Missa do 1º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Deuteronômio 26,4-10; Romanos 10,8-13; Lucas 4,1-13.
Em todo primeiro domingo da Quaresma
ouvimos o Evangelho das tentações de Jesus. Dois são os motivos. Primeiro, para
nos tornar conscientes de que a nossa vida é um combate espiritual. Segundo,
para nos lembrar de que a Quaresma, cuja meta é a nossa transformação, a nossa
libertação em Cristo, é um tempo mais intenso do ataque do inimigo, para nos
fazer desistir da conversão que sabemos ser necessária para a nossa vida. Tomar
consciência disso não nos deve desanimar, pois não estamos sozinhos nesse
combate espiritual: o Espírito Santo está conosco, como força do Alto, dada por
Deus, para nos auxiliar.
“Jesus, cheio do Espírito Santo,
voltou do Jordão (batismo), e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito. Ali
foi tentado pelo diabo durante quarenta dias” (Lc 4,1-2). Por qual razão o
Espírito Santo nos coloca numa situação de deserto e nos permite ser tentados
pelo diabo? Porque Ele é o “Espírito da Verdade” (Jo 16,13) e essa Verdade
precisa nos tornar conscientes das mentiras que nos habitam, mentiras que
costumamos usar para justificar a nossa permanência no pecado.
São Lucas nos informa que Jesus “foi
tentado pelo diabo durante quarenta dias” (Lc 4,2). O número “quarenta”
simboliza, na Bíblia, a duração da vida de uma pessoa. Portanto, assim como
Jesus, nós somos tentados pelo espírito do mal a vida toda, sendo que essa
tentação se intensifica quando experimentamos uma situação de fome, de
carência, de ausência de algo que nos é importante e necessário. De fato, foi
quando Jesus sentiu fome que o diabo se aproximou dele para tentá-lo. Portanto,
quando sofremos uma carência, uma ausência, precisamos estar atentos porque ali
é o momento oportuno para o tentador se aproximar de nós e nos propor falsas
compensações para a nossa fome, para a frustração de um desejo que não está
sendo satisfeito em nós.
Enquanto na primeira tentação o diabo
propôs a Jesus dar livre curso aos seus desejos e não sofrer a frustração de nada, na segunda ele lhe prometeu um caminho de sucesso, de glória e de plena
autorrealização. Exatamente porque vivemos num mundo capitalista que produz desigualdade
social, o sonho de consumo da maioria das pessoas é ficar rica. Em nome desse
sonho, sacrifica-se a saúde, o casamento, a relação com os filhos, a fé, a
espiritualidade, o caráter, a honestidade etc. Enquanto ambicionam “ganhar o mundo
inteiro”, essas pessoas destroem-se a si mesmas (cf. Lc 9,25) e aquilo que mais
têm de sagrado na vida, esquecendo-se do que o próprio tentador disse: “Tudo isso
foi entregue a mim e posso dá-lo a quem eu quiser” (Lc 4,6). Em outras
palavras, o desejo pelo enriquecimento é puramente diabólico.
Diferente de Mateus e de Marcos, Lucas é
o único evangelista que, ao narrar as tentações de Jesus, encerra o relato com
uma observação preocupante: “Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de
Jesus, para retornar no tempo oportuno” (Lc 4,13). Quando, auxiliados pelo
Espírito Santo, conseguimos resistir e não cair em tentação, não podemos
aposentar nossas armas espirituais e pensar que conseguimos atingir um nível de
maturidade emocional e espiritual que nos garantirá nunca mais cair no pecado.
Para o diabo, nunca faltará o “momento oportuno” de voltar a nos visitar e nos
tentar. Quando é esse momento? Principalmente, o momento da dor, da perda, do
fracasso, da frustração, do cansaço, da decepção com Deus, com as pessoas,
conosco mesmos e com a vida, o momento do envelhecimento, da perda de
importância para a Igreja e para a sociedade da produção e do resultado; numa
palavra, o momento da solidão da morte. É ali que o diabo se aproximará de nós
e nos perguntará se valeu a pena termos sacrificado tantas coisas em nome da
nossa fé, para agora morrermos como pessoas insignificantes e esquecidas por
Deus e pelo mundo. Precisamos estar conscientes e preparados para esse ataque
final do maligno.
Quais são suas tentações mais
frequentes? Como você lida com sua fome, com sua carência? Você consegue ter
maturidade para frustrar seus desejos, sempre que eles se tornam uma armadilha
para manter você escravo(a) do pecado? Vivendo em um mundo materialista e competitivo,
onde quem pode mais chora menos, você se percebe contaminado pelo desejo diabólico
de ser um vencedor, uma pessoa de sucesso, garantindo-se ilusoriamente pelo
acúmulo de riqueza material? Seus joelhos se dobram diariamente diante de Deus
para pedir que Ele te faça prosperar sempre mais, ou para que Ele te conceda o
pão de cada dia? Você tem consciência de que toda vitória sua contra o tentador
é apenas temporária e que ele sempre encontrará um momento oportuno para voltar
a te tentar? No momento de maior dor, de maior solidão e de maior
insignificância, você manterá a sua fé no amor de Deus por você?
Pe. Paulo Cezar Mazzi