quinta-feira, 27 de março de 2025

SER O ABRAÇO DO PAI PARA TODO AQUELE QUE PRECISA VOLTAR A VIVER

 Missa do 4º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Josué 5,9a.10-12; 2Coríntios 5,17-21; Lucas 15,1-3.11-32.

 

O que motivou Jesus a contar a parábola que acabamos de ouvir foi a crítica dos fariseus e dos mestres da Lei: “Este homem acolhe pecadores e faz refeição com eles” (Lc 15,2). Por trás dessa crítica, há uma imagem distorcida de Deus e da Igreja: quando uma pessoa decide conscientemente se afastar de Deus pecando, Deus a abandona no seu pecado, e o papel da Igreja é declarar que tal pessoa está perdida, que não tem salvação. Em outras palavras, para os fariseus e os mestres da Lei de ontem e de hoje, a Igreja é o lugar dos salvos e o “mundo” é o lugar dos perdidos, dos que não têm salvação.       

Jesus deixa claro que Deus não aceita perder ninguém, e para recuperar um filho Seu, Ele é capaz de tudo. Além disso, a Igreja não é o lugar dos salvos, mas dos reencontrados, porque não há ninguém que algum dia não tenha se perdido na vida. Ninguém de nós está garantido de não se perder, assim como não há ninguém perdido que não possa ser reencontrado. Jesus quer reavivar em nós a esperança de que nada está perdido para sempre: o filho mais novo estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado! (cf. Lc 15,24.32).

Se o desencanto nos faz abandonar a esperança da volta, da mudança, da conversão, Jesus nos ensina que a nossa fé deve ser pascal: para quem crê, sempre existe uma possibilidade de páscoa, de tomar o caminho de volta e fazer a passagem da morte para a vida, da perda para o reencontro. Aqui cabe uma pergunta: “Minha fé se transformou em desilusão ou ainda pulsa viva, na certeza de que aquele que morreu pode voltar a viver e aquele que se perdeu pode ser reencontrado?”.

O filho mais novo, que decide não mais viver na casa com o pai, retrata a humanidade atual, na sua decisão de não depender de Deus, de afastar-se da religião (autoridade do Pai), decidindo por si mesma o que é o bem e o que é o mal; em alguns casos, de crer em Deus, mas de não aceitar que Ele interfira nas suas escolhas e decisões, por meio das orientações da Igreja; em outros casos, de viver como se Deus não existisse. O resultado do afastamento de Deus é uma vida autodestrutiva, pois toda pessoa que decide sair das mãos de Deus passa a destruir-se com suas próprias mãos.

Eis o retrato da autodestruição: o filho que tinha tudo na casa do pai agora se encontra passando fome, sem poder comer até mesmo a comida que ele próprio dava aos porcos. Esse filho desceu ao mais profundo do poço, ao mais profundo do buraco que ele mesmo cavou. Quando nós rejeitamos depender de Deus, passamos a sofrer uma dependência imposta pelo mundo. Quantas pessoas estão vivendo no meio de porcos?

Felizmente, existe algo no ser humano capaz de fazê-lo voltar: sua consciência. Foi “caindo em si” que o filho mais novo percebeu o erro que havia cometido e que ainda havia um lugar para o qual voltar: sua casa; ainda havia alguém para quem ele voltar: seu pai! Se existe um caminho de distanciamento, existe também um caminho de reaproximação. Nada está perdido para sempre; nada está morto definitivamente! É possível voltar! Nós temos não apenas “para onde” voltar, mas para quem voltar: o Pai! Qualquer que seja o nosso pecado, qualquer que tenha sido o nosso desejo de matá-lo dentro de nós, o Pai continua vivo e de braços abertos para nos receber de volta! Portanto, se muitas pessoas desistiram de si mesmas, Deus não desiste de nenhum ser humano.

O coração do Evangelho está aqui: “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos... ‘Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’” (Lc 15,20.23-24). O retrato mais verdadeiro de Deus está aqui! Somos provocados por esta cena a nos deixar abraçar pelo Pai. É possível que também nós estejamos longe d’Ele, longe da Sua compaixão para com quem erra. Precisamos do Seu abraço, para que o nosso coração deixe de se referir ao que erra como “esse teu filho” e passe a reconhecê-lo como “este meu irmão”. 

Vivendo no seio de uma humanidade órfã, nós precisamos ser o “abraço do Pai” para as pessoas descartadas, esquecidas e ignoradas. Todos aqueles que estão perdidos precisam saber que podem ser reencontrados! Todos aqueles que estão mortos por dentro precisam saber que podem voltar a viver! Jesus quer a sua Igreja misericordiosa, um lugar onde haja lugar para aqueles que não têm lugar neste mundo. A ação pastoral da nossa Igreja precisa se traduzir em buscar e salvar os que se distanciaram, se extraviaram, se perderam. O abraço do Pai precisa chegar, por meio de cada um de nós, a muitos que ainda estão longe.

Deus hoje nos faz um apelo para que reconheçamos que aquele que se perdeu é nosso irmão, e a nossa alegria só será completa quando aquele que está morto voltar a viver, quando aquele que está perdido for encontrado. Por isso, ao comungar hoje, é importante que nos perguntemos: A quem eu devo procurar? Quem precisa ser encontrado por mim? Para quem eu devo ser nesta semana sacramento da misericórdia do Pai?

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi    

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