quinta-feira, 27 de novembro de 2014

ESPERAR N'ELE E POR ELE

Missa do 1º. dom. do advento. Isaías 63,16b-17.19b; 64,2b-7; 1Coríntios 1,3-9; Marcos 13,33-37.

O tempo do Advento, que iniciamos hoje, além de nos preparar para celebrarmos o nascimento do nosso Salvador, Jesus Cristo, quer nos preparar para a sua segunda vinda, pois a Escritura diz: Cristo “virá uma segunda vez... àqueles que o esperam para lhes dar a salvação” (Hb 9,28). Por isso, o Advento se traduz por uma espera: esperar Aquele que vem. O problema é que nós desaprendemos esperar. Quando temos de esperar, ficamos frustrados. Mas esperar tem a ver com esperança. Nós esperamos no Senhor e pelo Senhor: “Esperamos n’Ele, até que nos salvou” (Is 25,9). Por isso, se você já desistiu de esperar em Deus e por Deus, desperte a sua esperança a partir desta declaração de fé do profeta Isaías: “Nunca se ouviu dizer... que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam” (Is 64,3).
A atitude da espera em Deus e por Deus foi descrita por Jesus no Evangelho usando a imagem do porteiro. É o porteiro quem deve abrir a porta para o dono da casa, assim que ele chegar. Além disso, na ausência do dono da casa, é o porteiro quem decide quem ou o quê entra na casa. A casa é um símbolo em aberto: ela pode significar nós mesmos, nosso corpo, nossa consciência (pensamentos), nosso coração (sentimentos); ela pode significar também nossa família, nosso local de trabalho, o meio ambiente etc. Uma vez que você é o porteiro, cabe perguntar-se: Para o quê eu tenho fechado a porta da minha vida e precisaria abri-la? Para o quê eu tenho aberto a porta da minha vida e precisaria fechá-la?’
            A responsabilidade do porteiro é vigiar a casa que está sob os seus cuidados. Vigiar supõe não dormir. Dormir, por sua vez, significa anestesiar a consciência, acomodar-se, distrair-se, fechar-se no próprio individualismo, não dar-se conta do perigo que ronda sua própria vida, abandonar o caminho da justiça, da coerência, da fidelidade ao Evangelho de Cristo. Dormir é fazer corpo mole quanto àquilo que diz respeito à sua própria salvação.  
O Deus em quem esperamos e a quem aguardamos é, segundo o profeta Isaías, “nosso pai” e “nosso redentor” (cf. Is 63,16b). A questão é: quem sente necessidade de um pai? Quem sente necessidade de um redentor? Para quantas pessoas, a figura do pai é desconhecida ou negativa? Quantos já se habituaram a viver a vida sem pai e não sentem necessidade alguma de um? Para quê precisamos de um redentor? Precisamos ser redimidos do quê? Muitos não esperam mais em Deus e por Ele porque acharam melhor aprender a sobreviver sozinhos e a contar unicamente consigo mesmos...
Já na sua época, o profeta Isaías constatou: “Não há quem invoque teu nome (abandono da oração), quem se levante para encontrar-se contigo (abandono da fé – deixar de buscar a Deus)” (Is 64,8). Mas no coração de toda pessoa que sente a necessidade de um pai e de um redentor, uma súplica não aceita ser abafada ou silenciada: “Ah! se rompesses os céus e descesses!” (Is 63,19b.). O Advento nos desafia a redobrar a nossa oração, a nossa busca por Deus, suplicando que os céus se abram e derramem a presença de Deus e da sua salvação no mundo, em cada casa, em cada ambiente de trabalho, no coração de cada ser humano, onde quer que haja guerra, violência, injustiça, doença, dependência química, falta de entendimento, desestruturação familiar, desemprego, fome, ideia de suicídio etc.
Deus faz pelos que n’Ele esperam (cf. Is 64,3). Deixar de esperar em Deus significa sair das Suas mãos, trancar a porta para que Ele não entre, desconectar o nosso coração do Seu, desistir de ficar on line, no que diz respeito à nossa espiritualidade. Deus vem, nos lembra o profeta Isaías, mas vem “ao encontro de quem pratica a justiça com alegria” (Is 64,4), de quem assume uma postura justa perante toda e qualquer circunstância, e não apenas quando está sendo visto, observado ou vigiado. Deus vem e se deixa encontrar por quem caminha nos Seus caminhos, com o coração e a consciência voltados para Ele.
Além de ser um tempo de espera, o Advento também é tempo de conversão, no sentido de reconhecer e nos dispor a rever toda atitude nossa que não deixa a vida se renovar em nós, à nossa volta e no mundo em que vivemos: “Nós pecamos..., nos tornamos imundície..., murchamos como folhas, e nossas maldades nos empurram como o vento” (Is 64,4b.5). Essa estranha sensação que temos de que o nosso mundo (ou casa, local de trabalho, igreja, vida) é manipulado, sacudido e jogado de um lado para outro por uma Mão invisível, que parece ter o prazer de nos jogar contra a parede, como se fôssemos uma bola de papel amassado, tem nome, endereço, RG, CPF, e-mail, telefone fixo, celular etc.: ela se chama “nossas maldades”
“Assim mesmo”, diz o profeta Isaías, apesar de nossa teimosia em assumirmos um comportamento maléfico para nós mesmos, para os que convivem conosco e para o nosso planeta; apesar de insistirmos em nos bater contra uma parede de concreto, nos esquecendo de que somos frágeis como um vaso de barro, temos um Deus a quem suplicar e por quem esperar como pai e redentor: “Assim mesmo, Senhor, tu és o nosso pai, nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).
Portanto, neste início de Advento, nos coloquemos como barro nas mãos do nosso Oleiro... Quero colocar em Tuas mãos a minha vida, me deixar remodelar como um vaso do oleiro. O meu coração ponho hoje em Teu altar. Minha vida está pronta pra recomeçar ao lado Teu. Ser todo Teu, inteiro Teu. Quero ajuntar cada pedaço do meu ser. Ser todo Teu, inteiro teu. Quero Te dar os meus pedaços para que um vaso novo eu possa ser! (bis) (Música “Todo Teu”, de Eros Biondini.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

ENXERGAR PARA ALÉM DA TELA DO CELULAR

Missa de Cristo Rei – Palavra de Deus: Ezequiel 34,11-12.15-17; 1Coríntios 15,20-26.28; Mateus 25,31-46.

            “E nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz...” (Legião Urbana, Metal contra as nuvens). Chegamos a mais um final de um ano litúrgico. Todo final é carregado de esperança. Quando lemos um livro ou assistimos a um filme ou novela, esperamos que o final nos traga respostas, decifre o mistério, faça justiça – no sentido de que a verdade prevaleça sobre a mentira, a luz prevaleça sobre a escuridão, a morte prevaleça sobre a vida, o bem prevaleça sobre o mal.  
            Se agora vemos as coisas de maneira confusa, no final veremos face a face; se agora as peças do quebra-cabeça da vida estão espalhadas, no final elas se encaixarão perfeitamente umas nas outras; se agora temos que lidar com muitos desencontros, no final haverá o grande encontro; se agora tudo parece estar misturado – a verdade com a mentira, a justiça com a injustiça, o bem com o mal – no final haverá uma separação: “Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros...” (Mt 25,32).
            Nesta cena do Evangelho, conhecida como julgamento final, separar significa fazer justiça: “Eu farei justiça entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). Ainda que estejamos acostumados com a injustiça e a impunidade, a Sagrada Escritura garante que, no final, “todos nós compareceremos perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito durante sua vida no corpo, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor 5,10). Sim, mas o que significa fazer o bem ou fazer o mal numa sociedade como a nossa, onde os valores estão invertidos, onde aquilo que é o bem passa a ser rotulado de mal, e aquilo que é o mal passa a ser propagandeado como sendo o bem? (cf. Is 5,20).
            Para Jesus, fazer o bem ou fazer o mal se traduz concretamente na forma como nos envolvemos com a dor humana, isto é, se somos solidários ou indiferentes com quem sofre: “Vinde, benditos de meu Pai!... Pois eu estava com fome e me destes de comer... Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que fizestes!... Afastai-vos de mim, malditos!... Pois eu estava com fome e não me destes de comer... Todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!” (Mt 25,34.35.40.41.42.45).   
            O envolvimento com a dor alheia começa pelos olhos, chega ao coração e se concretiza nas mãos (atitudes). Tanto os que estavam à direita como os que estavam à esquerda de Jesus lhe perguntaram: “Quando foi que te vimos com fome...?” (Mt 25,37.44). A nossa geração se permite ser afetada pela dor alheia? Como nos envolver com a dor de quem está ao nosso lado, se nossos olhos estão, a maior parte do tempo, fixos na tela do nosso celular? Se é verdade que o que os olhos não veem o coração não sente, como o nosso coração pode ser afetado pela dor do outro, se a única coisa que os nossos olhos veem são os nossos “selfies”*?
            Numa época em que a prioridade dos pastores (líderes políticos e religiosos) deixou de ser cuidar do rebanho e passou a ser cuidar de si, inclusive às custas do rebanho, Deus disse: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas... vou resgatá-las de todos os lugares em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão...” (Ez 34,11.12). As nuvens e a escuridão do individualismo e do narcisismo nos fecham em nós mesmos, nos fazem girar doentiamente em torno dos nossos caprichos e desejos, enquanto aqueles que a vida confiou aos nossos cuidados vão se dispersando pelos descaminhos deste mundo. Não é por acaso que aumenta o número de pessoas que se sentem perdidas, extraviadas, quebradas, doentes e injustiçadas...
            Prestemos atenção aos verbos que traduzem a atitude de Deus para com a dor humana: procurar, reconduzir, enfaixar, fortalecer, vigiar, fazer justiça... Ontem, essas palavras se encarnaram na pessoa de Jesus Cristo. Hoje, nós somos chamados a encarná-las em nossa vida de cristãos, acolhendo este convite de Deus: “Preciso das tuas mãos para continuar a abençoar; preciso dos teus lábios para continuar a falar; preciso do teu corpo para continuar a sofrer; preciso do teu coração para continuar a amar; preciso de ti para continuar a salvar” (Michael Quoist, Oração do sacerdote numa tarde de domingo). Na medida em que cada um de nós assumir a sua vocação de batizado, de filho do Pai que comunga da dor humana e irmão do Filho que está presente em cada ser humano que sofre, poderemos colaborar para que a nossa história não esteja mais pelo avesso assim, sem final feliz...   
           
* Selfie significa autoretrato, foto de si mesmo(a). 

                                                                       Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

DESENTERRE SEU TALENTO!

Missa do 33º. dom. comum. Palavra de Deus: Pr 31,10-13.19-20.30-31; 1Tessalonicenses 5,1-6; Mateus 25,14-30.

Muitas vezes ouvimos dizer que os consumidores estão mais exigentes, ou que o mercado exige maior qualificação profissional, ou que as empresas estão exigindo resultados, eficiência, metas etc. EXIGÊNCIA tem se tornado, de fato, uma das palavras mais usadas no mundo atual, palavra que ecoa dentro de nós não só como “cobrança”, mas às vezes também como “ameaça”: se eu não alcançar o resultado, se eu não atingir a meta exigida, serei punido(a) ou dispensado(a).
Da mesma forma, o Evangelho que acabamos de ouvir parece estar em pleno acordo com o mercado, exigindo de nós a produção de resultados, o alcance de metas, a multiplicação dos talentos que recebemos e em relação aos quais precisaremos um dia prestar contas a Deus. Mas, o que é um talento? Na época de Jesus, o talento era uma moeda que valia mais ou menos dois quilos de ouro, segundo a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB). Jesus usa o talento de forma simbólica: ele representa todo e qualquer tipo de dom que Deus concedeu a cada ser humano. Dessa forma, o apóstolo Paulo pergunta: “O que é que você possui que não tenha recebido (de Deus)?” (1Cor 4,7).
O dom não é algo gerado ou produzido por nós, mas algo recebido de Deus, algo que Deus nos confia para ser trabalhado, cultivado, desenvolvido, amadurecido. Portanto, a primeira intenção de Jesus é nos tornar conscientes dos dons que Deus nos deu, da capacidade que temos de crescer, de nos superar, de transcender, de fazer o bem a nós mesmos, aos outros e ao mundo à nossa volta, como aparece na imagem da mulher forte, mencionada no livro dos Provérbios: “(...) com habilidade trabalham as suas mãos... Abre as suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre” (Pr 31,19-20).
Enquanto muitas pessoas ignoram seus próprios talentos, isto é, desconhecem sua força e seu valor, outras avaliam o talento dos outros pela aparência do pacote que contém o talento. E aqui há surpresa e decepção. Surpresa porque, não poucas vezes, os dois quilos de ouro estão embrulhados num jornal – é o caso daquelas pessoas para as quais não damos importância e que nos surpreendem com atitudes de educação, de respeito, de inteligência, de sensibilidade, de honestidade, de caráter, de retidão de consciência, de humanidade etc. Decepção porque, algumas vezes, o pacote é encantador e enche os nossos olhos, mas quando o abrimos, dentro dele há apenas dois quilos de bijuteria e nada de ouro. Como disse o livro dos Provérbios, “o encanto é enganador e a beleza é passageira” (31,30).
O apóstolo Paulo nos faz um alerta: “(...) não durmamos como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios” (1Ts 5,6), o que significa: vejamos se estamos desenvolvendo todo o nosso potencial (vigilância). Além disso, estejamos sóbrios, acordados, conscientes de quem somos e do bem que podemos fazer ao outros (sobriedade). Trata-se, portanto, de trabalhar nossos talentos e de fazê-los crescer, como agiram os dois primeiros servos da parábola contada por Jesus (cf. Mt 25,16-17).
Quando assumimos a tarefa de nos trabalhar, de colaborar com o nosso crescimento e amadurecimento, de forma a nos tornarmos melhores e ajudarmos a melhorar o mundo à nossa volta, experimentamos uma profunda alegria dentro de nós, uma alegria que vem de Deus, que nos vê caminhar na direção daquilo que Ele mesmo nos propôs como meta de crescimento humano e espiritual (cf. Mt 25,21.23). O triste é que algumas pessoas escolhem passar pela vida sem nada fazer, querendo apenas consumir e usufruir. O máximo de esforço que fazem é cavar um buraco e enterrar o talento que receberam. Dessa forma, cada um precisa se perguntar: Por que escondi o meu talento? Por que o enterrei? Onde o enterrei? Quantos talentos meus estão enterrados debaixo da raiva, da mágoa, do ressentimento, da desnecessária espera do reconhecimento e do aplauso dos outros?
“Como você foi fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais” (Mt 25,21.23). Jesus deixa claro que trabalhar, no sentido de multiplicar os talentos, é uma questão de ser fiel a si mesmo, à própria verdade, à própria essência. Não se trata de nos tornarmos uma outra pessoa, mas de nos tornarmos a pessoa que fomos chamados a ser quando Deus nos criou. Como diz a música Tocando em frente (Almir Sater): “Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz”.
O servo que enterrou no chão o talento que recebeu de Deus foi chamado de “mau e preguiçoso” (Mt 25,26). Ser uma pessoa má não se restringe simplesmente em fazer o mal, mas também em não fazer o bem que tem condições de fazer. Olhe à sua volta. Olhe para dentro da sua igreja ou comunidade: o quanto ela poderia fazer a mais pelo Reino e pelo bem de muitas pessoas, mas não faz porque nela há muitos que, seja por preguiça, comodismo ou individualismo, não fazem o bem que poderiam fazer? Olhe para a sua rua, bairro ou cidade: quanta sujeira, quanto descuido com o meio ambiente, quanto desperdício de água e de energia, quantos bens públicos depredados porque você também está se deixando contaminar pela doença da maldade e da preguiça? Olhe para as pessoas à sua volta: quantas delas você despreza e ignora porque, apesar de serem verdadeiras pepitas de ouro, estão “embrulhadas” num jornal?
Uma palavra final: trabalhar para multiplicar os talentos que recebemos de Deus é algo que nos custa, e às vezes nos custa muito. Se você está cansado(a), desiludido(a) e acha que não vale mais a pena cultivar os verdadeiros valores na sua vida, reflita sobre essas palavras de Martin Valverde, na música SEGUE: Custa para você poder seguir? Custa para você? Tuas forças já não dão? E tua fé, já não pode mais? Segue! Embora sinta que já não consegue mais, segue! Embora já não Me sinta junto de você, segue! Você sabe a Quem está servindo; verá ao final uma linda luz, o rosto de Jesus que vem. Ele traz uma coroa para você, por ter seguido, por ter chegado. Segue, vamos! Segue orando! Segue! Segue n’Ele confiando! Tua oração Ele já olhou, apesar da tua pequena fé. Embora você sinta que está se afogando, segue irmão! Falta pouco para ver tua obra terminar, para que você veja tua fé vencer e tuas lágrimas serem convertidas em alegria. Você chegará! Você chegará! Segue! (minha tradução)
 
 Pe. Paulo Cezar Mazzi


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O LUGAR ONDE DEUS ESCOLHEU HABITAR

Missa da Basílica do Latrão. Palavra de Deus: Ezequiel 47,1-2.8-9.12; 1Cor 3,9c-11.16-17; João 2,13-22.

Hoje a nossa Igreja convida os católicos do mundo todo a se voltarem para a Basílica do Latrão, em Roma. A partir do século IV, esta Basílica se tornou a primeira catedral do mundo e por muito tempo foi considerada a Igreja-mãe de Roma. Ainda que as comunidades católicas estejam espalhadas por diversas partes do mundo, a Basílica do Latrão nos lembra que todos nós somos pedras vivas (cf. 1Pd 2,5) da única Igreja fundada sobre os apóstolos e que tem Jesus Cristo como pedra principal (cf. Ef 2,22). A expressão “pedra viva” nos fala, primeiramente da firmeza da nossa fé (imagem da pedra) no único Salvador dos homens, Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo. Em segundo lugar, somos pedras “vivas” na medida em que nos tornamos habitação de Deus por meio do Espírito Santo (cf. Ef 2,22).
Quando Salomão construiu o Templo em Jerusalém, se encheu de orgulho e disse: “Sim, eu construí para ti uma morada, uma residência em que habitas para sempre” (1Rs 8,13). Pobre Salomão! Pobres de nós, que nos orgulhamos quando conseguimos reformar ou construir uma igreja, achando que aquela construção ‘garante’ a presença de Deus para sempre no meio de nós! Pobres de nós, padres, que às vezes ficamos fechados em nossas igrejas, agarrando-nos a 1 ovelha que quis ficar conosco, ao invés de termos disposição e coragem de sair das nossas igrejas para ir atrás das 99 ovelhas que se afastaram e se extraviaram, por não terem feito uma verdadeira experiência de Deus enquanto estavam dentro das nossas igrejas.
A construção de templos se multiplica diariamente em nosso país, desde os “templos” que funcionam em garagens de casas particulares até os “mega templos” que abrigam multidões de pessoas. A presença dessa multiplicidade de “templos” é ambígua: por um lado, aparenta ser uma presença de Deus onde as igrejas históricas não conseguiram – ou não tiveram interesse – em chegar; por outro lado, essa multiplicidade está destruindo a imagem de Deus no sacrário da consciência humana, na medida em que a Sagrada Escritura é ali banalizada, manipulada, distorcida e colocada a serviço dos sonhos de consumo dos que frequentam tais “templos”, sonhos que jamais se tornarão realidade porque Deus nunca aceitou ser um ídolo manipulado pela pregação de quem quer que seja.
Segundo o profeta Ezequiel, Deus quer que a Sua presença no meio dos homens seja como um templo, do interior do qual sai um rio de água que, por onde passa, converte a morte em vida: “Aonde o rio chegar, todos os animais que ali se movem poderão viver... haverá vida aonde chegar o rio. Nas margens junto ao rio... crescerá toda espécie de árvores... Seus frutos servirão de alimento e suas folhas de remédio” (Ez 47,9.12). Essa imagem de uma água que sai do Templo e cura quem está fora dele contrasta com a reportagem de capa da revista evangélica Ultimato, intitulada: “A igreja está tão doente quanto o mundo” (setembro-outubro de 2013, edição 344). A revista constata que as igrejas, na sua maioria, adotaram a linguagem do mundo para ser verem cheias de “fiéis”, e estão tendo que abrir mão de parte de suas doutrinas, se desejam que esses mesmos “fiéis” permaneçam dentro delas.
Que tipo de água as igrejas estão oferecendo para seus fiéis: uma água que eles PREFEREM beber ou uma água que eles PRECISAM beber? Que tipo de rio escorre das nossas igrejas: um rio que leva vida e ou que produz morte naquele que dele bebe? Quantas pessoas chegam doentes a uma igreja e encontram no sacerdote, no pastor ou no líder da comunidade alguém tão ou mais doente do que elas, alguém que se aproveita das suas feridas e da sua carência para lhes oferecer não uma cura, mas um momento de compensação, por meio de carícias ou de uma relação sexual, atitude que abre uma ferida ainda mais profunda na pessoa? Sim! Cabe ressaltar que este tipo de atitude algumas vezes também se dá em consultórios de diversos profissionais da área da saúde.
Para a Sagrada Escritura, a verdadeira habitação de Deus é o corpo de cada ser humano (cf. 1Cor 3,16-17; Jo 2,21). Sabemos que um corpo sadio depende de uma mente sadia. Quantas pessoas estão com o corpo definhado, caminhando pelas ruas como “zumbis”, porque sua mente foi esburacada pelo crack? O que tem adoecido a mente de tantos adolescentes e jovens a ponto de sentirem prazer em fotografar ou filmar o próprio corpo nu e postar na internet? O que leva algumas pessoas casadas a exporem a parte mais íntima do seu corpo diante da câmera do computador, para a pessoa que está conectada com elas na internet possa se masturbar?       
        Se muitos de nós estamos aderindo a atitudes permissivas, o problema não se encontra do nosso pescoço para baixo, mas do nosso pescoço para cima. Nós trocamos a voz da nossa consciência pela voz da mídia, que reduz a sexualidade humana ao erótico. Essa mesma mídia se escandalizou há dois anos atrás, quando a atleta Lolo Jones (Olimpíadas de Londres-2012) declarou ser virgem aos 30 anos de idade. Sendo ridicularizada pelas colegas, ela afirmou que competia por medalhas e que, se quisesse fama, teria aparecido nua. “Eu não corro para ser a pessoa mais famosa do mundo. Se eu quisesse isso, (...) faria um vídeo de sexo ou algo assim para ganhar fama”, completou a atleta. Na mesma linha desta atleta, inúmeros jovens em diversos países estão aderindo a uma atitude de vida em relação ao namoro e à própria sexualidade chamada: EU ESCOLHI ESPERAR. Confira isso nos seguintes sites: http://euescolhiesperar.com/ e https://www.youtube.com/watch?v=YxwzEGY0jbc
Ao ver o Templo de Jerusalém profanado por comerciantes, Jesus usou de uma saudável e necessária agressividade para expulsar todos dali, com um chicote na mão e dizendo bem alto: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2,16). Hoje essas palavras devem ser gritadas à consciência de pessoas “influentes” da nossa sociedade – alguns políticos, médicos, empresários, delegados, juízes etc., que pagam crianças e adolescentes para satisfazerem suas fantasias sexuais. Essas palavras também precisam ser gritadas à consciência de todos os líderes religiosos, muitos dos quais ornamentam suas casas e seus templos com ouro, prata, mármore, vitral, lustres etc., mas se mantém longe de pessoas cujos corpos estão violentados, subalimentados, consumidos pelo álcool e inúmeras outras drogas, pessoas desempregadas ou subempregadas, cuja referência de família se perdeu ou nunca existiu.
Algumas questões finais...
1) “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá... vós sois esse santuário” (1Cor 3,17). Como você está em relação à pornografia na internet, ou em relação à bebida, ao cigarro e a outras drogas?  Você pensa em tatuar ou já tatuou seu corpo? Que tipo de tatuagem você fez? Que sentido ela tem para você? Quanto tempo seu corpo fica paralisado/anestesiado diante de um computador ou de um celular, ao mesmo tempo em que você afirma não fazer nenhuma atividade física por falta de tempo?
2) “Tirai isso daqui!” (Jo 2,16). Que tipo de desintoxicação você precisa se dispor a fazer, não só em relação ao seu corpo, mas também em relação à sua alma, ao seu espírito, à sua vida emocional? Sugestão de música para sua oração: PURIFICA-ME (Tony Allysson) 
3) “O zelo (cuidado) por tua casa me consumirá” (Jo 2,17). Você dedica tempo para cuidar da sua vida espiritual da mesma forma como encontra tempo para cuidar do seu físico? Você ajuda a cuidar e a preservar o meio ambiente? Você faz algo para restabelecer a dignidade do corpo do seu próximo que, por estar desempregado, subempregado ou viciado nas drogas, definha a cada dia?  
4) “Haverá vida aonde chegar o rio” (Ez 47,9). Mentalize seu próprio corpo ou o corpo de alguém que está doente, violentado, faminto, explorado sexualmente ou escravo da dependência química das drogas. Clame a Deus, “fonte de água viva” (Jr 2,13), para que a Sua água escorra por este corpo, banhando cada célula, irrigando cada neurônio, para que onde ali houver morte, a vida possa renascer... 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

domingo, 2 de novembro de 2014

A MASSACRANTE FELICIDADE DOS OUTROS

Há no ar um certo queixume sem razões muito claras. Converso com mulheres que estão entre os 40 e 60 anos,todas com profissão, marido, filhos, saúde, e, ainda assim, elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem. De onde vem isso? 
Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia: 'Eu espero acontecimentos, só que quando anoitece é festa no outro apartamento'. Passei minha adolescência com a mesma sensação de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite.
É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são - ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho... As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas... Então, fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando, na verdade, a festa lá fora não está tão animada assim!
Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.
Pra consumo externo, todos são belos, sexy, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores, enfim, campeões em tudo! Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia - e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta: 'Nesta era de exaltação de celebridades - reais e inventadas - fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça’. Mas tem. 
Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia. Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé?
Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista. As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento...  

Martha Medeiros (Texto resumido) 


A PERDA DA TERCEIRA PERNA

       Preste atenção a estas palavras: “Eu anseio pela minha morte, mas ela não vem; eu a procuro como quem procura um tesouro; eu me alegraria se estivesse diante do meu túmulo e exultaria se encontrasse minha sepultura” (citação livre de Jó 3,20-22). Assim como Jó, você alguma vez já desejou morrer? Você conhece alguém que procura a morte como quem procura um tesouro? O que faria com que uma pessoa não apenas desejasse sua própria morte, mas que a provocasse, por meio do suicídio?
       De janeiro a setembro deste ano, nove pessoas se suicidaram em Jaboticabal (SP). As causas para o suicídio podem ser muitas, mas há uma que vem se acentuando cada vez mais: a incapacidade em lidar com a frustração. Nós estamos nos tornando cada vez mais intolerantes em relação à frustração. Parece que tudo tem que funcionar na hora em que queremos; tudo e todos têm que estar em função da satisfação das nossas necessidades. Neste sentido, é preocupante ver como muitos pais e avós criam seus filhos e netos fazendo de tudo para não frustrá-los, procurando satisfazer as suas vontades. Desse modo, eles se tornarão pessoas despreparadas para a vida, pois quem é que vai passar pela vida sem nunca ser frustrado nos seus desejos, nos seus sonhos, nas suas expectativas ou nas suas vontades?
        Por mais que não gostemos de ouvir “não”, a vida muitas vezes vai dizê-lo a nós, esvaziando a nossa bola, cortando o nosso barato e jogando um balde d’água fria em cima do fogo do nosso desejo. E aí? Vamos apelar feio e tirar a nossa própria vida, ou vamos aproveitar a oportunidade para aprendermos a dura lição de lidar com a frustração? Apesar de toda a beleza da sua plumagem, o pavão estava triste e foi reclamar com o Criador: “Por que não fui criado também com os pés e a voz bonitos?” E o Criador respondeu: “Porque ninguém pode ter tudo”. 
        Esta é a verdade que estilhaça o espelho do nosso narcisismo: ninguém pode ter tudo. Além disso, se queremos ter os pés no chão, se queremos acolher a vida como ela é e não como gostaríamos que fosse, se queremos viver a vida por inteiro, precisamos aprender a lidar com perdas. Perder é uma das maiores frustrações que existe. Muitas pessoas se suicidam por não suportarem o rompimento de uma relação, quando a outra pessoa deixa claro que nós não somos necessários para ela como ela o é para nós.
        Se você está vivendo uma situação de perda, reflita sobre essas palavras de Clarice Lispector: “Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Esta terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta... Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?” (do livro A paixão segundo G.H., pp.11-12).
         Esta é uma das lições mais importantes que a vida nos dá: quando perdemos a nossa “terceira perna”, temos a oportunidade de aprender a andar e a nos sustentar em pé com as nossas próprias pernas. Além disso, se você se sente vítima do destino e acha que os outros são muito mais felizes do que você, ou que as coisas dão certo para todo mundo, menos para você, leia o texto de Martha Medeiros, intitulado "A massacrante felicidade dos outros". 

                                     Pe. Paulo Cezar Mazzi