quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A MÃE AMA A TODOS, MAS SE COMOVE E SE COLOCA JUNTO DO FILHO MAIS FRÁGIL

Missa da Sagrada Família de Nazaré. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Mateus 2,13-15.19-23. 
   
     Em meados de outubro, a imprensa divulgou o fim do “casamento” – na verdade, eles viviam “juntos” desde 2007 – de Grazi Massafera e Cauã Reymond. Considerando a influência da televisão, especialmente das novelas e mini-séries, na vida do povo brasileiro, convém perguntar: Quantos artistas você conhece que, na vida real, formam uma família estruturada? Além disso, por trás dos escritores de novela e de mini-séries você encontra, muitas vezes, pessoas sem uma experiência positiva de família, pessoas que precisam gritar para o público a dor de uma ferida que não foi curada, nem cicatrizada dentro delas. Talvez sem dar-se conta disso, alguns criadores de novelas e mini-séries assumem o papel de Herodes no mundo atual: precisam destruir nos outros o sonho de família que foi destruído neles também.
           Passando das novelas e mini-séries para a vida real, todos nós percebemos os efeitos de um ataque contra a família, tradicionalmente formada por um pai, uma mãe e filhos. A família, que é a estrutura mais básica e necessária para a saúde física, emocional e espiritual de qualquer pessoa, é também a estrutura mais fragilizada da nossa sociedade que, devido ao individualismo, tem se tornado incapaz de sustentar um compromisso sempre que dói fazê-lo. Como vivemos a era da troca, “se aparecer algo mais vantajoso, a pessoa troca. Troca de igreja, troca de partido, troca de família, troca de clube, troca de empresa. Trocar é, hoje, um dos verbos mais vividos por uma geração que não aceita sofrer além da cota” (Pe. Zezinho).
            Para fugir de Herodes, a família de Jesus teve que se exilar no Egito. Onde você encontra exílio para salvar a sua família hoje? Como todos nós sofremos a influência do mundo em que vivemos, precisamos construir nosso próprio exílio, aquele lugar dentro de nós, ou a nossa própria casa, onde reavaliamos aquilo que o mundo nos apresenta como “novos valores” – quando, muitas vezes, são apenas contra-valores –, distinguimos/separamos o joio do trigo, e procuramos ficar com aquilo que convém à nossa família, aquilo que convém para fortalecer o nosso relacionamento com aqueles a quem amamos.
        Assim como a nossa, a família de Jesus sofreu forte hostilidade por parte do mundo, mas ela conseguiu resistir e se firmar porque a consciência e o coração de José estavam voltados para Deus. Toda decisão que José tomava era sob a orientação de Deus. Da mesma forma, Deus nos orienta hoje, na sua Palavra, a honrar e respeitar os nossos pais, amparando-os também, e, sobretudo, na velhice, sendo compreensivos para com eles (1ª. leitura). Portanto, não devemos adotar a mentalidade de que “começou a dar trabalho, eu abandono”, fazendo com que hoje muitos se tornaram filhos que abandonaram seus pais e pais que abandonaram seus filhos.
        A Palavra de Deus também nos orienta hoje quanto ao relacionamento dentro de casa, o qual deve ser revestido de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-nos uns aos outros e perdoando-nos mutuamente (2ª. leitura). Em quantas famílias os gritos, as ofensas e os palavrões tomaram o lugar da mansidão e da paciência, e se tornaram rotina, o arroz com feijão de cada dia? Em quantas casas não há falta de pão, mas falta de afeto? Quantos pais se esforçam para dar uma vida digna para os filhos, mas não se esforçam para se comunicar com eles? Em quantas casas, tanto os pais quanto os filhos estão conectados via internet com pessoas distantes, expressando palavras de carinho, mas vivem sem conexão e sem comunicação de carinho com os que estão dentro de casa?
          Existem atitudes que precisam ser revistas na família. A esposa não deve ser desleixada com a casa, nem consigo mesma, mas dedicada para com o marido. O marido, por sua vez, deve expressar, com palavras e atitudes, o seu amor pela esposa, lembrando que palavras e atitudes grosseiras costumam construir um muro que bloqueia o afeto da esposa para com o marido. A necessidade da obediência dos filhos em relação aos pais revela a inversão de valores que muitas famílias vivem hoje: filhos que mandam nos pais; filhos que determinam aos pais o que querem comer, o que querem ganhar, e pais que assumem o papel de empregados dos filhos, fazendo todas as suas vontades. Aos pais cabe a tarefa de colocar limites nos filhos e, ao mesmo tempo, incentivá-los, encorajá-los para enfrentar a vida e para lutar por aquilo que sonham, sem exigir que a vida lhes dê tudo de mão beijada, coisa que ela não costuma fazer. 
        Cada um de nós tem a sua história de vida e de família. É preciso acolher e respeitar cada pessoa, cada família, como se encontra hoje. Por iniciativa do Papa Francisco, será realizado, nos dois próximos anos, um Sínodo sobre a Família, enfrentando com coragem diversos desafios pastorais; entre eles, os casais em segunda união e a união entre pessoas do mesmo sexo. Peçamos ao Espírito Santo que torne a nossa Igreja sempre mais fiel à missão de Jesus Cristo, que disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes... Eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Mt 9,12-13). 
        Onde que quer exista uma família doente, desestruturada, formada longe do “tradicional”; onde quer que exista um relacionamento ferido, é lá, especialmente, que a Igreja deve estar como Mãe, cujo coração ama a todos, mas cujas entranhas se comovem pelo filho mais frágil, mas desestruturado. Que também nós trabalhemos em favor das famílias, para fortalecer aquelas que têm resistido aos Herodes de hoje, e para amparar aquelas que foram feridas e fragilizadas na sua estrutura, e que são, sem dúvida, objeto da compaixão de Deus Pai, neste momento da nossa história. 

                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

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