segunda-feira, 16 de abril de 2012

O SILÊNCIO COMO DESAPEGO

            O silêncio como agir ativo não consiste em que deixemos de falar e de pensar, mas sim em que nos desapeguemos dos nossos pensamentos e do nosso falar. Às vezes, mesmo alguém que exteriormente mantém o silêncio recusa este desapego. Ele se retrai ao seu silêncio para evitar a luta da vida, para poder apegar-se à imagem ideal  que ele faz de si próprio. São pessoas que desejariam continuar sentindo-se seguras no silêncio, recusam-se a deixar que as imagens de seus sonhos sejam destruídas na luta pela vida.
            Quem fala, sempre se expõe aos outros, oferece um flanco de ataque, sua palavras podem ser criticadas, ridicularizadas. Quando eu percebo que o que eu falei não tem sentido, e quando agradeço a Deus por ter cometido uma gafe em meus discursos, então na verdade eu me desapego de mim: “Foi bom para mim ser humilhado, para aprender tuas prescrições” (Sl 119,71).
           
O método do desapego
            O método consiste em não considerar as ideias e sentimentos como sendo tão importantes, e simplesmente deixá-los passar. Eu olho a ideia ou o sentimento e a deixo ir, não lhe dou muita importância. A ideia está aí, mas eu não irei ocupar-me com ela. Preciso primeiro aceitá-la: este é um problema meu, estas ideias são uma parte de mim, elas mostram quem eu sou. E posso viver com elas, mesmo tendo que arrastá-las por toda a vida. Não preciso mostrar a Deus que consegui derrotá-las ou que me libertei delas. Deus me aceita como todos os meus pensamentos...   
            Trata-se de deixar passar as tensões interiores. Ideias e emoções podem provocar tensões dentro de nós. Elas nos mantém ocupados. Ficamos fixados, dominados sempre pelas mesmas ideias e sentimentos. Enquanto eles nos mantém presos nesta tensão, nós somos incapazes de conviver produtivamente com eles.
            Uma maneira de deixar passar essas tensões é por meio da respiração. Expirando deixamos passar a contração física e interior. Uma outra forma é perguntar-se pelas causas da tensão, verificando onde se encontram meus desejos e exigências exageradas. Quando percebemos que protegemos nossos ideais com uma certa ansiedade, e que angustiadamente nos apegamos a determinadas formas exteriores, isto sempre é um sinal de que nos encontramos sob uma tensão de que precisamos nos libertar.
Uma ajuda para nos libertarmos destas tensões é a confiança de que estou protegido em Deus, de que posso me deixar cair em seus braços, porque os braços que esperam por mim não são braços que castigam, mas braços que amam. Deixo irem embora as seguranças com que pretendia garantir-me até mesmo contra Deus, e deixo que Deus se aproxime de mim. Eu renuncio a todas as conquistas espirituais, e abandono-me a Deus assim como eu sou, com todos os pensamentos que me angustiam. Agora ele pode assumir a direção da minha vida, pode agir para o meu bem, e também mostrar-me o seu amor por mim.
Aquele que quiser silenciar terá que despegar-se de si mesmo. E há de experimentar que muita coisa em nós se rebela contra isto, porque por natureza queremos fixar-nos em nós, e preferimos usar Deus como instrumento de nossa perfeição em lugar de entregar-nos a ele com nossas imperfeições. No desapego trata-se de abrir-nos para Deus. Tenho que desapegar-me, para que Deus possa fazer alguma coisa comigo. Tenho que deixar de agarrar-me a mim mesmo, tenho que abrir as minhas mãos, que desistir de me auto-afirmar, tenho que entregar-me para que Deus tenha acesso a mim e que desta maneira possa atuar sobre mim.

O silêncio como morte
No silêncio o monge exercita-se no morrer o homem velho. Se você for ao cemitério e insultar ou elogiar os mortos, eles nada responderão a você. Da mesma forma, você deve se tornar um cadáver, alguém que despreza tanto a injustiça quanto o louvor dos homens, da mesma forma como os mortos... O monge deve tornar-se independente do reconhecimento dos homens. Nem louvor nem injúria devem significar coisa alguma para ele, mas unicamente Deus.
No silêncio o monge torna-se morto para o mundo. O mundo deixa de ser importante para ele. Quando consegue chegar a esta morte interior, ele consegue viver no mundo sem ser dominado por ele. Vive no mundo, mas não do mundo. Sua razão de viver é Deus. Devemos morrer interiormente a fim de deixarmos espaço em nós para a verdadeira vida. Se imaginarmos que dentro de três dias estaremos enterrados, que haveríamos de deixar para trás?

O silêncio como peregrinação
Falando eu interfiro no acontecer do mundo, torno-me ativo, comento, critico, ou encaminho o mundo em determinada direção através do que ordeno e do que mando. No silêncio o monge deixa o mundo passar. Renuncia a mudá-lo, a corrigi-lo. Pois a figura deste mundo passa. 
O peregrino não pode considerar-se casa. Ele tem que continuar peregrinando. Assim também o silêncio é renunciar à casa como lugar de repouso, renunciar à segurança da palavra. A palavra é uma forma de comunicação com o mundo. O monge renuncia à palavra, renuncia a encontrar segurança no mundo. Ele percorre uma estrada interior. Torna-se um estranho no mundo a fim de peregrinar em direção a Deus.
Nós somos cidadãos do céu. Devemos peregrinar pelo mundo sem nos fixarmos, porque temos a nossa pátria no céu. Aquele que silencia permanece um estranho. Ele não se familiariza com as pessoas que o envolvem, ou com o mundo. De alguma maneira nós temos que superar o mundo, transcendê-lo, emigrar dele e caminhando deixar-nos dirigir e chamar por outra voz, temos que estar mortos para o mundo a fim de vivermos de Deus e para Deus.

O silêncio como liberdade e serenidade
O silêncio torna-nos interiormente livres. Deixamos de estar presos às coisas e apegamo-nos exclusivamente a Deus. Se nos ocupássemos com as coisas e com as pessoas a partir desta liberdade, nós não haveríamos de viver constantemente sob tensão. Poderíamos trabalhar com mais objetividade, porque não haveríamos constantemente de misturar nossas próprias necessidades e desejos com as coisas, e iríamos trabalhar mais, porque não haveríamos de investir uma energia desnecessária em coisas secundárias, como reconhecimento e louvor.

Do livro de Anselm Grün, As exigências do silêncio.

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