Missa do 4º dom. Advento. Palavra de Deus: Isaías 7,10-14; Romanos 1,1-7; Mateus 1,18-24.
Os textos bíblicos deste último domingo
do Advento nos colocam diante de dois homens chamados a se tornarem pais: o rei
Acaz (séc. 8 aC) e o carpinteiro José (séc. 1 dC). Enquanto o filho de Acaz
representa a promessa, o filho de José representa a realização da promessa,
para mostrar que Deus “vigia sobre a sua Palavra até que ela se realize” (cf.
Jr 1,12). Isso significa que nenhuma das promessas de Deus ficará esquecida ou
perdida no tempo, mas todas se cumprirão no seu devido tempo.
O
rei Acaz é chamado a tornar-se pai num contexto de ameaça de guerra. A guerra
destrói tudo, trazendo consigo a morte e a perda de confiança no futuro.
Exatamente na iminência de uma guerra que poderá destruir o seu reino, Acaz
recebe uma promessa de Deus: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um
filho, e lhe porá o nome de Emanuel” (Is 7,14). A virgem, nesse caso, é a
esposa de Acaz; o filho é Ezequiel, futuro rei de Israel, garantia de que
haverá um futuro para um reino que está ameaçado de ser eliminado da face da
terra.
O futuro nascimento de Ezequias
aponta para outro nascimento, o de Jesus Cristo, verdadeiro Emanuel, o “Deus
conosco” (Mt 1,23), que nos garantiu: “Eu estarei convosco todos os dias, até o
fim dos tempos” (Mt 28,20). Séculos mais tarde, o apóstolo Paulo perguntará:
“Se Deus está conosco, quem estará contra nós?” (Rm 8,31).
O Evangelho de hoje nos fala da “origem”
humana de Jesus, uma origem que se dá num contexto de forte crise para o
coração de José. A gravidez de Maria surpreendeu José e o jogou numa profunda
crise, enchendo seu coração de perguntas que ele não conseguia responder. Desconhecendo
o plano de Deus, era natural que José concluísse que a gravidez de Maria era
fruto de uma traição, a qual pedia a justiça da época: o apedrejamento até a
morte.
Aqui entra a grandeza de José, aquilo
que o Evangelho chama de “justiça”: “José, seu marido, era justo” (Mt 1,19).
Para não denunciar Maria publicamente e expô-la ao risco de um apedrejamento,
José decide abandoná-la em segredo, assumindo a “culpa” de ter engravidado sua
noiva e não ter assumido a responsabilidade pelo filho. José poderia ter exigido
“justiça” e entregue Maria ao apedrejamento, mas ele não o fez. Quantas
injustiças nós causamos aos outros ao ficarmos cegos pelo nosso desejo de justiça?
Assim
como José, alguns dos nossos sonhos se tornam pesadelos: o sonhado filho cresce
e se torna dependente químico, ou mesmo bandido; o casamento se deteriora em
divórcio; determinado sonho de consumo traz consigo dívidas impagáveis que
transtornam a família; o sonhado trabalho numa determinada empresa esconde a
convivência com pessoas corruptas ou pagãs, que serão má companhia para o
marido ou para a esposa...
Durante a vida, todos nós teremos
que enfrentar alguns pesadelos, mas o Evangelho nos traz a boa notícia de que
Deus pode sonhar dentro dos nossos pesadelos, falar ao nosso inconsciente e ampliar
o horizonte da nossa vida. Enquanto o nosso consciente se defende daquilo que a
vida está nos pedindo, o nosso inconsciente se mantém aberto àquilo que Deus
sonha para nós. Desse modo, Deus fala a José por meio de um sonho, explicando a
“origem” da gravidez de Maria e convidando José a se abrir aos Seus planos.
José
foi chamado a cuidar de um filho que ele não gerou. A quantos de nós a vida
está pedindo para cuidar de algo – ou de alguém – que não geramos, que não foi
querido ou “causado” por nós, mas que depende absolutamente do nosso cuidado,
para ter prosseguimento e futuro? A nossa vida pode ganhar um sentido
totalmente novo quando aceitamos cuidar de algo que não é nosso, mas que Deus
colocou em nosso caminho, para que o abracemos como nossa
responsabilidade.
José
não teve participação alguma na geração de Jesus no ventre de Maria, mas cabe a
ele dar um nome àquele menino: “Tu lhe darás no nome de Jesus” (Mt 1,21), que
significa “Deus salva”. Toda criança que nasce precisa de uma referência
masculina e de uma feminina. Infelizmente, mais da metade das famílias
brasileiras não tem “José” dentro de casa. A ausência de uma figura paterna abre
uma lacuna enorme na formação da personalidade dos filhos, por mais que a mãe
seja uma heroína e os crie sozinha.
Deus
nos desafia como Igreja a sermos a presença de José junto às inúmeras crianças
carentes de pai, crianças “adotadas” precocemente pelo tráfico de drogas, pelo
mundo da criminalidade e pela profunda desorientação das redes sociais. Que a
presença discreta e silenciosa de José na Sagrada Escritura nos inspire a
ocuparmos o nosso lugar na história da salvação. Assim como ele, que nós nos
tornemos homens e mulheres “justos”, dispostos a ajustar a nossa vida aos
projetos de Deus, que visam o bem e a salvação nossa e da humanidade.
Oração: Senhor Deus, meu Pai, muitos são
os pesadelos que atormentam a minha mente e angustiam o meu coração. Ajuda-me a
dormir, para que o meu consciente, que sempre se defende dos Seus planos a meu
respeito, desligue e o meu inconsciente acolha os sonhos que Tu tens para mim.
Desse modo, poderei compreender a razão pela qual fui chamado(a) à existência,
e ocupar o meu lugar na história da Salvação, sendo fiel à tarefa de cuidar
daquilo que a vida está me pedindo para cuidar, neste momento. Por Jesus
Cristo, na força do Espírito Santo. Amém.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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