagamos o pavio que está quase por apagar-se, porque o Espírito nos faz acreditar no bem que pode ser recuperado, que ainda existe dentro de nós e de cada ser humano. O Espírito nos ensina a não violentar a natureza humana, mas a entender que a graça de Deus sempre leva em conta a nossa natureza, com as suas imperfeições e também com a sua capacidade de crescer e de se transformar. Enfim, o Espírito de Deus nos torna pacientes, misericordiosos e otimistas, seja em relação a nós mesmos, seja em relação aos outros; Ele nos encoraja e nos anima diante das adversidades.
          “Eis a voz do Senhor sobre as águas, sua voz sobre as águas imensas” (Sl 29,3). Segundo Jung, a água simboliza o nosso inconsciente. Nele estão guardados os nossos opostos: a nossa dor e a nossa delícia, o nosso medo e a nossa coragem, o nosso lado ruim e o nosso lado bom, o nosso lobo e o nosso cordeiro: ambos precisam ouvir a voz de Deus, ambos precisam se deixar conduzir pelo Espírito de Deus, ambos precisam aprender a conviver juntos, porque ambos contém uma parte da nossa verdade.
          O batismo que recebemos, o mergulho na fonte de água viva que é Deus, não existe em função de nós mesmos, como se fosse um sacramento exclusivamente de autoajuda. Ele é um sacramento “para”: “Eu, o Senhor, te chamei... eu te formei e te constituí como... luz das nações..., para abrir os olhos dos cegos, tirar os cativos da prisão, livrar do cárcere os que vivem nas trevas” (Is 42,6.7). Da mesma forma como aconteceu com Jesus, o batismo que recebemos nos unge com o Espírito Santo e com poder a fim de que possamos andar por toda a parte fazendo o bem, restaurando a verdade e a justiça no seio da sociedade humana.  
         No momento do batismo de Jesus, o céu se abriu e do céu veio uma voz: “Tu és o meu filho amado, em ti ponho meu benquerer” (Mc 1,11). Quantas pessoas à nossa volta sentem o céu fechado sobre elas? Quantas ignoram a presença do Espírito Santo dentro delas? Quantas não se sabem amadas por Deus como filhas? Quantas permanecem à beira da fonte de água viva, mas impedidas de mergulhar por causa das normas que criamos, mais para favorecer tradições humanas do que para conscientizá-las a respeito do que esse mergulho significa para a vida do dia a dia? Quantas desistiram de se aproximar dessa fonte graças a nós, que lhes fechamos a porta? Mas também quantas ainda hoje mergulham na fonte de água viva, mas nada absorvem dela, porque são como um copo cheio, onde nada mais pode ser colocado?
           Peçamos ao Senhor que nos leve às águas profundas e avive de novo o Espírito que recebemos em nosso batismo. Que nos deixemos conduzir pelo Espírito Santo, vivendo a partir de dentro, a partir de Deus, a partir da profundeza da verdade e da justiça, e não a partir da superficialidade do mundo. Além disso, assumamos a atitude concreta de não desperdiçar água...  
           
Para a sua oração pessoal:
ÁGUAS PROFUNDAS (Tony Allysson)
https://www.youtube.com/watch?v=M3yxz8wFJTM

                                                                 Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 3 de janeiro de 2015

FAÇA NOVO O TEU ANO - Frei Betto

 

Neste ano-novo, se faça novo, reduza a ansiedade, regue de ternura os sentimentos mais profundos, imprima a seus passos o ritmo das tartarugas e a leveza das garças.

Não se mire nos outros; a inveja mina a autoestima, fomenta o ressentimento e abre, no centro do coração, o buraco no qual se precipita o próprio invejoso.

Espelhe-se em si mesmo, assuma seus talentos, acredite em sua criatividade, abrace com amor sua singularidade. Evite, porém, o olhar narcísico. Seja solidário: estenda aos outros as mãos e oxigene a própria vida. Não seja refém de seu egoísmo.

Cuide do que fala. Não professe difamações e injúrias. O ódio destrói a quem odeia, não o odiado. Troque a maledicência pela benevolência. Comprometa-se a expressar alguns elogios por dia. Sua saúde espiritual agradecerá.

Não desperdice a existência hipnotizado pela TV ou navegando aleatoriamente pela internet, naufragado no turbilhão de imagens e informações que não consegue sintetizar. Não deixe que a sedução da mídia anule sua capacidade de discernir e o transforme em consumista compulsivo. A publicidade sugere felicidade e, no entanto, nada oferece senão prazeres momentâneos.

Centre sua vida em bens infinitos, nunca nos finitos. Leia muito, reflita, ouse buscar o silêncio neste mundo ruidoso. Lá encontrará a si mesmo e, com certeza, um Outro que vive em você e que quase nunca é escutado.

Cuide da saúde, mas sem a obsessão dos anoréticos e a compulsão dos que devoram alimentos com os olhos. Caminhe, pratique exercícios, sem descuidar de aceitar as suas rugas e não temer as marcas do tempo em seu corpo. Frequente também uma academia de malhar o espírito. E passe nele os cremes revitalizadores da generosidade e da compaixão.

Não dê importância ao que é fugaz, nem confunda o urgente com o prioritário. Não se deixe guiar pelos modismos. Faça como Sócrates, observe quantas coisas são oferecidas nas lojas que você não precisa para ser feliz. Jamais deixe passar um dia sem um momento de oração. Se você não tem fé, mergulhe em sua vida interior, ainda que por apenas cinco minutos.

Arranque de sua mente todos os preconceitos e, de suas atitudes, todas as discriminações. Seja tolerante, coloque-se no lugar do outro. Todo ser humano é o centro do Universo e morada viva de Deus. Antes, indague a si mesmo por que, às vezes, provoca nos outros antipatia, rejeição, desgosto. Revista-se de alegria e descontração. A vida é breve e, de definitivo, só conhece a morte.

Faça algo para preservar o meio ambiente, despoluir o ar e a água, reduzir o aquecimento global. Não utilize material que não seja biodegradável. Trate a natureza como aquilo que ela é de fato: a nossa mãe. Dela viemos e a ela voltaremos. Hoje, vivemos do beijo na boca que ela que nos dá continuamente: ao nutrir cada um de nós de oxigênio e alimentos.

Guarde um espaço em seu dia a dia para conectar-se com o Transcendente. Deixe que Deus acampe em sua subjetividade. Aprenda a fechar os olhos para ver melhor.

Feliz 2015!

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros. 


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

SER LUZ PARA OS QUE SE ENCONTRAM NA ESCURIDÃO

Missa da Epifania do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 60,1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12.  

            Normalmente nós não gostamos da escuridão. Além de causar medo em muitos de nós, como se escondesse uma ameaça dentro de si, a escuridão pode ser tão grande que nos impede de caminhar. É quando somos obrigados a parar, até que uma luz se acenda e nos mostre a direção que devemos seguir. Tanto os psicólogos, quanto os orientadores espirituais, nos ensinam que numa experiência de escuridão não se deve tomar decisão. É preciso esperar, suportar a escuridão, até que tenhamos luz interior suficiente para saber qual decisão tomar na vida.
A escuridão pode surgir em vários aspectos da nossa vida: emocional, espiritual, profissional etc. O que nos ajuda a lidar com ela é a nossa entrega e a nossa confiança em Deus: “O Senhor é minha luz e minha salvação” (Sl 27,1); “Enviai vossa luz, vossa verdade: elas serão o meu guia” (Sl 43,3). Além disso, a experiência da escuridão pode se tornar o momento privilegiado do encontro com Deus e com a sua luz: “Levante-se, acenda as luzes, porque a sua luz chegou, a glória do Senhor brilha sobre você” (Is 60,1), palavras ditas a Jerusalém, uma cidade que precisava se levantar das suas ruínas e se reconstruir. Não há noite que dure para sempre, e mesmo quando anoitece em nossa vida, Deus acende as estrelas. Exemplo concreto: quando muitos teólogos diziam que a humanidade – e particularmente a Igreja – estava vivendo um “eclipse” de Deus, surge o Papa Francisco, que insistentemente tem nos convidado a nos levantar e a levar a luz da alegria do Evangelho para os que vivem na escuridão das periferias da vida.
Assim como uma estrela guiou os magos até Jesus, assim Deus nos chama a ser uma luz para os que vivem na escuridão. Se existe hoje um certo eclipse de Deus, um certo apagamento da Sua presença no meio do mundo, esse apagamento também se deve ao esfriamento da nossa fé, na medida em que vamos permitindo que o mundo deforme a nossa consciência e reduza a nossa fé a um querer ficar constantemente acomodados sob a luz de Deus, sem no entanto nos dispor a comunicá-la aos que estão na escuridão.     
“A estrela que tinham visto no Oriente ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino. Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande” (Mt 2,9-10). A procura dos magos por Jesus foi marcada pela determinação. Temos essa determinação em nossa procura por Deus? Temos determinação em continuar a ser um sinal que conduz as pessoas para Deus, ou estamos decididos a abandonar esse ideal porque o preço a pagar é muito alto e parece valer mais a pena aderir à escuridão que se encontra à nossa volta?
 Esta cena dos magos ajoelhados diante de Jesus também é questionadora: diante de quem ou do quê estamos ajoelhados? Os filhos veem seus pais ajoelhados diante do quê ou de quem hoje em dia? Seus joelhos ainda se dobram diante de Deus? Com que frequência? Nós nunca estamos tão perto de Deus quando nos ajoelhamos, embora esse ajoelhar-se também deve ser acompanhado de uma submissão interna do coração a Deus, um dobrar-se diante da Sua vontade. Quem diariamente dobra seus joelhos diante de Deus encontra forças para não se dobrar diante das dificuldades e desafios da vida.
Ajoelhados diante de Jesus, os magos “o adoraram”. As palavras de João Batista podem nos ajudar a entender o que significa ADORAR: “É necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). A adoração é verdadeira na medida em que Deus cresce e o nosso ego diminui. Mas hoje as coisas se inverteram. Os altares, os púlpitos e as igrejas eletrônicas se tornaram o lugar onde o EU do pregador cresce e o DEUS a ser anunciado diminui. Com o passar do tempo, a figura do pregador se desgasta, seu “ibope” cai, uma boa parte dos seus fãs migra para outro “ídolo” e o lugar que Deus deveria ocupar no seu coração é tomado pelo vazio e pela depressão. Fica a pergunta para cada um de nós: como adorar a Deus numa época em que estamos adoecidos pelo narcisismo, ajoelhados diante da nossa própria imagem, e Deus é buscado apenas como uma luz para que nossa imagem brilhe e seja vista pelos outros?        
Ao final da adoração, os magos “abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11). Quando nossa adoração a Deus é verdadeira, brota do nosso coração o sincero desejo de dar a Deus o nosso melhor; é quando abandonamos a condição confortável de consumidores da comunidade e abraçamos a nossa verdadeira vocação de construtores da comunidade; é quando, mesmo na dor, representada pela mirra, somos capazes de sacrificar a Deus aquilo que mais amamos (cf. Gn 22,2), para que a Sua luz brilhe ainda mais em nós e possa chegar aos outros, apesar da nossa fraqueza e da nossa imperfeição humana.

           Sugestão de música para a sua oração: NASCI PRA TE 

ADORAR (Filhos do Homem)

           http://letras.mus.br/filhos-do-homem/1372483/

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

CONFIAR EM DEUS - Você consegue?

               
            Jerusalém “não confiou no Senhor, não se aproximou de seu Deus” (Sf 3,2), denunciou o profeta Sofonias. E por isso, multiplicou seus sofrimentos; sofreu muito mais do que deveria, porque se colocou em mãos erradas (alianças políticas), porque achou mais fácil apoiar-se no ser humano do que em Deus. Já o profeta Jeremias havia advertido a respeito dessa escolha errada que fazemos com tanta frequência, dessa loucura de deixar de nos apoiar em Deus para nos apoiar no ser humano: “Maldito (infeliz) o homem que confia no homem, que faz da carne (fragilidade humana) a sua força, mas afasta o seu coração do Senhor!” (Jr 17,5).
            Quantas decisões erradas já tomamos na vida por não confiarmos em Deus? Quantos se desesperaram, se precipitaram e pioraram ainda mais a sua situação de sofrimento, porque quiseram resolver as coisas do seu jeito, com suas próprias mãos, ao invés de se submeterem debaixo da poderosa mão de Deus, aguardando o momento certo d’Ele se manifestar (cf. 1Pd 5,6)?
            Também por meio do profeta Isaías, Deus denuncia: “Visto que rejeitastes esta palavra (a minha Palavra) e pusestes a vossa confiança na fraude e na tortuosidade, (...) este comportamento perverso será para vós (...) como a quebra de um vaso de oleiro, despedaçado sem piedade: dele não se consegue encontrar um caco entre os fragmentos... Na conversão e na calma estava a vossa salvação, na tranquilidade e na confiança estava a vossa força, mas vós não o quisestes!” (Is 30,12.14.15).
            Confiar em Deus é abrir mão do controle das coisas, é deixar de nos guiar pela nossa própria cabeça, para obedecer ao que Deus nos mostra na sua Palavra; é aceitar que neste momento não há o que fazer, a não ser esperar, esperar pelo tempo de Deus, pelo Seu momento oportuno. Confiar em Deus é reconhecer que nós não enxergamos um palmo à frente do nosso nariz, enquanto Deus vê longe, vê o que ainda não podemos ver, e por isso Ele está dando à nossa vida uma orientação que, por enquanto, não entendemos e que nos parece absurda, sem sentido. 
            “Eis que os olhos do Senhor estão voltados para os que o respeitam, os que confiam, esperando em seu amor, para da morte libertar a sua vida e no tempo da fome fazê-los viver... Nele se alegra o nosso coração, é no seu nome santo que confiamos” (Sl 33,18.21). Neste início de ano, renovemos a nossa confiança em Deus. Soltemos as nossas mãos das falsas seguranças humanas. Deixemos de nos apoiar na fragilidade dos homens e entreguemos nossa frágil existência às mãos de Deus, como nos aconselha a Sagrada Escritura: “Confie no Senhor e faça o bem... Coloque tua alegria em Deus e ele realizará os desejos do teu coração. Entregue teu caminho ao Senhor, confie nele e ele agirá... Descanse em Deus e nele espere” (Sl 37,3-5). 

                                          Pe. Paulo Cezar Mazzi