Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus 18,15-20.
“Meu
filho, não desprezes a correção do Senhor, não desanimes quanto ele te
repreende; pois o Senhor educa a quem ama” (Hb 12,5-6). Essas palavras da carta
aos Hebreus nos falam da necessidade que todos nós temos de sermos corrigidos
por Deus. Somos humanos, e por isso mesmo, falhos; erramos, nos enganamos e
necessitamos ser corrigidos. O problema é que a correção representa um golpe em
nosso narcisismo ou perfeccionismo: não admitimos que nos apontem falhas, nem
em nossa imagem, nem em nossa conduta. Por isso, quando somos corrigidos, nos
sentimos humilhados, nos esquecendo de que a correção é fruto do amor: quem
ama, educa; quem ama, corrige.
Quando
Deus ordena ao profeta Ezequiel corrigir o seu povo, deixa claro que tal
correção é em vista da salvação da pessoa, isto é, de evitar que a pessoa
destrua a si mesma com o seu comportamento errado. O problema é que nós vivemos
num tempo de forte individualismo, onde cada um faz o que quer e não admite a
intromissão de outrem em sua vida. Se, porventura, tentamos alertar uma pessoa
a respeito da sua conduta injusta ou destrutiva, podemos receber como resposta:
“Da minha vida cuido eu!”. Normalmente, a não aceitação da correção está ligada
à não aceitação de limites: a pessoa cresceu achando-se o centro do mundo,
tendo todas as suas vontades satisfeitas e sendo poupada de todo tipo de
frustração.
Quer encontremos
abertura na pessoa para corrigi-la, quer não, Deus nos incentiva a exercer a
tarefa da correção, conscientes de que o que está em jogo não é somente a
salvação da pessoa, mas a nossa também: se estamos vendo uma pessoa se destruir
e não fazemos nada para torná-la consciente disso, ela morrerá por suas
próprias atitudes erradas, mas Deus nos pedirá contas da morte dela. Cada
pessoa não corrigida torna o mundo pior, e nós estamos dentro do mesmo mundo
que ela; cedo ou tarde, o comportamento destrutivo do outro nos atingirá. Como
afirma o Papa Francisco, “ninguém se salva sozinho” (FT, 54); “Precisamos fazer
crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva
ninguém” (FT, 137).
Se a correção é necessária em vista
da salvação da pessoa e do mundo, ela o é também em relação à salvação da
própria Igreja. Jesus entende que não só no mundo, mas também na Igreja é
impossível que não haja escândalos (cf. Mt 18,7); é impossível que não haja
pessoas que pequem, que cometam erros que ferem a elas mesmas, aos irmãos e à
própria Igreja. Diante do erro ou do pecado do irmão, é necessário exercer a
correção fraterna. Essa correção começa com um falar em particular com o irmão,
na tentativa de torná-lo consciente de que suas atitudes erradas estão
prejudicando a vida da comunidade.
Caso
o irmão não admita enxergar seu erro, deve-se encontrar na comunidade uma ou
duas pessoas que possam auxiliar na conscientização do erro, na esperança de
que a pessoa se convença de que precisa mudar suas atitudes. Se essa segunda
tentativa falar, o líder da comunidade deve ser comunicado do fato e chamar a
pessoa para conversar. Se nem ele conseguir convencer a pessoa a rever suas
atitudes, a mesma deve ser afastada da comunidade, como um remédio amargo para
si mesma e para se evitar que a mancha de óleo se espalhe e cause estragos ainda
maiores.
Um
detalhe importante: todo esse processo de correção do irmão que erra e da
tentativa de recuperá-lo deve ser acompanhado pela oração comunitária (cf. Mt
18,19), pois Deus não quer que ninguém se perca (cf. Mt 18,14). Aquilo que
nossas palavras não conseguem, a Sua graça pode conseguir, tocando no mais
profundo da consciência da pessoa. Portanto, Jesus nos ensina que a Igreja não
é uma comunidade de perfeitos, de pessoas isentas de erros, mas lugar onde os
erros são corrigidos e as pessoas incentivadas a se tornarem melhores. E se a
tentação de deixar a Igreja porque ela tem falhas humanas começar a falar alto
dentro de nós, Jesus reforça a consciência de que sua presença será sempre
maior na vida em comunidade do que numa fé vivida no âmbito estritamente
individual: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no
meio deles” (Mt 18,20).
Neste
segundo domingo do mês da Bíblia, A Palavra de Deus nos coloca alguns
questionamentos: 1) Eu me deixo corrigir pelo Senhor? 2) Sei reconhecer meus
erros e me disponho a modificar minhas atitudes? 3) Tenho consciência de que
faço parte de um corpo – família, Igreja, sociedade humana – e que minhas
atitudes refletem positiva ou negativamente nesse corpo? 4) Eu tomo a coragem
de corrigir o irmão que, com suas atitudes, está ferindo ou mesmo destruindo a
comunidade/Igreja? 5) Eu acolho minha Igreja como uma comunidade imperfeita,
que através da constante correção fraterna busca se tornar melhor e mais
configurada ao seu Fundador? 6) Vivo minha fé com os olhos fixos na perfeição e
na santidade de Jesus Cristo ou nos erros e na imperfeição dos meus irmãos de
comunidade? 7) A tentação de viver minha religiosidade em casa para não me
decepcionar com as pessoas tem sido mais forte do que o meu esforço em me
manter na comunidade, no seio da qual se faz presente o Senhor Jesus
ressuscitado?
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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