terça-feira, 31 de dezembro de 2013

NÃO ESTAMOS SOZINHOS; O PAI ESTÁ CONOSCO!

Missa de Ano Novo. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.

            “Marcas do que se foi; sonhos que vamos ter”. Nesta noite de passagem ou de início de Ano Novo, procuramos, num primeiro momento, colocar em Deus as marcas do ano que se foi (ou que se vai); num segundo momento, os sonhos que vamos ter, em 2014.
        Quais marcas o ano que termina deixa em nós? Algumas marcas são de alegria; outras, de tristeza; algumas, de vitória; outras, de derrota; algumas, de conquista; outras, de perda. A vida nos marca, o tempo nos marca. O nosso desafio é ver, nessas marcas, os sinais de Deus, os sinais do desígnio que Ele tem para cada um de nós, para toda a humanidade, um desígnio que muitas vezes não entendemos, mas que, pela fé, podemos acolher, segundo as palavras do apóstolo Paulo, que diz: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio” (Rm 8,28). A fé nos diz que tudo aquilo que Deus permitiu que nos acontecesse neste ano que termina foi em função do nosso bem, da nossa salvação.
            No coração de muitas pessoas, nesta passagem de ano, existe um sentimento de desamparo, de solidão, de não ser importante para ninguém. Mas a Palavra nos diz que “Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai!”. Para nós entendermos o alcance dessa afirmação bíblica e a consequência prática dela para a nossa vida, precisamos nos lembrar dessas palavras de Jesus aos seus discípulos: “Vocês se dispersarão, cada um para o seu lado, e me deixarão sozinho. Mas eu não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16,32).
Muitas pessoas, ao longo deste ano que termina, desabaram e se desestruturaram diante de alguns acontecimentos, mas quem, como Jesus, consegue professar: “Eu não estou só, porque o Pai está comigo”, permanece em pé; não desaba, não se desestrutura. Por isso, nesta noite rezamos por toda a humanidade, para que a face do Pai esteja voltada sobre cada ser humano, de modo que, diante de cada acontecimento bom ou ruim, alegre ou triste, de conquista ou de perda, cada pessoa possa ter o seu coração sereno e proclamar: “Eu não estou só, porque o Pai está comigo”.
“Marcas do que se foi; sonhos que vamos ter”. Para que possamos realizar os “sonhos que vamos ter”, neste novo ano, pedimos “que Deus nos dê a sua graça e a sua bênção; que a sua face resplandeça sobre nós; que na terra se conheça o seu caminho, e a sua salvação por entre os povos” (Sl 67,2-3). Assim como o salmista, nós clamamos: “É tua face, Senhor, que eu procuro, não me escondas a tua face... Tu és o meu socorro!” (Sl 27,8-9). Quantas vezes temos a sensação de que Deus esconde de nós a Sua face? “Eu dizia tranquilo: ‘Nada, jamais, me fará tropeçar!’. Senhor o teu favor me firmava sobre fortes montanhas; mas escondeste tua face e eu fiquei perturbado” (Sl 30,7-8).
            Nós nem sempre conseguimos enxergar Deus em tudo o que nos acontece. Por isso, o Evangelho nos coloca diante da atitude de Maria, que “conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração” (Lc 2,19). Para uma geração como a nossa, marcada pela dispersão interior e exterior, que não encontra tempo para meditar os acontecimentos em seu coração, vale este alerta: “Todos os problemas do homem derivam do fato de que ele não é capaz de ficar sentado sozinho, em silêncio, num aposento” (Blaise Pascal). Quem escolhe viver como escravo do mundo, torna-se escravo do tempo e vive atropelado pelos acontecimentos. Quem escolhe viver como filho de Deus, torna-se senhor de si mesmo e mantém a serenidade diante dos acontecimentos. 
“O Senhor mostre para ti a sua face e te conceda a paz!” (Nm 6,26). Hoje, 1º. de janeiro, é o Dia Mundial da Paz. Segundo o Papa Francisco, a fraternidade é o fundamento e o caminho para a paz. Fraternidade significa “ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão... O egoísmo diário... está na base de muitas guerras e injustiças: muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais... A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz).
Nesta entrada do Ano Novo, enquanto alguns “cristãos’ assumem atitudes supersticiosas, próprias de “pagãos”, tipo “cor amarela para isso, cor vermelha para aquilo”; “comer lentilha, carregar grãos de romã na carteira” etc., a Palavra de Deus nos convida a algumas atitudes dignas de verdadeiros filhos de Deus: “Confie no Senhor e faça o bem... Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e ele agirá... Descansa no Senhor e espera nele” (Sl 37,3.5.7); “Ande na presença de Deus e seja íntegro” (citação livre de Gn 17,1). E mesmo se você carrega dores em seu coração neste momento, olhe com confiança para o ano que se inicia, lembrando-se disso: “Os favores do Senhor não terminaram, suas compaixões não se esgotaram; elas se renovam todas as manhãs, grande é a sua fidelidade!... É bom esperar em silêncio a salvação de Deus” (Lm 3,22-23.26). Tenha um abençoado Ano Novo! 
                                                           
                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A MÃE AMA A TODOS, MAS SE COMOVE E SE COLOCA JUNTO DO FILHO MAIS FRÁGIL

Missa da Sagrada Família de Nazaré. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Mateus 2,13-15.19-23. 
   
     Em meados de outubro, a imprensa divulgou o fim do “casamento” – na verdade, eles viviam “juntos” desde 2007 – de Grazi Massafera e Cauã Reymond. Considerando a influência da televisão, especialmente das novelas e mini-séries, na vida do povo brasileiro, convém perguntar: Quantos artistas você conhece que, na vida real, formam uma família estruturada? Além disso, por trás dos escritores de novela e de mini-séries você encontra, muitas vezes, pessoas sem uma experiência positiva de família, pessoas que precisam gritar para o público a dor de uma ferida que não foi curada, nem cicatrizada dentro delas. Talvez sem dar-se conta disso, alguns criadores de novelas e mini-séries assumem o papel de Herodes no mundo atual: precisam destruir nos outros o sonho de família que foi destruído neles também.
           Passando das novelas e mini-séries para a vida real, todos nós percebemos os efeitos de um ataque contra a família, tradicionalmente formada por um pai, uma mãe e filhos. A família, que é a estrutura mais básica e necessária para a saúde física, emocional e espiritual de qualquer pessoa, é também a estrutura mais fragilizada da nossa sociedade que, devido ao individualismo, tem se tornado incapaz de sustentar um compromisso sempre que dói fazê-lo. Como vivemos a era da troca, “se aparecer algo mais vantajoso, a pessoa troca. Troca de igreja, troca de partido, troca de família, troca de clube, troca de empresa. Trocar é, hoje, um dos verbos mais vividos por uma geração que não aceita sofrer além da cota” (Pe. Zezinho).
            Para fugir de Herodes, a família de Jesus teve que se exilar no Egito. Onde você encontra exílio para salvar a sua família hoje? Como todos nós sofremos a influência do mundo em que vivemos, precisamos construir nosso próprio exílio, aquele lugar dentro de nós, ou a nossa própria casa, onde reavaliamos aquilo que o mundo nos apresenta como “novos valores” – quando, muitas vezes, são apenas contra-valores –, distinguimos/separamos o joio do trigo, e procuramos ficar com aquilo que convém à nossa família, aquilo que convém para fortalecer o nosso relacionamento com aqueles a quem amamos.
        Assim como a nossa, a família de Jesus sofreu forte hostilidade por parte do mundo, mas ela conseguiu resistir e se firmar porque a consciência e o coração de José estavam voltados para Deus. Toda decisão que José tomava era sob a orientação de Deus. Da mesma forma, Deus nos orienta hoje, na sua Palavra, a honrar e respeitar os nossos pais, amparando-os também, e, sobretudo, na velhice, sendo compreensivos para com eles (1ª. leitura). Portanto, não devemos adotar a mentalidade de que “começou a dar trabalho, eu abandono”, fazendo com que hoje muitos se tornaram filhos que abandonaram seus pais e pais que abandonaram seus filhos.
        A Palavra de Deus também nos orienta hoje quanto ao relacionamento dentro de casa, o qual deve ser revestido de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-nos uns aos outros e perdoando-nos mutuamente (2ª. leitura). Em quantas famílias os gritos, as ofensas e os palavrões tomaram o lugar da mansidão e da paciência, e se tornaram rotina, o arroz com feijão de cada dia? Em quantas casas não há falta de pão, mas falta de afeto? Quantos pais se esforçam para dar uma vida digna para os filhos, mas não se esforçam para se comunicar com eles? Em quantas casas, tanto os pais quanto os filhos estão conectados via internet com pessoas distantes, expressando palavras de carinho, mas vivem sem conexão e sem comunicação de carinho com os que estão dentro de casa?
          Existem atitudes que precisam ser revistas na família. A esposa não deve ser desleixada com a casa, nem consigo mesma, mas dedicada para com o marido. O marido, por sua vez, deve expressar, com palavras e atitudes, o seu amor pela esposa, lembrando que palavras e atitudes grosseiras costumam construir um muro que bloqueia o afeto da esposa para com o marido. A necessidade da obediência dos filhos em relação aos pais revela a inversão de valores que muitas famílias vivem hoje: filhos que mandam nos pais; filhos que determinam aos pais o que querem comer, o que querem ganhar, e pais que assumem o papel de empregados dos filhos, fazendo todas as suas vontades. Aos pais cabe a tarefa de colocar limites nos filhos e, ao mesmo tempo, incentivá-los, encorajá-los para enfrentar a vida e para lutar por aquilo que sonham, sem exigir que a vida lhes dê tudo de mão beijada, coisa que ela não costuma fazer. 
        Cada um de nós tem a sua história de vida e de família. É preciso acolher e respeitar cada pessoa, cada família, como se encontra hoje. Por iniciativa do Papa Francisco, será realizado, nos dois próximos anos, um Sínodo sobre a Família, enfrentando com coragem diversos desafios pastorais; entre eles, os casais em segunda união e a união entre pessoas do mesmo sexo. Peçamos ao Espírito Santo que torne a nossa Igreja sempre mais fiel à missão de Jesus Cristo, que disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes... Eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Mt 9,12-13). 
        Onde que quer exista uma família doente, desestruturada, formada longe do “tradicional”; onde quer que exista um relacionamento ferido, é lá, especialmente, que a Igreja deve estar como Mãe, cujo coração ama a todos, mas cujas entranhas se comovem pelo filho mais frágil, mas desestruturado. Que também nós trabalhemos em favor das famílias, para fortalecer aquelas que têm resistido aos Herodes de hoje, e para amparar aquelas que foram feridas e fragilizadas na sua estrutura, e que são, sem dúvida, objeto da compaixão de Deus Pai, neste momento da nossa história. 

                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

NÃO MAIS ENTREGUES A NÓS MESMOS, MAS AO FILHO, QUE SE FEZ HUMANO COMO NÓS

Missa da noite de Natal. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14

            Encarnação: Deus, que é Espírito (cf. Jo 4,24), assumiu, em Seu Filho Jesus Cristo, a carne humana. Deus, a Quem ninguém nunca viu face a face (cf. Jo 1,18), assumiu um rosto humano em Seu Filho Jesus Cristo, e este rosto tem características próprias: é um rosto pobre, humilde e simples. Talvez você seja uma das tantas pessoas que não conseguem enxergar Deus presente na sua vida, ou na vida do mundo. Mas a questão é: você reconhece a presença de Deus naquilo que em você e na sua vida é pobre, humilde e simples? Quanto mais a sua vida se afasta da pobreza (esvaziamento de si), da humildade e da simplicidade, mais você sente Deus distante, ausente da sua vida.
            O Evangelho nos recorda que a entrada do Filho de Deus na história humana se deu durante a noite, para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que disse: “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Quem habita nas sombras da morte hoje? Os moradores de rua e os viciados no crack; os idosos esquecidos e abandonados por suas famílias; os que se sentem condenados, seja por seus erros, seja por uma doença; os desempregados; as famílias desestruturadas; as casas onde não existe diálogo, nem afeto... Onde quer que exista alguém que esteja envolvido pela sombra da morte, nós clamamos, nesta noite de Natal: “Ó luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!”
            O nascimento de Jesus se dá em Belém, muito longe de Nazaré, onde seus pais moravam. Justamente naquele contexto de insegurança e de angústia para Maria e José, sem encontrarem ao menos um lugar na hospedaria, se completaram os dias para o parto e Maria deu à luz o seu Filho. Algum tempo mais tarde, o que aconteceria com Jesus, Maria e José? Teriam que fugir para o Egito, porque Herodes estava procurando matar o Menino (cf. Mt 2,13-18).    
          O Filho de Deus entra em nossa história sentindo em Si mesmo aquilo que tantas pessoas vivem hoje: a dor da rejeição, da humilhação, da ameaça, a fúria cega da intolerância e da violência, característica dos nossos tempos. Para inúmeras pessoas, esta noite de Natal é uma noite de dor, porque alguém foi arrancado delas pela violência de uma doença, de um acidente, de uma dependência química ou da dívida dessa dependência... Além disso, considerando que o presente mais pedido pelas crianças a seus pais neste Natal foi um Tablet ou um iPad, convém perguntar: há algum aplicativo nesses aparelhos que falem de Jesus ou do Evangelho a essas crianças? Na vida delas e de seus pais há um lugar para Jesus nascer, pela fé? Por todas essas situações, nós clamamos, mais uma vez: “Ó luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!”
            Segundo o apóstolo Paulo, Jesus nasceu para manifestar a graça de Deus como salvação para todas as pessoas (cf. Tt 2,11). O Natal nos recorda que a presença de Jesus e da sua salvação se dão em nossa vida por graça de Deus, e não pelos nossos méritos. Além disso, Jesus nasceu para todos, porque Deus quer que todos sejam salvos cf. 1Tm 2,4). Por isso, o Papa Francisco insiste que a Igreja deve ter suas portas sempre abertas: abertas para acolher a todos e abertas para que possamos levar a alegria do Evangelho a todas as pessoas, sobretudo àquelas que estão afastadas. Não podemos fechar a porta da Igreja com normas e leis que nos façam mais parecidos com os discípulos dos fariseus do que com os discípulos de Jesus Cristo. Como o anjo aos pastores, assim devemos ser nós em relação às pessoas que se encontram distantes do contato com a alegria do Evangelho: “Não tenham medo! Eu lhes anuncio uma grande alegria... Hoje... nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,10). O Natal não consiste apenas em saber que Jesus nasceu, mas em saber que Ele nasceu para você! Ele nasceu como teu Salvador! E se você quer honrar o nascimento de Jesus, esforce-se por renunciar ao mal, por viver na justiça e na piedade e por esperar pela segunda vinda do “nosso grande Deus e Salvador Jesus” (Tt 2,12-13). Por nós e por todos aqueles a quem devemos anunciar a alegria do Evangelho, clamemos: “Ó luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!”
           Esta noite é uma noite de alegria “porque nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho” (Is 9,5). Seu nome é “Conselheiro admirável” – portanto, sigamos os conselhos do seu Evangelho; “Deus forte” – pois o Pai lhe confiou o poder de redimir, de salvar e de dar a vida eterna a todo ser humano (cf. Jo 17,2); “Pai dos tempos futuros” – porque, apesar das lágrimas das nossas perdas, o Senhor nos diz: “... existe uma recompensa para a tua dor... Há uma esperança para o teu futuro” (Jr 31,16-17); “Príncipe da paz” – porque, na sua cruz, ele derrubou o muro da inimizade que separava as pessoas, e veio anunciar a paz a todos, aos que estavam perto e aos que estavam longe (cf. Ef 2,14-18). Que o nosso coração seja como o dos pastores na noite de Natal, um coração pobre, vazio de si, capaz de reconhecer, acolher e adorar Aquele que nasceu para nós como Salvador. 

            FELIZ NATAL!!!
                                              Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

NA OBEDIÊNCIA DA FÉ, DEIXAR-SE SURPREENDER POR DEUS

Missa do 4º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 7,10-14; Romanos 1,1-7; Mateus 1,18-24.

            “Pede ao Senhor teu Deus que te faça ver um sinal...” (Is 7,11). Essas palavras do profeta Isaías foram ditas ao rei Acaz, num momento em que uma guerra estava para se desencadear contra ele. Acaz estava com a sua consciência pesada, por ter feito algo que não agradou a Deus. Por isso, se recusou a pedir um sinal de que Deus ainda o amava e estava junto dele e do seu povo. Mas Isaías lhe disse: “O próprio Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel (Deus está conosco)” (Is 7,14).
            Numa época de desencanto como a nossa, onde muitas vezes nos sentimos acuados, como se não houvesse saída, nem horizonte para a nossa vida, precisamos pedir ao Senhor que nos faça ver o sinal da Sua presença junto a nós, o sinal da Sua misericórdia e do Seu amor para com a humanidade, o sinal da Sua salvação. E este é o sinal: nascerá um filho, para dizer que a vida resiste à guerra, à violência, à injustiça, a todo mal que há no mundo. Um filho nascerá para nos lembrar que Deus é maior do que tudo o que nos acontece. Ele entra em nossa história, marcada por tantas contradições, para fazer dela uma história de salvação.
            O menino que vai nascer se chamará “Emanuel”, que significa “Deus está conosco”. Deus está conosco para nos libertar e para nos salvar. Mas, você crê que Deus está com você, no seu dia a dia? Quando ouviu essas palavras do anjo: “O Senhor está contigo, valente guerreiro!”, Gedeão perguntou: “Se Deus está conosco, por que estão nos acontecendo essas coisas?” (Jz 6,13). Da mesma forma, talvez hoje você questione: se Deus está comigo, com a minha família, por que tanta coisa ruim está nos atingindo? Deus não nos explica o porquê disso ou daquilo, mas afirma que nós temos força suficiente para enfrentar o que está nos acontecendo: “Vai com a força que te anima, e salvarás Israel... Não sou eu quem te envia?” (Jz 6,12.14). O “Deus conosco” é o Deus que nos envia e que nos assiste na missão que nos confiou.
            Assim como Acaz, assim como Gedeão, nós não temos a compreensão de tudo o que acontece conosco, e muitas vezes nos sentimos impotentes, pequenos demais, frágeis, e pensamos que a melhor coisa é entregar os pontos, desistir, fugir da luta. José também se sentiu assim. Sua vida estava caminhando dentro da normalidade; seu casamento com Maria estava a ponto de se concretizar, quando, de repente, Maria aparece grávida, uma gravidez que se deu sem a participação de José, por ser obra do Espírito Santo. Essa notícia virou do avesso a vida de José.
            Quantas vezes, Deus permite que algum acontecimento vire do avesso a nossa vida? Como é que nós acolhemos essas surpresas de Deus? O Papa Francisco, na sua homilia no Santuário de Aparecida, disse que, "mesmo em meio às dificuldades, Deus atua e nos surpreende". É preciso deixar-se surpreender por Deus. Há sempre algo maior que nos ultrapassa e revela que a nossa vida faz parte de um desígnio maior. Como fez com José, Deus nos convida a nos abrir ao Seu desígnio de salvação.
            Por não compreender ainda os desígnios de Deus, José se sentiu descartado. Mas, no sonho, Deus lhe mostrou que necessitava dele. Jesus foi concebido por obra do Espírito Santo, mas caberia a José introduzi-lo na descendência de Davi. A gravidez de Maria sem a participação de José nos lembra que há coisas que acontecerão em nossa vida por pura graça de Deus. A salvação vem do alto, é obra do Espírito de Deus em nós. Por isso, hoje Deus nos diz o que disse a José: “Não tenha medo”; não tenha medo daquilo que Eu posso e quero fazer em você, em sua vida, em sua família. Contudo, para isso, Eu preciso da sua colaboração, preciso da “obediência da sua fé” (cf. Rm 1,5).
            O Evangelho nos diz que José era um homem "justo" (cf. Mt 1,19). Na Bíblia, a pessoa justa é aquela que, em todas as coisas, procura fazer a vontade de Deus. Peçamos ao Senhor que nos dê um coração justo como o de José, um coração que compreende que  "a fé é obediência": posso não entender os desígnios de Deus, mas confio e obedeço ao que Ele está orientando-me fazer. Peçamos ao Senhor um coração que submete o seu próprio querer ao querer de Deus, a sua própria vontade à vontade de Deus. Deixemo-nos surpreender por Deus e colaboremos com a Sua graça, para que a nossa história se torne história de salvação.  
              
                                                                   Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

FIRMEZA, FORTALEZA, ÂNIMO E ALEGRIA!

Missa do 3º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 35,1-6a.10; Tiago 5,7-10; Mateus 11,2-11.

            “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável... Criai ânimo!” (Is 35,1.4). “Ficai firmes e fortalecei vossos corações” (Tg 5,8). Como você sente as pessoas com as quais convive: alegres ou tristes, animadas ou desanimadas? Como você se encontra neste momento, neste final de ano: animado(a) ou desanimado(a), fortalecido(a) ou enfraquecido(a)?
            Com toda certeza, neste momento não há quem não sinta o cansaço do ano que termina. Mas há algo dentro de muitos de nós que tem nos roubado a alegria, não somente a alegria de viver, mas a alegria da nossa fé, a alegria de servirmos a Deus, a alegria do Evangelho: o desânimo. Cansaço é diferente de desânimo: mesmo cansado(a), eu posso estar alegre pelo trabalho que realizei, pela luta que empreendi. Mas o desânimo nos rouba a alegria e o sentido de trabalharmos, de lutarmos por aquilo que acreditamos.
      Muitos estão desanimados. E por quê? “Alguns, por sustentarem projetos irrealizáveis...; outros, por não aceitarem a custosa evolução dos processos, querendo que tudo caia pronto do céu... A ânsia moderna de chegar a resultados imediatos faz com que ... não tolerem ... alguma contradição, um aparente fracasso, uma cruz”, afirma o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho” (n.82).
           Quando você projeta algo para a sua vida, quando você sonha, mantém seus pés no chão, mantém o senso de realidade, seja em relação a você, seja em relação às outras pessoas? Você aceita o fato de que toda mudança e toda transformação são processuais, ou continua a exigir que elas caiam prontas do céu?
       Quando Jesus iniciou o seu ministério, muitos se decepcionaram com ele, porque Jesus não veio eliminar a contradição que há no ser humano, nem nos garantir lutas sem fracassos e uma vida sem cruz. Por isso, ele disse: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!” (Mt 11,6). Você já se escandalizou com Jesus, pela forma como ele age na sua vida? Você sabe lidar com a contradição que todo ser humano, incluindo você, carrega dentro de si? Como você lida com o fracasso, com a cruz?  
            Por exigirem resultados imediatos em tudo o que fazem, por não tolerarem contradições, nem fracassos, nem cruz, muitas pessoas se comportam na vida como “caniços agitados pelo vento” (cf. Mt 11,7): são pessoas que não suportam frustrações; pessoas que se dobram sempre que o vento sopra contra elas; pessoas que desistem do caminho que estão fazendo porque receberam críticas, ou porque não foram elogiadas, reconhecidas, paparicadas etc.
            Para uma geração como a nossa, que por muito ou por pouco tem a mania de desistir dos seus ideais, dos seus valores, dos seus compromissos, o profeta Isaías diz: “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus; (...) é ele que vem para vos salvar” (Is 35,3-4). Do mesmo modo, o apóstolo Tiago nos exorta: “Ficai firmes até à vinda do Senhor... Ficai firmes e fortalecei vossos corações, pois a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5,7.8).
           Tiago compara a firmeza e a fortaleza de ânimo ao agricultor. Mesmo não vendo sinal de chuva no céu, ele trabalha a terra e a prepara, na esperança de que a chuva virá. Do mesmo modo, a você não cabe controlar quando a chuva vem, isto é, quando e de que forma Deus vai agir na sua vida, mas a você cabe trabalhar o terreno da sua vida, para que quando Deus derramar a graça d’Ele em sua vida, o seu esforço seja recompensado e você possa colher o fruto do seu esforço.  
            Hoje é o domingo da alegria, pela expectativa da chegada do Salvador. Em todo final de ano multiplicam-se as confraternizações e as festas. O que está por trás do excesso de comida e de bebida? Por que alguns têm tanta necessidade de beber? Que tipo de vazio estão tentando preencher? Uma alegria que só vem para fora depois que a pessoa bebe é uma triste alegria, uma alegria que tenta esconder dores não enfrentadas pela pessoa, feridas que ela não aceita tratar, vozes que ela se recusa a ouvir no seu coração...
            Sempre que permitirmos que o deserto do nosso coração deixe de ser intransitável e que o Senhor tenha acesso a ele; sempre que cultivarmos a terra da nossa vida por meio da oração, da perseverança, da fortaleza de ânimo, do serviço humilde e constante em favor do anúncio da alegria do Evangelho, suportando o mesmo sofrimento que os profetas suportaram, experimentaremos a alegria do encontro com Aquele que vem para nos salvar, e essa alegria ninguém poderá tirá-la de nós, como o próprio Jesus nos prometeu (cf. Jo 16,22).

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

CHEIOS OU VAZIOS DA GRAÇA?

Missa do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Gênesis 3,9-15.20; Efésios 1,3-6.11-12; Lucas 1,26-38.         

            “Onde você está?”, perguntou o Senhor Deus a Adão (cf. Gn 3,9). Deus, que tudo vê e tudo conhece, fez esta pergunta a Adão, para que ele tomasse consciência da direção que o pecado estava dando à sua vida, quando Adão decidiu desobedecer a Deus. Hoje Deus dirige esta pergunta a cada um de nós: “Onde você está?” Por que será que isso está acontecendo na sua vida? Qual tem sido a sua parcela de responsabilidade naquilo que está acontecendo com você? “Observe o seu caminho”, a maneira de conduzir sua vida, “reconheça o que você fez”, para que chegar na situação em que chegou (cf. Jr 2,23).
            Diante da pergunta de Deus, Adão disse: “Ouvi tua voz, (...) fiquei com medo (...) e me escondi” (Gn 3,10). Você já se deu conta da voz de Deus que fala à sua consciência? Você sente medo de Deus, ou se sente amado(a) por Ele? Você se esconde de Deus no seu dia a dia (no seu ativismo), ou se deixa encontrar por Ele (na sua oração)? Adão estava com vergonha da sua nudez, mas hoje a Palavra do Senhor nos convida a olhar para a nossa nudez, para as consequências maléficas e destruidoras que o pecado causa em nós, e reconhecer que somente o Senhor pode cobrir a nossa nudez; somente Ele pode curar as feridas que o pecado tem aberto em nós, em nossa família, em nossa sociedade. Por maior que possa ser o nosso pecado, devemos nos lembrar da Palavra que diz: “Onde foi grande o pecado, muito maior foi a graça” de Deus em nos salvar (cf. Rm 5,20).
            Por que iniciamos essa reflexão mencionando o pecado de Adão e o nosso? Porque a liturgia de hoje nos coloca diante do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, dogma que afirma que Maria, preparada por Deus para ser a Mãe de Seu Filho, foi concebida sem a mancha do pecado original, isto é, do pecado que todos nós herdamos de Adão (cf. Rm 5,12). Diferente de Maria, nós não somos “imaculados”. Temos consciência que estamos “maculados” com o nosso pecado, “maculados” com certas concessões que nos “mancham” por meio da corrupção, da desonestidade, da mentira. Diferente de Maria, que foi chamada pelo anjo de “cheia de graça” (Lc 1,28), nós podemos não estar “cheios” da graça de Deus neste momento, mas estamos aqui para receber do Senhor a Sua graça, a graça que nos santifica por meio da Palavra que Ele nos diz (cf. Jo 15,3). 
       Pensemos no significado dessas palavras: imaculada/maculada, pura/impura, limpa/suja. Há dias atrás, o Papa Francisco nos pediu para rezarmos pelos filhos que recebem “pão sujo” de seus pais. O que é o “pão sujo”? É o pão adquirido com trabalho desonesto, corrupto. Quantos filhos, “talvez educados em colégios caros, talvez criados em ambientes cultos, recebem dos pais comida suja, porque seus pais, trazendo pão sujo para casa, perderam sua dignidade!”. Quantos filhos têm fome de dignidade? Deus quer que o pão que nós comemos em casa seja fruto de um trabalho honesto, disse o Papa Francisco.
        De maneira provocadora, o Papa Francisco agora nos diz, na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, que prefere uma Igreja “suja”, que sai de si e vai até os outros, para curá-los, para salvá-los; não uma Igreja “pura”, fechada em si mesma, preservada do contato com o sofrimento humano: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Que tipo de Igreja temos sido?
            Por fim, lembremos que se a nossa vida não é uma vida sem pecado, apesar disso, ela deve se tornar o “lugar da graça” de Deus, o lugar onde o Pai possa gerar seu Filho Jesus em nós, e por meio de nós, no mundo. O próprio Pai nos amou e nos escolheu em seu Filho Jesus “para que sejamos santos e irrepreensíveis, e vivamos sob o seu olhar, no amor” (Ef 1,4). Adão e Eva fugiram desse olhar amoroso do Pai. Maria, pelo contrário, escolheu viver sob esse olhar: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Que neste tempo de Advento, possamos a cada dia converter o nosso “não” (fechamento à vontade de Deus) em “sim” (abertura e docilidade à Sua vontade). Peçamos ao Espírito Santo que nos dê discernimento para percebermos, em cada atitude do nosso dia a dia, se ela nos torna mais cheios ou mais vazios da graça de Deus, se ela nos purifica ou nos macula... 

                                                                                                                                                                                  Pe. Paulo Cezar Mazzi