sexta-feira, 13 de outubro de 2023

ROUPA DE FESTA PARA PARTICIPAR DA GRANDE FESTA!

 

Missa do 28º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 25,6-10a; Filipenses 4,12-14.19-20; Mateus 22,1-14.

 

Um presente sem esperança de futuro é um presente fechado no desespero: não há perspectiva, não há pelo quê ou por quem esperar; tudo fica tomado pelo negativo de uma situação que parece que não mudará. O problema é que o nosso olhar não consegue ver além do tempo presente, além do véu do aqui e do agora. Mas existe uma outra forma de ver e de interpretar o tempo presente: é a visão apocalíptica, a visão para além do véu, pois “apocalipse” significa “revelação”, no sentido de “tirar o véu” e nos fazer enxergar que o nosso presente está aberto a um futuro e a uma esperança.

O texto que ouvimos hoje, do profeta Isaías, é um texto apocalíptico que faz a nossa visão transcender o presente e se abrir ao futuro: “O Senhor dará”; “Ele removerá”; “o Senhor Deus eliminará”; “Ele enxugará”; “Naquele dia se dirá: ‘Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou”; “A mão do Senhor repousará”... Mas, o que existe depois do tempo presente? O que nos aguarda no futuro? Um grande banquete! Esse banquete está sendo preparado pelo próprio Deus e é oferecido a todos os povos, porque Deus quer que todos os seres humanos sejam salvos. A razão de ser desse banquete é celebrar o fim da morte, o fim das lágrimas, o fim de todo sofrimento.

O mais importante dessa visão apocalíptica de Isaías é que ela não ficou esquecida no passado, mas foi retomada por Jesus no Evangelho, para nos falar do Reino de Deus, comparado a uma festa de casamento. É exatamente no livro do Apocalipse que essa festa é especificada como a festa de casamento do Cordeiro com sua noiva, a Igreja: “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete do casamento do Cordeiro” (Ap 19,9), convite atualizado em toda celebração eucarística que realizamos. Contudo, o comparecimento ao banquete eucarístico tem sido cada vez menor, o que é explicado por, no mínimo, dois motivos: 1) Nossas celebrações eucarísticas, com algumas exceções, estão longe de terem gosto de festa – na maioria das vezes, têm gosto de funeral; são vivenciadas como um rito morto, onde as manifestações de alegria são proibidas pelas normas litúrgicas. 2) Os convidados não têm tempo para irem à festa: estão ocupados demais com o tempo presente para pensarem no futuro; são pessoas presas ao aqui e ao agora, cujas vidas não têm abertura para o sonho, para a esperança, para o Reino de Deus – suas energias são gastam em sobreviver ao reino do mundo, cujo deus é o estômago.  

Diante da recusa dos convidados em participarem da festa de casamento, algo surpreendente acontece: o convite sai do centro e vai para a periferia – sai dos judeus religiosos e vai para os pagãos; sai das pessoas que se julgam merecedoras da salvação e vai para as pessoas julgadas como perdidas – “Então os empregados saíram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala da festa ficou cheia” (Mt 22,10). Como compreender que na festa do Reino dos Céus entrem também os maus e não somente os bons? O que Jesus quer ressaltar aqui é que salvação não é mérito nosso, mas dom de Deus, fruto do seu amor gratuito (cf. Is 55,1; Mt 5,45).

Mas será que, no fim das contas, tudo acabará em pizza? De modo algum! Ao observar na sala do banquete um homem que não estava vestido com seu traje de festa, o mesmo foi questionado e posto para fora! Esse traje de festa só pode ser compreendido à luz do banquete do Cordeiro: “Estão para realizar-se as núpcias do Cordeiro e sua esposa (a Igreja, isto é, os cristãos) já está pronta: concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente – pois o linho puro representa a conduta justa dos cristãos” (Ap 19,7-8). A gratuidade do amor e da salvação de Deus pede uma resposta da nossa parte: ajustar o nosso comportamento diário à vontade de Deus. Esse “traje de festa” também precisa questionar a maneira como nos vestimos para participar da celebração eucarística...

Eis a conclusão do Evangelho: “Muitos são chamados, e poucos são escolhidos” (Mt 22,14). Diante da vontade de Deus de salvar a todos, cada pessoa precisa responsabilizar-se por sua própria salvação – ter uma conduta justa, num mundo de valores invertidos, para o qual ao valor “justiça” foi substituído pelo “dar-se bem na vida”, mesmo que isso custe causar injustiça aos outros.

Retomando o início dessa reflexão, como está o nosso presente? Fechado em si mesmo ou aberto a um futuro e a uma esperança? Estamos entre os poucos que ainda esperam em Deus, ou já passamos para o lado da grande multidão que deixou de manter sua vida aberta a tal esperança? “Eu aprendi o segredo de viver em toda e qualquer situação, estando farto ou passando fome... Tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4,12-13). Nosso presente tem sido vivido na força daquele que nos faz suportar e superar as situações adversas, ou tem sido entregue ao desencanto e ao desespero?  

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

NÃO EXISTE JUSTIFICATIVA PARA SE MATAR EM NOME DE DEUS

 Missa do 27. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 2,33-43.

 

            A Sagrada Escritura está cheia de cenas de violência e manchada de muito sangue, principalmente no Antigo Testamento. Antes de Jesus Cristo se fazer pessoa humana e vir ao mundo nos revelar o verdadeiro rosto de Deus como Pai amoroso e misericordioso, que deseja a salvação de todo ser humano, tinha-se de Deus a ideia de um Deus guerreiro, inimigo de todo inimigo de Israel, a quem Ele havia escolhido como propriedade particular dentre todos os povos (cf. Dt 7,6.16). Como Israel, durante a maior parte da sua história, precisou enfrentar muitas lutas contra povos inimigos, ele entendeu Deus como “o Senhor dos Exércitos”, e suas lutas não como lutas entre homens, mas entre o Deus verdadeiro e os falsos deuses dos povos pagãos. Daqui nasce o conceito de “guerra santa”: matar em nome de Deus.

            Jesus não apenas nasceu judeu, mas veio ao mundo como o Messias prometido a Israel. Embora houvesse uma grande expectativa religiosa (de caráter apocalíptico) de que o Messias viria liderar uma revolução política, libertar Israel da dominação estrangeira (Império Romano) e instaurar definitivamente o Reino de Deus, um Reino sem dúvida “judaico”, Jesus se revelou como salvador do mundo, e não apenas de Israel, e anunciou o Reino de Deus como uma realidade que transcende a história humana e em cuja mesa de banquete se assentarão muitos do Oriente e do Ocidente, enquanto que os “filhos do Reino serão postos para fora” (Mt 8,12), por não terem tido fé naquele que Deus enviou: seu Filho Jesus.

            O resultado só podia ser um só: os líderes religiosos decidiram matar Jesus, da mesma forma como alguns líderes de Israel apedrejaram e mataram no passado os verdadeiros profetas, por não suportarem ser desmascarados em sua falsa segurança religiosa e política. Tais atitudes violentas aparecem mencionadas por Jesus, no Evangelho de hoje: “espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram” (Mt 21,35). Quanto ao próprio Jesus, morto pelo Império Romano por inveja dos líderes religiosos judaicos, sua execução aparece descrita dessa forma: “Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram” (Mt 21,39).

            A parábola que Jesus nos conta questiona o quanto nós estamos contaminados com a intolerância e a com violência; o quanto cristãos fanáticos desconhecem a Sagrada Escritura, a ponto de tirar versículos bíblicos do seu contexto e utilizá-los para justificar a morte daqueles que eles consideram seus inimigos; o quanto pessoas que se julgam “de bem” projetam em Deus o seu ódio e usam o seu Nome para justificar os muros que elas levantam contra aqueles que não pensam como elas, esquecendo o que afirmou o Papa Francisco: “Não nos cansamos de repetir que o nome de Deus nunca pode justificar a violência. Só a paz é santa, só a paz é santa, não a guerra”.

            Jesus entende que a religião existe para tornar o ser humano melhor. Quando uma pessoa, em nome da sua crença religiosa, se desumaniza, algo está profundamente errado. Essa desumanização não significa apenas tornar-se uma pessoa agressiva e defensora da violência, mas insensível e indiferente aos que sofrem devido às injustiças sociais. Foi isso que o Senhor Deus constatou no povo de Israel: “Eu esperava deles frutos de justiça — e eis injustiça; esperava obras de bondade — e eis iniquidade” (Is 5,7). Como consequência dessa inversão de valores na sua vida religiosa, Israel foi abandonado a si mesmo, colhendo os frutos da sua própria violência: “ela será devastada... pisoteada... não será podada nem lavrada, espinhos e sarças tomarão conta dela; não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela” (Is 5,5-6).

            Não são poucas as situações atuais que nos lembram essas palavras do profeta Isaías: pessoas devastadas pelas drogas, pisoteadas pela criminalidade, uma geração que, por não aceitar ser podada nem lavrada – por não aceitar limite algum – cresce como uma planta selvagem, cuja vida é tomada pelos espinhos e pelas sarças de comportamentos destrutivos; enfim, uma geração “amaldiçoada”, que vegeta no deserto de uma vida sem espiritualidade e sem humanidade, uma terra que sofre com um calor intenso e com falta de chuva porque escolheu virar as costas para Aquele que é Fonte de água viva (cf. Jr 2,13).

            A conclusão da parábola contada por Jesus é muito clara: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo” (Mt 21,41). Quem provoca destruição na vida dos outros, colherá destruição na sua. Quem, em nome de uma imagem doentia de Deus, se torna desumano, indiferente à dor alheia e colaborador de uma cultura de morte, será atingido pelo próprio mal que ajudou a propagar. “Todos os que pegam a espada, pela espada perecerão” (Mt 26,52). “Quem com ferro fere com ferro será ferido” (sabedoria popular).  

            Jesus fez um alerta aos líderes religiosos judaicos: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21,43). Este alerta continua válido para todas as religiões de todos os tempos. Deus se ausentará do coração de toda pessoa que aposta na força do mal como solução para seus próprios problemas ou para os problemas da humanidade, simplesmente porque Ele é “o Deus da paz” (Fl 4,9), e somente “os que promovem a paz serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).

           Pe. Paulo Cezar Mazzi    

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

O CUSTO DIÁRIO DO 'SIM' E DO 'NÃO'

 Missa do 26º dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 18,25-28; Filipenses 2,1-11; Mateus 21,28-32

 

Todos os dias a vida nos chama a fazer escolhas e a tomar decisões. Essas escolhas e decisões implicam em dizer ‘sim’ a algumas situações e dizer ‘não’ a outras. Se nós podemos fazer escolhas e tomar decisões significa que somos livres, e a história da nossa vida está sendo escrita exatamente hoje, quando podemos ou manter o nosso ‘sim’, ou mudá-lo em ‘não’.

O pai e os dois filhos, na parábola contada por Jesus, representam Deus, nós e a nossa liberdade. Cada vez que Deus nos dirige a sua Palavra, está dialogando com a nossa liberdade: “Filho, vai trabalhar hoje na vinha!” (Mt 21,28). Ao nos chamar a trabalhar na vinha, Deus está nos propondo valores, ideais, tarefas – numa palavra, uma missão, e nós temos a liberdade de responder ‘sim’ ou ‘não’ à sua proposta. Jesus chama a atenção não para a resposta dada no momento, mas para a atitude tomada depois da resposta: no primeiro momento, um filho disse ‘sim’ ao pai, mas depois acabou não sustentando o ‘sim’ dito; já o outro, no primeiro momento, disse ‘não’ ao pai, mas acabou mudando de ideia e fazendo o que o pai lhe pediu, dizendo, portanto, ‘sim’.

Cada um de nós poderia olhar para a sua história de vida e se perguntar: para o quê eu disse ‘sim’ ontem? Esse ‘sim’ está sendo mantido, ou se tornou ‘não’, com as minhas atitudes? Posso ter dito ‘sim’ ao abraçar um relacionamento, ao me comprometer com uma causa em favor do bem comum, ao tomar a decisão de seguir Jesus e viver segundo seu Evangelho... A questão é saber se as minhas atitudes hoje estão atualizando o ‘sim’ dado ontem, ou se estão fazendo exatamente o contrário.

Também seria importante analisarmos o outro lado: para o quê eu disse ‘não’ ontem? Posso ter dito ‘não’ para um vício, uma atitude corrupta, uma proposta de infidelidade, uma tentação etc. Mas, e hoje? Eu ainda sustento o ‘não’ que disse, ou ele tem se transformado em ‘sim’? Mudar o ‘sim’ em ‘não’ e o ‘não’ em ‘sim’ não tem problema algum, desde que aquilo que nos mova na vida seja ajustar o nosso comportamento à vontade de Deus. O problema é quando a mudança que fazemos nos leva a nos afastar da vontade de Deus e da sua salvação.  

Trazendo o Evangelho para os nossos dias atuais, não é difícil constatar a constante instabilidade na resposta que nós, pessoas do século XXI, damos às várias propostas que a vida nos apresenta. Tanto o nosso ‘sim’ quanto o nosso ‘não’ carecem de perseverança, de compromisso e de fidelidade, seja porque foram dados na hora da emoção – e emoção passa –, seja porque o custo para sustentá-los se apresentou alto demais, e acabamos mudando de resposta para pararmos de sofrer. Nos esquecemos de que Jesus, embora sendo Filho de Deus, aprendeu o que significa a obediência à vontade do Pai por aquilo que sofreu (cf. Hb 5,8). Ninguém sustenta seu ‘sim’ ou seu ‘não’ sem sofrer. Como nossa geração é avessa ao sofrimento, toda e qualquer dor torna-se justificativa mais do que suficiente para sermos infiéis à resposta dada a Deus.

O profeta Ezequiel nos mostra que o tempo mais importante para respondermos ao chamado de Deus é o dia de hoje: se até ontem dissemos ‘não’ a Deus e hoje decidirmos dizer ‘sim’, encontraremos a verdadeira vida. O contrário também é verdade: se até ontem dissemos ‘sim’ a Deus e hoje decidirmos dizer ‘não’, nos afastaremos da vida e caminharemos na direção da morte, lembrando que essa morte não é “castigo” de Deus, mas consequência de escolhas que nos levam à destruição de nós mesmos como pessoas. Portanto, o nosso grande desafio é atualizar o nosso ‘sim’ a Deus, conformando diariamente nossa vida à Sua vontade. Sem essa atualização, a nossa intenção de viver segundo a vontade de Deus perde o sentido e nós abandonamos a missão que havíamos abraçado.   

Houve uma religiosa que se consagrou a Deus durante cinquenta anos. Ao completar seu jubileu, ela recebeu como “prêmio” um período de férias com sua família. Estando em casa, com sua família, a religiosa tomou a decisão de não mais voltar para a vida consagrada no convento. Esse fato chocante nos faz perceber que nenhuma resposta que damos a Deus e à vida são definitivas. Nosso ‘sim’ pode mudar-se em ‘não’, e vice-versa. A questão é nos perguntar se os motivos da mudança se justificam ou não, e se toda mudança que fazemos na vida está nos aproximando ou nos afastando da vontade de Deus, que nada mais é do que o nosso bem e a nossa salvação.

 A oração do salmista pode nos ajudar: “Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, e fazei-me conhecer a vossa estrada! Vossa verdade me oriente e me conduza, porque sois o Deus da minha salvação” (Sl 25,4-5). Num tempo como o nosso, onde os compromissos assumidos ontem são abandonados hoje, com ou sem motivo justo, precisamos que Deus nos oriente com sua verdade, em nossas escolhas e decisões, para que não nos afastemos da sua vontade. Precisamos ter em nós o mesmo sentimento que havia em Cristo Jesus (cf. Fl 2,5): “Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7). Quando nos submetemos à vontade de Deus (obediência), podemos até fazer uma dura experiência de cruz, mas ali está a certeza da nossa salvação, pois Deus quer somente o nosso verdadeiro bem.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

NA SUA JUSTIÇA TAMBÉM CABE BONDADE?

 Missa do 25. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,6-9; Filipenses 1,20c-24.27a; Mateus 20,1-16a.  

 

            Justiça e bondade: dois valores importantes. É possível ser justo e também ser bom, ou será que esses dois valores se excluem mutuamente? Em outras palavras, quando uma pessoa precisa exercer a justiça, precisa deixar a bondade de lado?

Conciliar justiça e bondade é um desafio porque, enquanto a justiça tem como base o mérito, a bondade tem como base a gratuidade. E aqui entra o problema: mérito e gratuidade são coisas totalmente opostas. Para o mérito, a pessoa deve ser tratada segundo os seus esforços, o que, na prática, significa: ela colhe o que planta; para a bondade, a pessoa pode receber não só o fruto do seu esforço, mas até mesmo algo pelo qual não se esforçou, o que não tem direito a receber, e isso é tremendamente injusto!   

Por trás da parábola dos trabalhadores da vinha está uma pergunta: Deus é justo? Os líderes religiosos da época de Jesus – sumos sacerdotes, doutores da Lei de Moisés e fariseus – se consideravam homens justos. Eles aparecem na parábola representados pelos trabalhadores que foram contratados às 6h da manhã e que, portanto, trabalharam o dia inteiro na vinha. Com eles foi feito um acordo: o salário de uma moeda de prata ao final do dia. E foi precisamente o que receberam! Portanto, o patrão foi justo: cumpriu o que havia prometido a esses trabalhadores.

O problema está nos demais trabalhadores, aqueles que foram contratados às 9h, às 12h, às 15h e às 17h (!!!). Na hora de se pagar a diária, o patrão propositalmente começou pelos últimos, até chegar aos primeiros. Ao decidir dar aos últimos a mesma quantia que havia combinado com os primeiros – uma moeda de prata –, tal atitude gerou nestes a expectativa enganadora de que receberiam mais, pois trabalharam o dia inteiro! Obviamente, aos nossos olhos o protesto deles é mais do que justo! Ninguém duvida que pagar a mesma diária a quem trabalhou o dia inteiro e a quem trabalhou apenas meio período ou, mais absurdo ainda, apenas uma hora, seja totalmente injusto!!!

Para entendermos a parábola, precisamos levar em conta que o patrão representa Deus; os primeiros trabalhadores representam os judeus, chamados à salvação desde Abraão (1.850 aC), enquanto que os últimos trabalhadores representam os pagãos, que passaram a conhecer Deus somente a partir do anúncio do Evangelho, depois da ressurreição de Jesus. Portanto, o protesto dos primeiros trabalhadores pode ser entendido da seguinte maneira: não é justo que Deus ofereça a salvação também aos pagãos, uma vez que somente “na última hora” eles se converteram!

O objetivo de Jesus, com essa parábola, é revelar que Deus não é somente justo, mas também bom: Ele decidiu salvar os pagãos não pelos méritos deles – porque tivessem trabalharam “o dia inteiro” –, mas pela gratuidade do Seu coração, que “faz nascer o sol sobre bons e maus e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45): “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti” (Mt 20,14), e decidi fazer isso porque, além de ser justo, quero e posso também ser bom (cf. Mt 20,15).

Como nós nos sentimos diante desse evangelho? Com quais personagens nos identificamos: com os trabalhadores das 6h da manhã ou com os da 17h? Talvez muitos de nós tenham no coração a mesma impressão que alguns tinham, na época do profeta Malaquias: “É inútil servir a Deus; que lucro temos por observado os seus preceitos? Vamos felicitar os arrogantes: aqueles que praticam o mal prosperam; eles tentam a Deus e saem ilesos!” (Ml 3,14-15). No entanto, Jesus não contou essa parábola para nos falar que, no fim, tudo acabará em pizza (no fim, todos serão salvos). O que Jesus quer é que nosso relacionamento com o Pai não seja pautado pela ideia do mérito – eu sirvo a Deus unicamente porque estou de olho na moeda de prata que Ele me prometeu –, mas num amor bondoso e gratuito, que se alegra com cada pecador que se converte, ainda que seja “na última hora” da sua história de vida.

Um outro ensinamento importantíssimo neste evangelho é este: Deus não me salva porque eu mereço, mas porque eu preciso. E é assim com todas as outras pessoas. Tomemos cuidado com a nossa exigência cega por justiça, que condena antecipadamente tantas pessoas ao inferno. Não nos esqueçamos das palavras do Sl 143,2: “Não entres em julgamento com ter servo, pois frente a ti nenhum vivente é justo!”. Em outras palavras, se no coração de Deus só houvesse espaço para a justiça e não para a bondade, ninguém seria salvo!

Jesus, vivendo sempre segundo a justiça do coração do Pai, nos fez um alerta: “Se a justiça de vocês não for maior do que a justiça dos doutores da Lei e a dos fariseus, vocês não entrarão no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Se o nosso coração for habitado por uma justiça legalista, moralista, fria e cega, uma justiça que não tem espaço para a bondade e a misericórdia, nós não entendemos quem é Deus e não aprendemos nada com o Evangelho de Jesus.

Uma última palavra. Estamos no Ano Vocacional. Deus nos chama a trabalhar na sua vinha; Ele nos chama a trabalhar pela salvação de todo ser humano. Eu desenvolvo algum trabalho neste sentido, ou o meu trabalho está unicamente em função da minha sobrevivência (pior ainda, da minha busca individualista de enriquecimento)?   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

DECIDIR NÃO PERDOAR SIGNIFICA DECIDIR ADOECER

 Missa do 24º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 27,33 – 28,9; Romanos 14,7-9; Mateus 18,21-35.

 

            O texto do Evangelho de hoje encerra o capítulo 18 de São Mateus, um capítulo dirigido exclusivamente à vida fraterna na Igreja. Ao longo desse capítulo, Jesus nos tornou conscientes de duas coisas: 1. “É impossível que (na Igreja) não haja escândalo” (Mt 18,7); onde está o ser humano, ali está a possibilidade do erro, da falha, do pecado. 2. Diante do irmão que erra, é preciso colocar em prática a correção fraterna (cf. Mt 18,15-17), na tentativa de ajudar a pessoa a se tornar consciente de que seu erro está prejudicando a Igreja. Diante disso, Pedro, escolhido por Jesus para liderar a Igreja no sentido de confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32), faz uma pergunta que pode ser traduzida desse modo: “Existe limite para o perdão?”. A resposta de Jesus é clara: “É preciso perdoar sempre, pois Deus nos perdoa sempre”. Essa certeza do perdão de Deus está claramente expressa no salmo de hoje: “Ele te perdoa toda culpa, e cura toda a tua enfermidade... Não fica sempre repetindo as suas queixas, nem guarda eternamente o seu rancor. Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas” (Sl 103,3.9-10).

            Tanto o salmo de hoje quanto o texto do Eclesiástico nos tornam conscientes de que há uma relação direta entre falta de perdão e adoecimento: ao nos perdoar, Deus nos cura (cf. Sl 103,3), e o Eclesiástico pergunta: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?” (Eclo 28,3). Imaginemos que a vida seja como um rio cuja água flui através da correnteza. Quando ficamos magoados com a pessoa que nos feriu, nós represamos a água do rio. Uma vez represada, essa água fica parada e apodrece dentro de nós. “Mágoa” pode ser traduzida como “má água”, uma água que está parada e apodrecendo dentro de nós, o que consequentemente nos adoece. Para evitar essa água represada, um exercício pode nos ajudar: imaginar a ofensa que o outro nos fez como algo que não precisamos nem devemos reter conosco, mas jogá-lo no rio da vida e deixar com que a correnteza leve aquilo embora.

            Quando decidimos não perdoar, decidimos viver em função do passado. O rio da vida continua fluindo, a vida continua aberta, nos convidando a olhar para a frente, a seguir em frente, mas nós nos recusamos a olhar o que existe à nossa frente, a enxergar as novas possibilidades, escolhendo beber todos os dias uma xícara do veneno da raiva, da mágoa, do ódio, do ressentimento, não enxergando que a pessoa mais prejudicada com a falta de perdão somos nós mesmos.

            Na tentativa de nos tirar dessa paralisia que nos adoece e destravar a nossa vida, o Eclesiástico nos dá um conselho: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar” (Eclo 28,6). A vida é curta demais para escolhermos viver envenenados e adoecidos pela raiva ou pela mágoa. Quando menos imaginarmos, seremos recolhidos por Deus, e seria muito triste nos apresentarmos diante dele como quem não viveu tantas coisas que poderia ter vivido, porque escolheu enterrar-se vivo dentro do túmulo do ressentimento. Além disso, nos lembrar do nosso fim significa retomar a consciência de que seremos julgados por Deus, e nesse julgamento necessitaremos do seu perdão: “Perdoa a injustiça cometida por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados” (Eclo 28,2). Jesus também deixou claro que quem se recusa a perdoar de coração ao seu irmão não receberá o perdão que necessita da parte de Deus (cf. Mt 18,35).

            Talvez o nosso grande problema seja entender o que é perdoar. Se uma pessoa propositalmente nos fere, nos faz o mal, nós temos o direito de nos defender desse mal distanciando-nos e nos protegendo da pessoa. Esse distanciamento nem sempre é possível fisicamente, mas é sempre possível emocionalmente, internamente. Eu não posso escolher como a pessoa vai me tratar, mas posso escolher como vou responder ao que a pessoa está me fazendo. Ainda que todos os dias ela me ofereça veneno para beber, eu tenho a liberdade de não tomar o veneno, e assim me manter emocional e espiritualmente saudável

A importância do perdão é realçada por Jesus na imagem da prisão: decidir não perdoar significa sermos trancados na prisão do ressentimento e permitirmos ser torturados dia e noite pela mágoa, pela raiva. Quando tomamos a decisão de perdoar, nós nos libertamos dessa prisão e dessa tortura, e voltamos a viver livres, abertos às novas possibilidades que a vida tem a nos oferecer. A outra pessoa pode não ter mudado, mas nós mudamos a maneira de lidar com ela. Além disso, é sempre importante lembrar que toda pessoa que nos fere foi ferida antes por alguém. Às vezes, a agressão com que a pessoa nos trata nada tem a ver conosco; é apenas um pedido de ajuda de quem está machucado e não sabe como lidar com sua ferida.

Ainda uma palavra sobre o perdão. Perdoar não significa deixar com que a pessoa que feriu você continuar a fazer a mesma coisa. Trata-se apenas de você não viver em função do que aconteceu e ter mais cuidado ao lidar com a pessoa. Perdoar significa lembrar-se de que cada um de nós é parte do mesmo Corpo de Cristo, a Igreja: excluir um membro do corpo em nome da raiva prejudica todo o corpo. Mais importante do que nosso orgulho pessoal é a saúde emocional e espiritual do Corpo de Cristo, a Igreja. Enquanto a raiva estreita a nossa visão e a faz manter o foco na pessoa que nos feriu, o perdão alarga a nossa visão e nos faz enxergar que todo o Corpo se beneficiará com a nossa decisão em perdoar.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

SE O OUTRO SE PERDER, DE QUEM É O PROBLEMA?

 Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus 18,15-20.

 

            “Meu filho, não desprezes a correção do Senhor, não desanimes quanto ele te repreende; pois o Senhor educa a quem ama” (Hb 12,5-6). Essas palavras da carta aos Hebreus nos falam da necessidade que todos nós temos de sermos corrigidos por Deus. Somos humanos, e por isso mesmo, falhos; erramos, nos enganamos e necessitamos ser corrigidos. O problema é que a correção representa um golpe em nosso narcisismo ou perfeccionismo: não admitimos que nos apontem falhas, nem em nossa imagem, nem em nossa conduta. Por isso, quando somos corrigidos, nos sentimos humilhados, nos esquecendo de que a correção é fruto do amor: quem ama, educa; quem ama, corrige.

            Quando Deus ordena ao profeta Ezequiel corrigir o seu povo, deixa claro que tal correção é em vista da salvação da pessoa, isto é, de evitar que a pessoa destrua a si mesma com o seu comportamento errado. O problema é que nós vivemos num tempo de forte individualismo, onde cada um faz o que quer e não admite a intromissão de outrem em sua vida. Se, porventura, tentamos alertar uma pessoa a respeito da sua conduta injusta ou destrutiva, podemos receber como resposta: “Da minha vida cuido eu!”. Normalmente, a não aceitação da correção está ligada à não aceitação de limites: a pessoa cresceu achando-se o centro do mundo, tendo todas as suas vontades satisfeitas e sendo poupada de todo tipo de frustração.

            Quer encontremos abertura na pessoa para corrigi-la, quer não, Deus nos incentiva a exercer a tarefa da correção, conscientes de que o que está em jogo não é somente a salvação da pessoa, mas a nossa também: se estamos vendo uma pessoa se destruir e não fazemos nada para torná-la consciente disso, ela morrerá por suas próprias atitudes erradas, mas Deus nos pedirá contas da morte dela. Cada pessoa não corrigida torna o mundo pior, e nós estamos dentro do mesmo mundo que ela; cedo ou tarde, o comportamento destrutivo do outro nos atingirá. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém se salva sozinho” (FT, 54); “Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém” (FT, 137).

            Se a correção é necessária em vista da salvação da pessoa e do mundo, ela o é também em relação à salvação da própria Igreja. Jesus entende que não só no mundo, mas também na Igreja é impossível que não haja escândalos (cf. Mt 18,7); é impossível que não haja pessoas que pequem, que cometam erros que ferem a elas mesmas, aos irmãos e à própria Igreja. Diante do erro ou do pecado do irmão, é necessário exercer a correção fraterna. Essa correção começa com um falar em particular com o irmão, na tentativa de torná-lo consciente de que suas atitudes erradas estão prejudicando a vida da comunidade.

Caso o irmão não admita enxergar seu erro, deve-se encontrar na comunidade uma ou duas pessoas que possam auxiliar na conscientização do erro, na esperança de que a pessoa se convença de que precisa mudar suas atitudes. Se essa segunda tentativa falar, o líder da comunidade deve ser comunicado do fato e chamar a pessoa para conversar. Se nem ele conseguir convencer a pessoa a rever suas atitudes, a mesma deve ser afastada da comunidade, como um remédio amargo para si mesma e para se evitar que a mancha de óleo se espalhe e cause estragos ainda maiores.

Um detalhe importante: todo esse processo de correção do irmão que erra e da tentativa de recuperá-lo deve ser acompanhado pela oração comunitária (cf. Mt 18,19), pois Deus não quer que ninguém se perca (cf. Mt 18,14). Aquilo que nossas palavras não conseguem, a Sua graça pode conseguir, tocando no mais profundo da consciência da pessoa. Portanto, Jesus nos ensina que a Igreja não é uma comunidade de perfeitos, de pessoas isentas de erros, mas lugar onde os erros são corrigidos e as pessoas incentivadas a se tornarem melhores. E se a tentação de deixar a Igreja porque ela tem falhas humanas começar a falar alto dentro de nós, Jesus reforça a consciência de que sua presença será sempre maior na vida em comunidade do que numa fé vivida no âmbito estritamente individual: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). 

Neste segundo domingo do mês da Bíblia, A Palavra de Deus nos coloca alguns questionamentos: 1) Eu me deixo corrigir pelo Senhor? 2) Sei reconhecer meus erros e me disponho a modificar minhas atitudes? 3) Tenho consciência de que faço parte de um corpo – família, Igreja, sociedade humana – e que minhas atitudes refletem positiva ou negativamente nesse corpo? 4) Eu tomo a coragem de corrigir o irmão que, com suas atitudes, está ferindo ou mesmo destruindo a comunidade/Igreja? 5) Eu acolho minha Igreja como uma comunidade imperfeita, que através da constante correção fraterna busca se tornar melhor e mais configurada ao seu Fundador? 6) Vivo minha fé com os olhos fixos na perfeição e na santidade de Jesus Cristo ou nos erros e na imperfeição dos meus irmãos de comunidade? 7) A tentação de viver minha religiosidade em casa para não me decepcionar com as pessoas tem sido mais forte do que o meu esforço em me manter na comunidade, no seio da qual se faz presente o Senhor Jesus ressuscitado?    

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

FELICIDADE DIABÓLICA

 Missa do 22º dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 20,7-9; Romanos 12,1-2; Mateus 16,21-27.

 

            “A dor e o sofrimento, assim como a morte, devem ser eliminados da existência humana”. Esse tipo de discurso está presente na ciência, nas propagandas mentirosas de novos medicamentos da indústria farmacêutica, nas teorias de psicologias baratas de felicidade e, sobretudo, nas pregações de muitos falsos profetas do nosso tempo. A verdade é que todo ser humano tem uma repulsa natural diante da dor, do sofrimento e da morte. Sabendo disso, o mercado vende livros, remédios, aparelhos e qualquer coisa que possa manter as pessoas escravas da ilusão de que é possível passar pela vida sem terem que sofrer. E, no entanto, nunca como hoje tivemos uma humanidade tão doente, uma vida tão atribulada e pessoas tão incapazes de lidar com a dor e o sofrimento. 

            O evangelho da semana passada terminou com essas palavras: “Jesus proibiu severamente aos discípulos de falarem que ele era o Cristo (Messias)” (Mt 16,20). Qual a razão dessa proibição “severa” por parte de Jesus? Uma só: a expectativa ilusória de que o Messias viria ao mundo para libertar definitivamente o seu povo de todo tipo de sofrimento. Essa expectativa aparece hoje claramente na pessoa de Pedro que, ao tomar consciência de que Jesus, o Cristo, devia “sofrer muito, ser morto e ressuscitar no terceiro dia”, rejeitou imediatamente essa verdade: “Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!’” (Mt 16,22).

            Os papéis se inverteram! Ao invés de Pedro orientar-se na vida pela palavra de Jesus, achou-se no direito de “repreender Jesus”! “Por acaso dirá a argila àquele que a molda: ‘Que estás fazendo? A tua obra não está completa!”? (Is 45,9). Não foram poucas as vezes – e nem o serão! – em que nós repreendemos Deus por Ele não impedir a dor em nossa vida. A versão moderna da repreensão de Pedro: “Deus não permita tal coisa!” é: ‘Deus criou você para ser feliz, para vencer, para ser uma pessoa bem sucedida!’. Mas, será mesmo que a única razão pela qual nascemos é para sermos felizes, entendendo felicidade como ausência total de dor, de sofrimento e de morte? Deixemos Jesus responder...

            “Vai para longe, satanás!” (Mt 16,23). Segundo Jesus, toda pessoa que entende que a vida só vale a pena quando se pode ser feliz e não se tem que lidar com nenhum tipo de sofrimento, essa pessoa é satânica, diabólica, justamente porque o diabo é o pai da mentira, e a maior mentira que existe é fazer propaganda de uma vida em que não haja possiblidade alguma de dor ou de sofrimento. Portanto, tudo o que o mundo vende como promessa de felicidade constante e ausência de dor – remédio, tecnologia, igreja ou religião – é satânico, diabólico, porque mentiroso!

            O grande erro de Pedro, e da maioria de nós, é este: “Tu não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” (Mt 16,23). Os homens entendem a vida como busca de prazer e de felicidade, vivendo em função de si mesmos, sem se importarem com os outros; Deus entende a vida como doação, como o abraçar uma tarefa em função do bem da humanidade, ainda que tal tarefa comporte algum tipo de dor, de sofrimento. A pergunta que move o ego do ser humano é: “Onde está a minha felicidade?”. A pergunta que move o coração de Deus é: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). Enquanto os homens entendem que a vida só vale a pena se não houver nela nenhum tipo de sofrimento, Deus entende que o sentido da vida está em você aprender a enfrentar o sofrimento que faz parte da sua vocação, isto é, da tarefa para a qual você nasceu: tornar a humanidade melhor com a sua própria existência.

            Tenhamos consciência disso: o mundo em que vivemos nos colocou a todos debaixo da ditadura da felicidade, segundo a qual, você tem que estar feliz 24 horas por dia. Em nome dessa ditadura, os pais procuram agradar os filhos, ao invés de educá-los. Esses filhos, por sua vez, sendo constantemente poupados de frustração, se tornarão adultos incapazes de lidar com a vida, o que fará deles pessoas potencialmente suicidas. Tenhamos consciência de que a dor e o sofrimento nem sempre serão uma opção em nossa vida; opção será sempre a liberdade que temos de escolher como vamos lidar com eles. Enfim, tenhamos consciência do que acabou de nos dizer o apóstolo Paulo: “Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus” (Rm 12,2). A vontade de Deus não é que você sofra, mas que você não fuja do sofrimento que lhe cabe enfrentar como parte da sua história de vida; sobretudo, como consequência da sua fidelidade à verdade, à justiça e à sua própria vocação.  

Pe. Paulo Cezar Mazzi