sexta-feira, 6 de outubro de 2023

NÃO EXISTE JUSTIFICATIVA PARA SE MATAR EM NOME DE DEUS

 Missa do 27. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 2,33-43.

 

            A Sagrada Escritura está cheia de cenas de violência e manchada de muito sangue, principalmente no Antigo Testamento. Antes de Jesus Cristo se fazer pessoa humana e vir ao mundo nos revelar o verdadeiro rosto de Deus como Pai amoroso e misericordioso, que deseja a salvação de todo ser humano, tinha-se de Deus a ideia de um Deus guerreiro, inimigo de todo inimigo de Israel, a quem Ele havia escolhido como propriedade particular dentre todos os povos (cf. Dt 7,6.16). Como Israel, durante a maior parte da sua história, precisou enfrentar muitas lutas contra povos inimigos, ele entendeu Deus como “o Senhor dos Exércitos”, e suas lutas não como lutas entre homens, mas entre o Deus verdadeiro e os falsos deuses dos povos pagãos. Daqui nasce o conceito de “guerra santa”: matar em nome de Deus.

            Jesus não apenas nasceu judeu, mas veio ao mundo como o Messias prometido a Israel. Embora houvesse uma grande expectativa religiosa (de caráter apocalíptico) de que o Messias viria liderar uma revolução política, libertar Israel da dominação estrangeira (Império Romano) e instaurar definitivamente o Reino de Deus, um Reino sem dúvida “judaico”, Jesus se revelou como salvador do mundo, e não apenas de Israel, e anunciou o Reino de Deus como uma realidade que transcende a história humana e em cuja mesa de banquete se assentarão muitos do Oriente e do Ocidente, enquanto que os “filhos do Reino serão postos para fora” (Mt 8,12), por não terem tido fé naquele que Deus enviou: seu Filho Jesus.

            O resultado só podia ser um só: os líderes religiosos decidiram matar Jesus, da mesma forma como alguns líderes de Israel apedrejaram e mataram no passado os verdadeiros profetas, por não suportarem ser desmascarados em sua falsa segurança religiosa e política. Tais atitudes violentas aparecem mencionadas por Jesus, no Evangelho de hoje: “espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram” (Mt 21,35). Quanto ao próprio Jesus, morto pelo Império Romano por inveja dos líderes religiosos judaicos, sua execução aparece descrita dessa forma: “Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram” (Mt 21,39).

            A parábola que Jesus nos conta questiona o quanto nós estamos contaminados com a intolerância e a com violência; o quanto cristãos fanáticos desconhecem a Sagrada Escritura, a ponto de tirar versículos bíblicos do seu contexto e utilizá-los para justificar a morte daqueles que eles consideram seus inimigos; o quanto pessoas que se julgam “de bem” projetam em Deus o seu ódio e usam o seu Nome para justificar os muros que elas levantam contra aqueles que não pensam como elas, esquecendo o que afirmou o Papa Francisco: “Não nos cansamos de repetir que o nome de Deus nunca pode justificar a violência. Só a paz é santa, só a paz é santa, não a guerra”.

            Jesus entende que a religião existe para tornar o ser humano melhor. Quando uma pessoa, em nome da sua crença religiosa, se desumaniza, algo está profundamente errado. Essa desumanização não significa apenas tornar-se uma pessoa agressiva e defensora da violência, mas insensível e indiferente aos que sofrem devido às injustiças sociais. Foi isso que o Senhor Deus constatou no povo de Israel: “Eu esperava deles frutos de justiça — e eis injustiça; esperava obras de bondade — e eis iniquidade” (Is 5,7). Como consequência dessa inversão de valores na sua vida religiosa, Israel foi abandonado a si mesmo, colhendo os frutos da sua própria violência: “ela será devastada... pisoteada... não será podada nem lavrada, espinhos e sarças tomarão conta dela; não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela” (Is 5,5-6).

            Não são poucas as situações atuais que nos lembram essas palavras do profeta Isaías: pessoas devastadas pelas drogas, pisoteadas pela criminalidade, uma geração que, por não aceitar ser podada nem lavrada – por não aceitar limite algum – cresce como uma planta selvagem, cuja vida é tomada pelos espinhos e pelas sarças de comportamentos destrutivos; enfim, uma geração “amaldiçoada”, que vegeta no deserto de uma vida sem espiritualidade e sem humanidade, uma terra que sofre com um calor intenso e com falta de chuva porque escolheu virar as costas para Aquele que é Fonte de água viva (cf. Jr 2,13).

            A conclusão da parábola contada por Jesus é muito clara: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo” (Mt 21,41). Quem provoca destruição na vida dos outros, colherá destruição na sua. Quem, em nome de uma imagem doentia de Deus, se torna desumano, indiferente à dor alheia e colaborador de uma cultura de morte, será atingido pelo próprio mal que ajudou a propagar. “Todos os que pegam a espada, pela espada perecerão” (Mt 26,52). “Quem com ferro fere com ferro será ferido” (sabedoria popular).  

            Jesus fez um alerta aos líderes religiosos judaicos: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21,43). Este alerta continua válido para todas as religiões de todos os tempos. Deus se ausentará do coração de toda pessoa que aposta na força do mal como solução para seus próprios problemas ou para os problemas da humanidade, simplesmente porque Ele é “o Deus da paz” (Fl 4,9), e somente “os que promovem a paz serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).

           Pe. Paulo Cezar Mazzi    

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