Missa do 4º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Josué 5,9a.10-12; 2Coríntios 5,17-21; Lucas 15,1-3.11-32.
O que motivou Jesus a contar a parábola
que acabamos de ouvir foi a crítica dos fariseus e dos mestres da Lei: “Este
homem acolhe pecadores e faz refeição com eles” (Lc 15,2). Por trás dessa
crítica, há uma imagem distorcida de Deus e da Igreja: quando uma pessoa decide
conscientemente se afastar de Deus pecando, Deus a abandona no seu pecado, e o
papel da Igreja é declarar que tal pessoa está perdida, que não tem salvação.
Em outras palavras, para os fariseus e os mestres da Lei de ontem e de hoje, a
Igreja é o lugar dos salvos e o “mundo” é o lugar dos perdidos, dos que não têm
salvação.
Jesus deixa claro que Deus não aceita
perder ninguém, e para recuperar um filho Seu, Ele é capaz de tudo. Além disso,
a Igreja não é o lugar dos salvos, mas dos reencontrados, porque não há ninguém
que algum dia não tenha se perdido na vida. Ninguém de nós está garantido de
não se perder, assim como não há ninguém perdido que não possa ser
reencontrado. Jesus quer reavivar em nós a esperança de que nada está perdido
para sempre: o filho mais novo estava morto e tornou a viver; estava perdido, e
foi encontrado! (cf. Lc 15,24.32).
Se o desencanto nos faz abandonar a
esperança da volta, da mudança, da conversão, Jesus nos ensina que a nossa fé deve
ser pascal: para quem crê, sempre existe uma possibilidade de páscoa, de tomar
o caminho de volta e fazer a passagem da morte para a vida, da perda para o
reencontro. Aqui cabe uma pergunta: “Minha fé se transformou em desilusão ou
ainda pulsa viva, na certeza de que aquele que morreu pode voltar a viver e
aquele que se perdeu pode ser reencontrado?”.
O filho mais novo, que decide não mais
viver na casa com o pai, retrata a humanidade atual, na sua decisão de não
depender de Deus, de afastar-se da religião (autoridade do Pai), decidindo por
si mesma o que é o bem e o que é o mal; em alguns casos, de crer em Deus, mas
de não aceitar que Ele interfira nas suas escolhas e decisões, por meio das
orientações da Igreja; em outros casos, de viver como se Deus não existisse. O
resultado do afastamento de Deus é uma vida autodestrutiva, pois toda pessoa
que decide sair das mãos de Deus passa a destruir-se com suas próprias mãos.
Eis o retrato da autodestruição: o filho
que tinha tudo na casa do pai agora se encontra passando fome, sem poder comer
até mesmo a comida que ele próprio dava aos porcos. Esse filho desceu ao mais
profundo do poço, ao mais profundo do buraco que ele mesmo cavou. Quando nós
rejeitamos depender de Deus, passamos a sofrer uma dependência imposta pelo
mundo. Quantas pessoas estão vivendo no meio de porcos?
Felizmente, existe algo no ser humano
capaz de fazê-lo voltar: sua consciência. Foi “caindo em si” que o filho mais
novo percebeu o erro que havia cometido e que ainda havia um lugar para o qual
voltar: sua casa; ainda havia alguém para quem ele voltar: seu pai! Se existe
um caminho de distanciamento, existe também um caminho de reaproximação. Nada
está perdido para sempre; nada está morto definitivamente! É possível voltar!
Nós temos não apenas “para onde” voltar, mas para quem voltar: o Pai! Qualquer
que seja o nosso pecado, qualquer que tenha sido o nosso desejo de matá-lo dentro
de nós, o Pai continua vivo e de braços abertos para nos receber de
volta! Portanto, se muitas pessoas desistiram de si mesmas, Deus não
desiste de nenhum ser humano.
O coração do Evangelho está aqui:
“Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao
encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos... ‘Vamos fazer um banquete. Porque
este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi
encontrado’” (Lc 15,20.23-24). O retrato mais verdadeiro de Deus está aqui!
Somos provocados por esta cena a nos deixar abraçar pelo Pai. É possível que
também nós estejamos longe d’Ele, longe da Sua compaixão para com quem erra.
Precisamos do Seu abraço, para que o nosso coração deixe de se referir ao que
erra como “esse teu filho” e passe a reconhecê-lo como “este meu irmão”.
Vivendo no seio de uma humanidade órfã, nós
precisamos ser o “abraço do Pai” para as pessoas descartadas, esquecidas e
ignoradas. Todos aqueles que estão perdidos precisam saber que podem ser
reencontrados! Todos aqueles que estão mortos por dentro precisam saber que
podem voltar a viver! Jesus quer a sua Igreja misericordiosa, um lugar onde
haja lugar para aqueles que não têm lugar neste mundo. A ação pastoral da nossa
Igreja precisa se traduzir em buscar e salvar os que se distanciaram, se
extraviaram, se perderam. O abraço do Pai precisa chegar, por meio de cada um
de nós, a muitos que ainda estão longe.
Deus hoje nos faz um apelo para que
reconheçamos que aquele que se perdeu é nosso irmão, e a nossa alegria só será
completa quando aquele que está morto voltar a viver, quando aquele que está
perdido for encontrado. Por isso, ao comungar hoje, é importante que nos perguntemos:
A quem eu devo procurar? Quem precisa ser encontrado por mim? Para quem eu devo
ser nesta semana sacramento da misericórdia do Pai?
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário