quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

DESOBSTRUIR A FONTE INTERNA DA NOSSA ALEGRIA

 Missa do 3º dom. do advento. Palavra de Deus: Sofonias 3,14-18a; Filipenses 4,4-7; Lucas 3,10-18.

 

            “Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém!” (Sf 3,14). Quando foi a última vez que você sentiu alegria? O que é preciso acontecer na sua vida para que você sinta alegria?

            Quando o profeta Sofonias convidou o povo de Israel a se alegrar, o país estava mergulhado na miséria, na violência e no sofrimento. Mesmo diante desse contexto de desolação, o profeta levanta sua voz para anunciar: “Não temas, (...) não te deixes levar pelo desânimo! O Senhor, teu Deus, está no meio de ti” (Sf 3,16-17). Ainda que as circunstâncias não sejam favoráveis; ainda que a época em que estamos vivendo seja excessivamente problemática; ainda que estejamos feridos e tenhamos sofrido perdas, não podemos deixar o medo nos engolir, nem nos entregar ao desânimo, porque o Senhor está conosco! Sua presença junto a nós não é uma ameaça, mas um convite à confiança no Seu amor e no Seu poder de tudo transformar.

            Esse mesmo convite à alegria é retomado pelo salmista: “Exultai cantando alegres, habitantes de Sião, porque é grande em vosso meio o Deus Santo de Israel!” (Is 12,6). A razão da nossa alegria não depende do fato de que tudo esteja correndo bem em nossa vida; ela se apoia na certeza de que Deus é grande; Ele é maior que tudo o que nos acontece e está no meio de nós, junto a nós, dentro de nós, através do Seu Espírito! Portanto, a alegria renasce em nós todas as vezes em que tomamos consciência de que somos habitados por Deus, através do Espírito Santo. Também o apóstolo Paulo, mesmo estando preso, nos convida à alegria: “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos” (Fl 4,4). Trata-se de nos alegrar “no Senhor” e por causa do Senhor, em cujas mãos está a nossa existência.

            Não há dúvida de que são muitas as nossas preocupações e os nossos problemas; não há como ignorá-los, mas o apóstolo Paulo nos dá um conselho: “Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças” (Fl 4,6). A inquietação, o medo, o sentimento de ameaça devem dar lugar dentro de nós à confiança e à entrega, fazendo da nossa oração o momento em que colocamos tudo nas mãos de Deus e nos abandonamos por completo aos Seus cuidados. Quando fazemos isso, a inquietação, o medo, a angústia dão lugar à paz: aconteça o que acontecer, estamos sob os cuidados de Deus. Ele sempre faz com que tudo concorra para o bem daqueles que a Ele se confiam e n’Ele esperam.

            Se o motivo da alegria cristã é a proximidade da vinda do Senhor, diante do anúncio desta, feito por João Batista, pessoas de diferentes categorias fizeram-lhe a seguinte pergunta: “Que devemos fazer?” (Lc 3,10.12.14). A alegria está no esperar o Senhor fazendo, isto é, cuidando daquilo que a vida está nos pedindo para cuidar, neste momento. Algumas frases possam nos ajudar a compreender melhor no que consiste a alegria: “A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita” (Ghandi). “A alegria de fazer o bem é a única felicidade verdadeira” (Tolstói). “Há mais alegria em dar do que em receber” (At 20,35). “O sábio não se senta para lamentar-se, mas se põe alegremente em sua tarefa de consertar o dano feito” (Shakspeare). “Não há satisfação maior do que aquela que sentimos quando proporcionamos alegria aos outros” (Masaharu Taniguchi).

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

UMA GERAÇÃO LIGADA NA ESTÉTICA (PELE SEM MANCHA), MAS DESLIGADA DA ÉTICA (CONSCIÊNCIA LIMPA)

Missa da Imaculada Conceição. Palavra de Deus: Gênesis 3,9-15.20; Efésios 1,3-6.11-12; Lucas 1,26-38.

 

Neste ano, a liturgia do segundo domingo do advento cede lugar à Solenidade da Imaculada Conceição, celebrada no dia 08 de dezembro. Recordemos o dogma de fé que fundamenta tal solenidade: “Por uma graça e favor singular de Deus onipotente e em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada intacta de toda a mancha do pecado original no primeiro instante da sua conceição” (Papa Pio IX, 1854). Em outras palavras, nossa Igreja crê que Maria, diferente de qualquer outro ser humano, foi concebida sem a mancha do pecado original, justamente para ser a mãe do Santo de Deus, Jesus Cristo, nosso Salvador.

O texto do Gênesis nos relata aquilo que a Igreja chama de “pecado original”. Adão e Eva, personagens bíblicos que simbolizam a humanidade nas suas origens, desobedeceram a Deus e comeram o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Eles são o retrato de todo ser humano que escolhe não viver na dependência de Deus, mas determinar por si mesmo o que é o bem e o que é mal, segundo a sua conveniência. Aqui entra a noção bíblica de pecado: pecar significa “fazer o que é mal aos olhos de Deus” (Sl 51,6). Se alguma coisa nos oferece algum tipo benefício, mas provoca o mal em nós mesmos, em nosso próximo ou na criação (meio ambiente), ela é má aos olhos de Deus e deve ser evitada. O resultado de todo pecado é o sofrimento, a destruição, a infelicidade e a morte.

A pergunta de Deus a Adão é dirigida a cada um de nós, hoje: “Onde você está?” (Gn 3,9). Deus quer que cada um de nós tome consciência de como está sua vida; como temos usado a nossa liberdade; para onde nossas escolhas e nossas decisões estão nos levando e o que elas têm produzido em nossa história pessoal e social. Enquanto Adão se dá conta de que o pecado o afastou de Deus, Eva explica que pecou porque foi enganada: “A serpente enganou-me e eu comi” (Gn 3,13). Na época em que esta página do Gênesis foi escrita, a serpente estava ligada aos rituais de fertilidade e de fecundidade, e os israelitas deixavam-se fascinar por esses cultos cananeus. A serpente é apenas um símbolo da sedução do maligno, o “pai da mentira” (Jo 8,44). Nós só pecamos porque nos deixamos enganar, caindo na armadilha do maligno.

A boa notícia no relato do pecado de Adão e Eva é a promessa de que o Filho da Mulher esmagará a cabeça da serpente (cf. Gn 3,15), uma referência a Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria como Santo (cf. Lc 1,35), para nos libertar da condenação do nosso pecado, nos retirar de uma situação de desobediência e tornar o nosso coração capaz de obediência à vontade de Deus, que deseja o nosso verdadeiro bem, a nossa verdadeira felicidade e salvação.

O Evangelho nos anuncia o cumprimento da promessa de Deus, apresentando-nos Maria, a nova Eva, aquela que não dialoga com o maligno, nem se deixa enganar por suas seduções, mas dialoga com Deus na sua consciência, e procura em tudo fazer a sua vontade. A Virgem Maria é saudada pelo anjo Gabriel como “cheia de graça” (cf. Lc 1,28); portanto, como uma pessoa em quem o pecado nunca teve espaço para entrar e macular, sujar, corromper. Diferente de Eva, Maria escolhe obedecer em tudo a Deus, tornando-se, assim, modelo para cada um de nós, sempre que somos convidados a abraçar a missão que Deus deseja nos confiar, para a salvação da humanidade: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Aqui começa o Natal! Ao dizer “faça-se em mim segundo a tua palavra!”, Maria permite que a Palavra de Deus se faça carne (cf. Jo 1,14), pessoa humana em seu ventre, e nasça Aquele que cujo sangue tem o poder de perdoar nossos pecados (cf. Ef 1,7), verdade atestada também na carta aos Hebreus: “O sangue de Cristo que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha, há de purificar a nossa consciência das obras mortas para que prestemos culto ao Deus vivo” (Hb 9,14).    

            Cristo, vítima sem mancha, nascido da Virgem Maria, imaculada, concebida sem a mancha do pecado original. Ambos são o que cada um de nós é chamado a se tornar: “Em Cristo, ele (Deus Pai) nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor” (Ef 1,4). Nenhum ser humano passa por este mundo sem pecar, sem se manchar: “Se dissermos: ‘Não temos pecado’, enganamo-nos e a verdade não está em nós” (1Jo 1,8). Nossa verdade de filhos de Deus é o fato de que sempre seremos livres para fazer escolhas e tomar decisões, independente das circunstâncias que marcam a nossa vida em cada momento, e nem sempre nossa escolha ou decisão será a de Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38); algumas vezes, em busca de um bem aparente, mas não verdadeiro, nós interromperemos nosso diálogo com Deus, para abrir um diálogo com o Tentador, dizendo-lhe: “Faça-se em mim segundo a tua mentira”. Desse modo, conceberemos o pecado, e mancharemos a nossa história pessoal e social.

            Nesta festa da Imaculada Conceição da Virgem Maria, assumamos o compromisso de cuidar mais da ética (comportamento justo) do que da estética (remover manchas da nossa pele). Não nos esqueçamos do alerta do Papa Francisco: muitos filhos comem pão sujo em casa, porque a maneira como seus pais ganham dinheiro é desonesta. Lembremos do conselho de Jesus: “Deem o que possuem em esmola (socorram os pobres), e tudo ficará puro (sem mácula) para vocês” (Lc 11,41). Cuidemos, enfim, do nosso olhar: “A lâmpada do corpo é o teu olho. Se o teu olho estiver são, todo o teu corpo ficará iluminado (limpo, imaculado); mas se ele for mau, teu corpo também ficará escuro (sujo, maculado)” (Lc 11,34).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi