Missa 26º dom. comum. Palavra de Deus: Números 11,25-29; Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48
Chegamos ao último domingo do mês da
Bíblia. Às vezes, a Palavra de Deus, na liturgia do domingo, nos oferece um
único fio condutor para a nossa reflexão, como aconteceu domingo passado: a
questão da necessidade de reconhecimento e de aceitação. Hoje, não temos um
único fio condutor, mas ao menos três: a questão da inveja no campo religioso, a
questão do escândalo que leva as pessoas a perderem a fé e a questão das
injustiças sofridas pelos pobres por causa das desigualdades sociais.
A inveja no
campo religioso.
Tanto Josué (1ª leitura) quanto João
(Evangelho) tiveram dificuldade em compreender que Deus é livre e age onde
quer, independente de qualquer instituição religiosa. O Espírito de Deus é
livre como o vento (cf. Jo 3,8) e não pode ser aprisionado por nenhuma
instituição religiosa. “Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Os caminhos que Ele usa para isso nunca
podem ser determinados por qualquer igreja ou religião.
A inveja nasce do sentimento de
inferioridade: eu me sinto menos do que o outro; por isso, qualquer coisa que
ele aparente ser ou ter a mais do que eu mexe com a minha inferioridade e me
faz invejar o que ele tem ou é. A cura da inveja passa pelo reconhecimento do
meu valor como pessoa: eu não sou e não devo ser como o outro, pois isso
cancelaria a minha originalidade e a minha unicidade. Somos todos “notas
musicais”: nenhuma nota sozinha é capaz de fazer uma canção. É a originalidade
de cada nota, em comunhão (harmonia) com as demais, que possibilita o
nascimento da música.
Dois grandes erros precisam ser
evitados, quando se trata da pluralidade religiosa do mundo atual: o
relativismo – a ideia de que tudo é de Deus e tudo leva para o mesmo objetivo –
e a pretensão da exclusividade – “Só a minha igreja/religião salva”.
A questão do
escândalo que leva à perda da fé.
Onde existe o ser humano, existe a
possibilidade do escândalo, do erro, da falha, do pecado. Jesus não se
escandaliza com o pecado de ninguém, pois ele foi humano como nós e é capaz de
se compadecer das nossas fraquezas (cf. Hb 4,15). No entanto, deixa claro que
quando uma atitude nossa – consciente e intencional – leva uma pessoa a perder
a fé em Deus, isso terá como consequência a nossa condenação eterna. Quem “joga”
uma pessoa nos braços do Maligno com o seu erro terá o Maligno por “recompensa”.
Jesus quer nos tornar conscientes de
que todos nós temos o nosso “calcanhar de Aquiles”, o nosso ponto fraco, e quem
acha que nunca se tornará causa de escândalo para alguém não se conhece
verdadeiramente. A única forma de se evitar causar escândalo é frustrar o
próprio desejo. As expressões “cortar a mão”, “cortar o pé” e “arrancar o olho”
significam dar um corte em nós mesmos – especificamente, na área do desejo.
Aqui precisamos recordar mais uma vez: sentir não significa consentir. O pecado
não entra no sentir, mas no consentir. Não escolhemos sentir desejo, mas temos
liberdade e responsabilidade quanto ao consentir que ele nos leve a pecar e, consequentemente,
a nos tornar causa de escândalo para os outros. Por que causa de escândalo?
Porque o próprio Jesus garantiu: “Não há nada encoberto que não venha a ser
descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado” (Mt 10,26).
Se o mundo atual reduziu o sentido
da vida a sentir prazer, devemos estar cientes de que frustrar o próprio desejo
é uma tarefa difícil, sofrida e que pouquíssimas pessoas se disporão a
enfrentar. No entanto, é a capacidade de lidar com frustração que diferencia um
adulto de uma criança. Só quem é verdadeiramente uma pessoa madura, adulta,
consegue dizer “não” a si mesma. Quanto mais somos pessoas infantilizadas,
adultas quanto a algumas questões, mas adolescentes quanto a outras, menos
capacidade – e, sobretudo, vontade – temos de frustrar determinados desejos que
darão origem a escândalos, que por sua vez farão pessoas desacreditarem de nós
mesmos, de Deus e da nossa Igreja.
Gerar ou alimentar
desigualdade social é condenar-se perante Deus.
São Tiago nos alerta que todo salário
mal pago grita aos ouvidos de Deus! Empresários cristãos precisam se libertar
da ganância desmedida do enriquecimento individual e tornar suas empresas
promotoras de justiça social. A desigualdade de salários nas empresas em geral
é, via de regra, absurda e gritante. Os que mais trabalham, os que mais estão
expostos a riscos para a sua saúde, são os que têm os salários mais baixos. Se
o enriquecimento de uma Empresa é fruto de salários miseráveis pagos aos seus
funcionários, esse enriquecimento está condenado perante Deus: “Vós vivestes
luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando os vossos corações para o
dia da matança. Condenastes o justo e o assassinastes; ele não resiste a
vós” (Tg 5,5-6). Todo empresário que paga salários de fome aos seus
funcionários enquanto ele mesmo vive uma vida de luxo é um assassino aos olhos
de Deus.
Enfim, por uma questão de verdade e de
justiça, lembremos que o outro lado da moeda se chama “Justiça do Trabalho”,
onde muitos trabalhadores desonestos, orientados por advogados igualmente
desonestos, vão reivindicar valores financeiros injustos e absurdos, “quebrando”
empresários. Todas as pessoas que participam desse jogo sujo, que assassina a
verdade e a justiça em nome do dinheiro, terão que prestar contas das suas atitudes perante o Justo
Juiz, cuja justiça não tem como ser comprada.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi