domingo, 2 de novembro de 2014

A PERDA DA TERCEIRA PERNA

       Preste atenção a estas palavras: “Eu anseio pela minha morte, mas ela não vem; eu a procuro como quem procura um tesouro; eu me alegraria se estivesse diante do meu túmulo e exultaria se encontrasse minha sepultura” (citação livre de Jó 3,20-22). Assim como Jó, você alguma vez já desejou morrer? Você conhece alguém que procura a morte como quem procura um tesouro? O que faria com que uma pessoa não apenas desejasse sua própria morte, mas que a provocasse, por meio do suicídio?
       De janeiro a setembro deste ano, nove pessoas se suicidaram em Jaboticabal (SP). As causas para o suicídio podem ser muitas, mas há uma que vem se acentuando cada vez mais: a incapacidade em lidar com a frustração. Nós estamos nos tornando cada vez mais intolerantes em relação à frustração. Parece que tudo tem que funcionar na hora em que queremos; tudo e todos têm que estar em função da satisfação das nossas necessidades. Neste sentido, é preocupante ver como muitos pais e avós criam seus filhos e netos fazendo de tudo para não frustrá-los, procurando satisfazer as suas vontades. Desse modo, eles se tornarão pessoas despreparadas para a vida, pois quem é que vai passar pela vida sem nunca ser frustrado nos seus desejos, nos seus sonhos, nas suas expectativas ou nas suas vontades?
        Por mais que não gostemos de ouvir “não”, a vida muitas vezes vai dizê-lo a nós, esvaziando a nossa bola, cortando o nosso barato e jogando um balde d’água fria em cima do fogo do nosso desejo. E aí? Vamos apelar feio e tirar a nossa própria vida, ou vamos aproveitar a oportunidade para aprendermos a dura lição de lidar com a frustração? Apesar de toda a beleza da sua plumagem, o pavão estava triste e foi reclamar com o Criador: “Por que não fui criado também com os pés e a voz bonitos?” E o Criador respondeu: “Porque ninguém pode ter tudo”. 
        Esta é a verdade que estilhaça o espelho do nosso narcisismo: ninguém pode ter tudo. Além disso, se queremos ter os pés no chão, se queremos acolher a vida como ela é e não como gostaríamos que fosse, se queremos viver a vida por inteiro, precisamos aprender a lidar com perdas. Perder é uma das maiores frustrações que existe. Muitas pessoas se suicidam por não suportarem o rompimento de uma relação, quando a outra pessoa deixa claro que nós não somos necessários para ela como ela o é para nós.
        Se você está vivendo uma situação de perda, reflita sobre essas palavras de Clarice Lispector: “Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Esta terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta... Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?” (do livro A paixão segundo G.H., pp.11-12).
         Esta é uma das lições mais importantes que a vida nos dá: quando perdemos a nossa “terceira perna”, temos a oportunidade de aprender a andar e a nos sustentar em pé com as nossas próprias pernas. Além disso, se você se sente vítima do destino e acha que os outros são muito mais felizes do que você, ou que as coisas dão certo para todo mundo, menos para você, leia o texto de Martha Medeiros, intitulado "A massacrante felicidade dos outros". 

                                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

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