Missa
do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 4,1-2.6-8; Tiago
1,17-18.21b-22.27; Marcos 7,1-8.14-15.21-23.
Para nós entendermos melhor a
discussão entre Jesus e os fariseus a respeito do puro e do impuro é importante
nos lembrar de que ‘fariseu’ significa ‘separado’. Manter-se separado do mundo,
de certos lugares e de certas pessoas era, para um fariseu, uma questão de
preservar a sua própria identidade. Mas a nossa realidade é oposta à dos
fariseus no tempo de Jesus. No mundo globalizado em que vivemos, não há nada
que nos ‘separe’, que nos mantenha isolados ou preservados. Tudo nos afeta.
Tudo repercute dentro de nós, ainda que nem sempre nos demos conta disso. Para
nós, o problema não é a preocupação com o que possa nos tornar impuros, mas o
contrário: não termos mais critérios interiores para separar o puro do impuro.
Para os fariseus, o cuidado com o
impuro se resumia em lavar as mãos e em tomar banho depois que voltavam da rua,
do contato com as pessoas ‘impuras’ (cf. Mc 7,3-4). Nesse ponto há uma
semelhança entre a nossa geração e os fariseus: a excessiva preocupação com o
externo, uma preocupação que consome a maior parte das nossas energias e do
nosso dinheiro. O importante é manter a aparência, separar-me dos outros,
destacar-me deles a partir dos bens que possuo. Nos esquecemos deste sábio
ditado: “por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”.
Jesus chama a nossa atenção para o
perigo de um comportamento hipócrita: enquanto nossos lábios falam de Deus,
cantam hinos e se dirigem a Deus nas orações, nosso coração se mantém distante
dele. Se experimentamos um vazio cada vez maior de Deus em nossa sociedade, se
as nossas celebrações são muitas vezes frias, se os nossos hinos e as nossas
orações se desgastam e se mostram incapazes de nos colocar na presença de Deus,
cabe perguntar: onde está o nosso coração?
Quando Jesus se refere ao coração,
ele fala do nosso centro, do eixo da nossa vida, daquilo que nos mantém em pé,
daquilo que dá sentido à nossa vida. Eu posso estar fisicamente numa igreja,
numa celebração, ou num momento pessoal de oração, mas posso fazer isso sem que
o meu coração esteja ali. Ele está em outro lugar, gira em torno de outros
valores, tem outros encantos. Justamente por isso, enquanto meus lábios
procuram se aproximar de Deus, meu coração se mantém longe dele.
Se a nossa geração tem uma
preocupação excessiva com o exterior, se temos a mania de justificar os nossos
erros colocando a culpa no ambiente em que nos encontramos, Jesus nos alerta
que é de dentro do coração que saem as más intenções e todas as atitudes que
nos afastam de Deus. O profeta Jeremias chegou a afirmar que o nosso coração é
incorrigível, mas Deus perscruta, sonda as profundezas do nosso coração (cf. Jr
17,9-10). Se permitirmos que Ele entre ali, o nosso coração pode ser curado,
corrigido, purificado.
Estamos iniciando o mês da Bíblia.
Se vivemos num mundo globalizado, sem fronteiras, sem a separação do ‘puro’ e
do ‘impuro’, precisamos permitir que a Palavra de Deus aja como um filtro em
nosso coração, um filtro que nos ajude a separar o que convém do que não
convém, o que nos torna puros e o que nos torna impuros aos olhos de Deus. Por
isso, São Tiago nos convida a receber com humildade a Palavra que é capaz de
salvar a nossa vida, tomando o cuidado de sermos praticantes da Palavra e não
meros ouvintes (cf. Tg 1,21-22). Assim também, o Deuteronômio nos alerta para
nada acrescentarmos nem nada tirarmos da Palavra de Deus, pois nela está nossa
sabedoria e inteligência. Só ela pode devolver ao nosso coração a certeza da
proximidade do Senhor em relação a nós (cf. Dt 4,2.6-7).
Que a meditação e a obediência diária à
Palavra nos ajude a viver a nossa religião de maneira “pura e sem mancha diante
de Deus Pai”, que nada mais é do que “socorrer os necessitados em suas
tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 2,27). Que ela também
nos ajude a analisar as falas dos candidatos a Prefeito e Vereadores da nossa
cidade, nesta época da campanha eleitoral, quando há tantos lábios falando de
valores, de princípios e de propostas que estão totalmente ausentes de seus
próprios corações.
Pe. Paulo Cezar Mazzi