Missa de Cristo Rei – Palavra de Deus:
Ezequiel 34,11-12.15-17; 1Coríntios 15,20-26.28; Mateus 25,31-46.
“E nossa história não estará pelo
avesso assim, sem final feliz...” (Legião Urbana, Metal contra as nuvens). Chegamos a mais um final de um ano
litúrgico. Todo final é carregado de esperança. Quando lemos um livro ou
assistimos a um filme ou novela, esperamos que o final nos traga respostas, decifre
o mistério, faça justiça – no sentido de que a verdade prevaleça sobre a
mentira, a luz prevaleça sobre a escuridão, a morte prevaleça sobre a vida, o
bem prevaleça sobre o mal.
Se agora vemos as coisas de maneira
confusa, no final veremos face a face; se agora as peças do quebra-cabeça da
vida estão espalhadas, no final elas se encaixarão perfeitamente umas nas
outras; se agora temos que lidar com muitos desencontros, no final haverá o
grande encontro; se agora tudo parece estar misturado – a verdade com a
mentira, a justiça com a injustiça, o bem com o mal – no final haverá uma separação:
“Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos
outros...” (Mt 25,32).
Nesta cena do Evangelho, conhecida
como julgamento final, separar significa
fazer justiça: “Eu farei justiça
entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). Ainda que estejamos acostumados com a injustiça
e a impunidade, a Sagrada Escritura garante que, no final, “todos nós compareceremos
perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que
tiver feito durante sua vida no corpo, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor
5,10). Sim, mas o que significa fazer o
bem ou fazer o mal numa sociedade como a nossa, onde os valores estão
invertidos, onde aquilo que é o bem passa a ser rotulado de mal, e aquilo que é
o mal passa a ser propagandeado como sendo o bem? (cf. Is 5,20).
Para Jesus, fazer o bem ou fazer o
mal se traduz concretamente na forma como nos envolvemos com a dor humana, isto
é, se somos solidários ou indiferentes com quem sofre: “Vinde, benditos de meu
Pai!... Pois eu estava com fome e me destes de comer... Todas as vezes que
fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que fizestes!...
Afastai-vos de mim, malditos!... Pois eu estava com fome e não me destes de
comer... Todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim
que não o fizestes!” (Mt 25,34.35.40.41.42.45).
O envolvimento com a dor alheia
começa pelos olhos, chega ao coração e se concretiza nas mãos (atitudes). Tanto
os que estavam à direita como os que estavam à esquerda de Jesus lhe
perguntaram: “Quando foi que te vimos
com fome...?” (Mt 25,37.44). A nossa geração se permite ser afetada pela dor
alheia? Como nos envolver com a dor de quem está ao nosso lado, se nossos olhos
estão, a maior parte do tempo, fixos na tela do nosso celular? Se é verdade que
o que os olhos não veem o coração não
sente, como o nosso coração pode ser afetado pela dor do outro, se a única
coisa que os nossos olhos veem são os nossos “selfies”*?
Numa época em que a prioridade dos
pastores (líderes políticos e religiosos) deixou de ser cuidar do rebanho e
passou a ser cuidar de si, inclusive às custas do rebanho, Deus disse: “Eu
mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas... vou resgatá-las de
todos os lugares em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão...” (Ez
34,11.12). As nuvens e a escuridão do individualismo e do narcisismo nos fecham
em nós mesmos, nos fazem girar doentiamente em torno dos nossos caprichos e desejos,
enquanto aqueles que a vida confiou aos nossos cuidados vão se dispersando
pelos descaminhos deste mundo. Não é por acaso que aumenta o número de pessoas que
se sentem perdidas, extraviadas,
quebradas, doentes e injustiçadas...
Prestemos atenção aos verbos que
traduzem a atitude de Deus para com a dor humana: procurar, reconduzir, enfaixar, fortalecer, vigiar, fazer justiça...
Ontem, essas palavras se encarnaram na pessoa de Jesus Cristo. Hoje, nós somos
chamados a encarná-las em nossa vida de cristãos, acolhendo este convite de
Deus: “Preciso das tuas mãos para continuar a abençoar; preciso dos teus lábios
para continuar a falar; preciso do teu corpo para continuar a sofrer; preciso
do teu coração para continuar a amar; preciso de ti para continuar a salvar”
(Michael Quoist, Oração do sacerdote numa
tarde de domingo). Na medida em que cada um de nós assumir a sua vocação de
batizado, de filho do Pai que comunga da dor humana e irmão do Filho que está
presente em cada ser humano que sofre, poderemos colaborar para que a nossa
história não esteja mais pelo avesso assim, sem final feliz...
* Selfie significa autoretrato, foto de si mesmo(a).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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