Missa do 24º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 27,33 – 28,9; Romanos 14,7-9; Mateus 18,21-35.
O
texto do Evangelho de hoje encerra o capítulo 18 de São Mateus, um capítulo
dirigido exclusivamente à vida fraterna na Igreja. Ao longo desse capítulo,
Jesus nos tornou conscientes de duas coisas: 1. “É impossível que (na Igreja)
não haja escândalo” (Mt 18,7); onde está o ser humano, ali está a possibilidade
do erro, da falha, do pecado. 2. Diante do irmão que erra, é preciso colocar em
prática a correção fraterna (cf. Mt 18,15-17), na tentativa de ajudar a pessoa
a se tornar consciente de que seu erro está prejudicando a Igreja. Diante
disso, Pedro, escolhido por Jesus para liderar a Igreja no sentido de confirmar
seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32), faz uma pergunta que pode ser traduzida desse
modo: “Existe limite para o perdão?”. A resposta de Jesus é clara: “É preciso
perdoar sempre, pois Deus nos perdoa sempre”. Essa certeza do perdão de Deus
está claramente expressa no salmo de hoje: “Ele te perdoa toda culpa, e cura
toda a tua enfermidade... Não fica sempre repetindo as suas queixas, nem guarda
eternamente o seu rancor.
Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos
pune em proporção às nossas culpas” (Sl 103,3.9-10).
Tanto
o salmo de hoje quanto o texto do Eclesiástico nos tornam conscientes de que há
uma relação direta entre falta de perdão e adoecimento: ao nos perdoar, Deus
nos cura (cf. Sl 103,3), e o Eclesiástico pergunta: “Se alguém guarda raiva
contra o outro,
como poderá pedir a Deus a cura?” (Eclo 28,3). Imaginemos
que a vida seja como um rio cuja água flui através da correnteza. Quando
ficamos magoados com a pessoa que nos feriu, nós represamos a água do rio. Uma
vez represada, essa água fica parada e apodrece dentro de nós. “Mágoa” pode ser
traduzida como “má água”, uma água que está parada e apodrecendo dentro de nós,
o que consequentemente nos adoece. Para evitar essa água represada, um
exercício pode nos ajudar: imaginar a ofensa que o outro nos fez como algo que
não precisamos nem devemos reter conosco, mas jogá-lo no rio da vida e deixar
com que a correnteza leve aquilo embora.
Quando
decidimos não perdoar, decidimos viver em função do passado. O rio da vida
continua fluindo, a vida continua aberta, nos convidando a olhar para a frente,
a seguir em frente, mas nós nos recusamos a olhar o que existe à nossa frente,
a enxergar as novas possibilidades, escolhendo beber todos os dias uma xícara do
veneno da raiva, da mágoa, do ódio, do ressentimento, não enxergando que a
pessoa mais prejudicada com a falta de perdão somos nós mesmos.
Na
tentativa de nos tirar dessa paralisia que nos adoece e destravar a nossa vida,
o Eclesiástico nos dá um conselho: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar” (Eclo
28,6). A vida é curta demais para escolhermos viver envenenados e adoecidos
pela raiva ou pela mágoa. Quando menos imaginarmos, seremos recolhidos por Deus,
e seria muito triste nos apresentarmos diante dele como quem não viveu tantas coisas
que poderia ter vivido, porque escolheu enterrar-se vivo dentro do túmulo do
ressentimento. Além disso, nos lembrar do nosso fim significa retomar a consciência
de que seremos julgados por Deus, e nesse julgamento necessitaremos do seu
perdão: “Perdoa a injustiça cometida por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados” (Eclo 28,2). Jesus
também deixou claro que quem se recusa a perdoar de coração ao seu irmão não
receberá o perdão que necessita da parte de Deus (cf. Mt 18,35).
Talvez
o nosso grande problema seja entender o que é perdoar. Se uma pessoa
propositalmente nos fere, nos faz o mal, nós temos o direito de nos defender desse
mal distanciando-nos e nos protegendo da pessoa. Esse distanciamento nem sempre
é possível fisicamente, mas é sempre possível emocionalmente, internamente. Eu
não posso escolher como a pessoa vai me tratar, mas posso escolher como vou
responder ao que a pessoa está me fazendo. Ainda que todos os dias ela me
ofereça veneno para beber, eu tenho a liberdade de não tomar o veneno, e assim
me manter emocional e espiritualmente saudável
A importância do perdão é realçada por Jesus na imagem
da prisão: decidir não perdoar significa sermos trancados na prisão do
ressentimento e permitirmos ser torturados dia e noite pela mágoa, pela raiva.
Quando tomamos a decisão de perdoar, nós nos libertamos dessa prisão e dessa
tortura, e voltamos a viver livres, abertos às novas possibilidades que a vida
tem a nos oferecer. A outra pessoa pode não ter mudado, mas nós mudamos a
maneira de lidar com ela. Além disso, é sempre importante lembrar que toda
pessoa que nos fere foi ferida antes por alguém. Às vezes, a agressão com que a
pessoa nos trata nada tem a ver conosco; é apenas um pedido de ajuda de quem
está machucado e não sabe como lidar com sua ferida.
Ainda uma palavra sobre o perdão. Perdoar não
significa deixar com que a pessoa que feriu você continuar a fazer a mesma
coisa. Trata-se apenas de você não viver em função do que aconteceu e ter mais
cuidado ao lidar com a pessoa. Perdoar significa lembrar-se de que cada um de
nós é parte do mesmo Corpo de Cristo, a Igreja: excluir um membro do corpo em
nome da raiva prejudica todo o corpo. Mais importante do que nosso orgulho
pessoal é a saúde emocional e espiritual do Corpo de Cristo, a Igreja. Enquanto
a raiva estreita a nossa visão e a faz manter o foco na pessoa que nos feriu, o
perdão alarga a nossa visão e nos faz enxergar que todo o Corpo se beneficiará
com a nossa decisão em perdoar.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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